Autodemarcação Tupinambá reivindica reconhecimento do território no Pará

Por Tainá Aragão, para a Amazônia Real

Fotos: Leonardo Milano / Amazônia Real

A reportagem especial acompanhou o esforço e trabalho dos indígenas na Terra Indígena, que sobrepõe a Reserva Extrativista Tapajós – Arapiuns, no Baixo Tapajós 

Santarém (PA) – No auge da polêmica sobre a votação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do processo que definirá os rumos das demarcações das terras indígenas no Brasil, conhecido como “Marco Temporal”, as 21 aldeias Tupinambá deram continuidade, no último trimestre do ano, ao processo de autodemarcação do seu território, na margem esquerda do rio Tapajós, município de Santarém, Oeste do Pará. A votação, agendada para o dia 28 outubro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi suspensa por grande pressão dos movimentos indígenas e no território Tupinambá a luta pela permanência e defesa territorial segue constante no baixo Tapajós.

O processo de autodemarcação está acontecendo em várias fases mata adentro pelos homens e mulheres Suraras (guerreiros e guerreiras na língua geral Nheengatu) e com todo o cuidado que exige a prevenção da pandemia do coronavírus. Os indígenas demarcarão a extensão total de 350 mil hectares, pretendendo, de maneira autônoma, reconhecer o território, a qual eles chamam “Nação Tupinambá”. Além de resistirem às declarações ruralistas e governamentais de que com Jair Bolsonaro “não terá um centímetro quadrado demarcado”, o processo contínuo da autodemarcação do território Tupinambá segue firme, tendo demarcado, até o momento, o pico da floresta que ultrapassa 40 km desta fase.

O processo de autodemarcação, mesmo durante a pandemia, é motivado pela defesa da existência e cosmovisão desse povo tradicional que vive, mesmo dentro de uma Reserva Extrativista (Resex), sob ameaça constante da expansão do agronegócio, das madeireiras e da mineração na Região. A omissão e desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai), agregada ao atual projeto político governamental de deslegitimar os direitos dos povos indígenas é também um dos argumentos centrais para levar a cabo esse movimento.

A Resex Tapajós-Arapiuns, com mais de 600 mil hectares, foi criada de forma resultante em 1998 e, naquele momento, nenhuma comunidade indígena constava no censo do IBGE como população indígena, o que ressalta o reflexo colonialista na negação histórica dos direitos e respeito aos povos indígenas brasileiros. Diante desse cenário, a possibilidade de criação de uma Unidade de Conservação (UC) foi a maneira mais estratégica para proteger e defender o direito aos modos de vida e a permanência dos povos nessa área do Tapajós, em constante ameaça do agronegócio.

Contudo, no início dos anos 2000, com o fortalecimento da organização indígena Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), várias aldeias indígenas da UC passaram a buscar e valer seus direitos originários perante o Estado Brasileiro e, desde então, segundo relato do professor Florêncio Vaz da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), “Os conflitos ligados à sobreposição entre terras indígenas e a Resex Tapajós-Arapiuns, no Pará, alguns líderes indígenas já falavam (daquele tempo) que a reserva iria ser transformada em uma só Terra Indígena (TI)”.

O processo de hibridismo entre comunidades indígenas e não-indígenas dentro de Unidades de Conservação (UC) do Oeste do Pará, em especial a Resex Tapajós-Arapiuns, causa tensão entre as organizações gestoras da UC e órgãos governamentais que endossam os conflitos interétnicos já existentes na região. O que se afirma nas entrelinhas desse conflito é que a demarcação de Terras Indígenas, além do pertencimento identitário, é a garantia mais segura e legal do que uma reserva, espaços territoriais temporários, uma vez que a área pertence ao domínio do poder público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais e, por ser um decreto, pode ser revogado. 

A área da Resex Tapajós-Arapiuns há comunidades/aldeias das etnias Kumuruara, Tupinambá, Munduruku, Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara Vermelha. Mesmo com a forte presença indígena, ainda paira uma resistência histórica grande por parte de algumas comunidades e órgãos em considerar e lidar com essa pluralidade étnica da região.

A agência Amazônia Real foi convidada para acompanhar a autodemarcação durante três dias, no mês de outubro, na primeira fase do trabalho dos guerreiros Suraras. No relato abaixo, a repórter Tainá Aragão e o fotógrafo Leonardo Milano narram o processo de resistência e luta pelo reconhecimento do território Tupinambá. 

