Base de proteção da Funai a índios isolados

 

do site Amazônia Real                                              

 

 

 | 23/12/2018 às 16:58

 

Base de proteção da Funai a índios isolados no Vale do Javari, no Amazonas, é atacada a tiros por invasores

 

Maloca dos índios Korubo (Foto: Heriverton Vargas/Funai/2016)

A Base Ituí-Itacoaí, uma das três bases de proteção de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Vale do Javari, localizada no município de Atalaia do Norte, na fronteira do Amazonas com o Peru, foi atacada a tiros por invasores na madrugada deste sábado (22), por volta de 3h. A área onde está localizada a base é onde vivem os indígenas isolados Korubo. A suspeita da Polícia Militar é de que os invasores sejam pescadores e caçadores ilegais do Alto Solimões. O território é farto de espécies como pirarucu e diferentes tipos de quelônios, sobretudo tracajá. Ituí e Itacoaí são afluentes do rio Javari.

Em nota oficial, o 8º Batalhão do Policial Militar de Tabatinga (Alto Solimões), disse que a guarnição policial que está dando apoio à Funai na fiscalização que acontece neste mês na região foi “acionada para averiguar presença de invasores na área indígena” e que “os invasores, ao perceberem a movimentação no flutuante da Funai, iniciaram um intenso tiroteio contra funcionários e guarnição da polícia militar que se preparavam para abordagem”. Os invasores, segundo a PM, estavam na outra margem do rio e atiraram contra a base, sendo revidados pelos policiais. O 8º BPM é o responsável pela coordenação das ações policiais na TI Vale do Javari.

Conforme a nota do 8º BPM, “foi feito acompanhamento da embarcação invasora e ocorreu novamente um intenso confronto com a Polícia Militar, sendo avistada uma segunda embarcação de infratores”. Segundo o Comando, “as armas utilizadas pelos infratores seriam espingarda, revólveres e pistolas e que estes estariam com uma grande quantidade de munição, pois continuavam de forma intensa a investida contra a guarnição policial militar”. Uma embarcação da Funai foi atingida por projéteis de arma de fogo. Os servidores da Funai, os policiais e os indígenas não ficaram feridos, segundo o comandante.

A Polícia Militar de Tabatinga disse também que devido ao horário e à baixa visibilidade causada pela chuva, o acompanhamento dos invasores foi feito através do barulho do motor das embarcações, mas eles fugiram pela mata antes de uma nova abordagem policial.

Cartuchos encontrados após ataque contra base da Funai no rio Ituí, no Vale do Javari (Foto: Divulgação/PM)

Em entrevista à Amazônia Real neste domingo (23), o comandante do 8º BBM, Major Herlon Gomes, disse que desde o início deste mês uma guarnição formada por quatro policiais militares está na região dando apoio aos servidores da Funai em operações de fiscalização.

Ele disse que ficou surpreso com o ataque dos invasores à base da Funai. Para ele, a atitude dos invasores foi incomum.

“Já tivemos outros casos [de confronto com armas], mas durante as fiscalizações nos encontros dos rios. Isso já aconteceu no rio Jandiatuba, em São Paulo de Olivença [município vizinho de Atalaia do Norte], e em operações em Tabatinga. Mas com essa gravidade, de um ataque a uma balsa da base, essa foi a primeira vez”, disse o comandante à Amazônia Real. O rio Jandiatuba também é área da Terra Indígena Vale do Javari, onde vivem grupos isolados, entre eles os chamados Flecheiros.

 

Comandante diz que policiais precisam permanecer

Para o Major Herlon Gomes, os invasores foram “ousados” e pretendiam atingir os próprios servidores da Funai e os indígenas que trabalham na base, entre eles os Matís. A base também tem a presença de alguns índios Korubo do grupo contatado em 1996. No local também fica a embarcação de uma equipe de profissionais de saúde que atendem os indígenas do Vale do Javari.

“Eles só não conseguiram porque havia policiais no local. Acho que eles não imaginavam que havia uma guarnição na base fazendo a segurança dos funcionários da Funai. Ou pode ter sido outra situação, de eles estarem incomodados com a presença de policiais”, disse o major.

Segundo o comandante, a saída dos policiais da base está prevista para esta semana, mas ele pretende solicitar da Funai que haja uma imediata troca de guarnição para que o local não fique desprotegido.

“Não estava prevista nenhuma substituição agora. Apenas em janeiro. Nesta segunda-feira (24) queremos fazer uma reunião com o chefe da missão [da Funai]. A Funai disse que não podia substituir por contenção de gasto, mas a gente vai alegar que é necessário continuar policiais. Eles têm que reorganizar a questão financeira, porque a base não pode ficar sem policiais”, afirmou o major.

Amazônia Real procurou a Coordenação Regional da Funai do Vale do Javari, mas não obteve informações sobre o assunto. Também procurou a presidência da Funai através da assessoria de comunicação e também não recebeu retorno. Assim que o órgão se pronunciar a respeito as informações serão atualizadas nesta matéria.

 

Rio Itacoaí na região da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

 

Área dos índios Korubo

A Base de Proteção Ituí-Itacoaí é coordenada pela Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A região, segundo Paulo Marubo, presidente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), é área dos índios Korubo, tanto o grupo contatado em 1996 quanto os que permanecem isolados (a maioria).

Paulo Marubo mostra-se preocupado com o aumento de invasores na região do Vale do Javari. Ele afirma que desde que as notícias sobre a política indigenista do presidente eleito Jair Bolsonaro começaram a circular, os invasores se sentiram à vontade para entrar na terra indígena.

“O que a gente tem ouvido aqui em Atalaia do Norte das conversas em comércios, nas praças, nas ruas, é que agora a Funai vai acabar. É assim que eles dizem. Eles afirmam que o novo presidente deu aval para invasores, que a Funai vai ser extinta. Isso que eles ficam argumentando. Todo esse discurso do presidente fragiliza os indígenas e a situação dos isolados fica mais preocupante”, afirmou Paulo Marubo.

Ele contou que, no início deste mês, em viagem ao rio Branco, afluente do rio Itacoaí, viu um barco de invasores dentro de um lago, mas evitou abordá-los por receio de ataque. “Eles estão sempre armados. Não quis me arriscar”, disse.

Para a liderança indígena, o ataque à base Ituí-Itacoaí indica que a ação dos invasores pode ser repetida em outras bases da Funai e em outras áreas indígenas e que, devido à dimensão da Terra Indígena Vale do Javari, vai ser difícil ter informações sobre essas ações.

“Esses caras [invasores] botaram para matar. Estão mais armados. Talvez vai acontecer de novo e ninguém vai ficar sabendo. Ou então vão dizer que não aconteceu”, afirmou Marubo.

Paulo Marubo, presidente da Univaja (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior do país, atrás apenas da Terra Indígena Yanomami. Ela tem uma área de 8.544 mil hectares e é uma das mais preservadas do país. O território é atravessado por vários rios, entre eles Itacoaí, Ituí, Curuçá, Quixito, afluentes do rio Javari, além dos rios Jutaí e Jandiatuba.

É também onde se concentra as maiores referências de grupos de índios isolados, entre eles os Korubo e os  Flecheiros. Os povos contatados são Kanamari, Mayoruna, Marubo e Kulina, e um pequeno grupo de recente contato, Tsohom Dyapá. A população estimada é de 5 mil indígenas falantes dos troncos linguísticos Pano e Katukina, um número que não inclui os índios isolados.

O território, conforme relatos de lideranças indígenas, é constantemente invadido por pescadores e caçadores ilegais. Também é alvo de de garimpo ilegal, como acontece no rio Jandiatuba. Em 2017, houve relatos de que garimpeiros teriam matado um grupo de isolados Flecheiros. O ataque não foi confirmado pela Funai e o Ministério Público Federal em Tabatinga arquivou o inquérito da investigação do caso, apesar de até hoje indígenas afirmarem que as mortes ocorreram.

Nos últimos anos, os constantes cortes do governo federal no orçamento da Funai têm tornado ainda mais vulnerável a sobrevivência dos índios isolados. Em 2016, o governo de Michel Temer bloqueou R$ 1,2 milhão da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, ameaçando inclusive o fechamento de algumas Frentes de Proteção Etnoambiental.

Com a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência, as ameaças aos seus territórios estão deixando os indígenas apreensivos. O presidente eleito declarou várias vezes que não pretende fazer novas demarcações e tem defendido uma política integracionista dos indígenas, incluindo atividades econômicas que visam o lucro dentro de suas terras.

Justiça Federal determinou que Funai reestruture Frentes

Na última sexta-feira (21), o Ministério Público Federal no Amazonas informou que a Justiça Federal determinou que a Funai reestruture as bases de proteção dos índios isolados no Amazonas e contrate mais funcionários para as Frentes de Proteção Etnoambiental no Estado. A decisão pede que a Funai apresente um cronograma de atuação por parte da Funai em um prazo de 90 dias.

No Amazonas, conforme diz o MPF, existem seis Frentes: Cuminapanema, Madeira-Purus, Madeirinha-Juruena, Vale do Javari, Waimiri-Atroari e Yanomami Ye’Kuana. “As unidades possuem atualmente 42 servidores, quando, conforme a própria Funai, seriam necessários, no mínimo, 96 servidores, além de funcionários terceirizados”, diz nota do MPF.

A decisão judicial também proibiu o contingenciamento, por parte da União, de rubricas orçamentárias da Funai em geral e da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, destinadas ao mínimo necessário à atuação no âmbito da política de proteção a índios isolados e de recente contato, considerando o risco concreto que a omissão nessa área representa.

“O risco de desaparecimento da história, tradição e ancestralidade dos povos indígenas isolados compromete a identidade e a memória do Brasil, fixando no seu povo a ideia subdesenvolvida de que os povos indígenas não merecem dignidade e respeito”, afirma um trecho da decisão.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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