1º Dia (19/10/2020) 

Uma travessia beradeira à autodemarcação

Guerreiro Tupinambá no barco (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Foi nesse caminho de águas que descobri o sentido físico da palavra “beradeira”; significa percorrer as beiradas dos rios, de margem em margem. É uma palavra daqui, nortista, e representa muito essa vida ribeirinha, essas viagens vagarosas que cortam grandes rios e atravessam as comunidades e as cidades que os serpenteiam.

O barco, como todo rio, é a ponte entre as comunidades e o ponto de encontro entre as pessoas. Nossa ida à autodemarcação foi uma experiência, de longe, beradeira. Saímos por volta de 15 horas de Alter do Chão rumo às mais de 10 horas de viagem até a aldeia Jacarezinho, porta de entrada da autodemarcação que, inicialmente, seria apenas 4 horas, mas ao embarcar no barco de linha fomos informados que a nossa viagem era mais longa do que pensávamos.

O equívoco se deu pela dificuldade de comunicação com o Cacique Braz, que nos esperava já na Aldeia e sem sinal de telefone. O trajeto foi feito às cegas e na base da fé. Léo, o fotógrafo, me acalmava dizendo: “confia no Tapajós”. Por fora, o ignorei, mas no fundo sabia que podia confiar.

Às 16 horas, o barco Araguaia II já estava no porto de Santarém e acomodava as encomendas no seu porão. Comandado há dois anos por Wanderley Melo, o destino final do Araguaia era Itaituba, porém a nossa parada estava no meio do caminho: a aldeia indígena Jacarezinho. O nome do barco deve-se à beleza das águas do rio Araguaia, que banha os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará, mas Wanderley me confessou que também se tratava do codinome de uma paixão ribeirinha não correspondida do antigo dono do barco. “Faleceu pelo coração”, ele me disse. São as paixões beradeiras.

No barco havia 31 passageiros, 5 ajudantes e uma carga de alimentos, gasolina, móveis, roupas, farinha e tudo o que se pode imaginar em baixo. De longe, disseram que o barco vinha cambaleando entre os banzeiros. A principal fonte de lucro dos barcos de linha da região é o transporte de utensílios diversos para as comunidades que vivem longe dos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro. Os passageiros também têm esse perfil, são pessoas que transitam para compras pontuais e para retirar os benefícios que recebem do governo, desde o INSS, Bolsa Família e, atualmente, o Auxílio Emergencial.

Atamos as nossas redes acima do porão, pois era o único lugar que havia disponível, e o Araguaia iniciou seu destino, partindo às 17 horas, uma saída tardia, para contrariar o nosso desespero de chegar na hora. Nessa travessia o nosso barco fez parada nas aldeias indígenas de Paricatuba, Marituba, Mirixituba, Santo Amaro, Jauaritiba, Jatequara, Paranã-ipixuna, Jaca e Jacarezinho.

Já no barco, antes da janta, perguntamos se tinha alguém de Jacarezinho para nos informar melhor como seria a chegada à comunidade. Logo, encontramos Inácio e a anciã Isabel, dois moradores da aldeia ao lado. Perguntamos se eles conheciam o Cacique Braz, respondendo “Sim, talvez”. Perguntamos se eles sabiam onde era a casa do Cacique de Jacarezinho e eles, novamente, responderam “Sim, talvez”. Seguimos os questionando se Santo Amaro era a mesma coisa de Jacarezinho e eles falavam “Parece que é”. Não era só impressão, tudo era incerto, intencional ou não. A única quase certeza que tínhamos é que às 2 horas da manhã, talvez, estaríamos lá.

Resolvi parar de buscar certezas e confiar no Tapajós. Léo estava na proa conversando com um mineiro vendedor de maquiagens e eu fui bater papo com o comandante. Na cabine, ele me mostrou o GPS, me explicando onde estávamos e depois falou do sensor que mede a profundidade da água, uma espécie de câmera que fica presa debaixo da casca do barco. Naquele momento estávamos a 14 metros acima da terra, me senti mareada, pois normalmente só fico onde dá pé. Ali, eu não tinha alternativa a não ser me deixar navegar.

Às 20 horas começaram a servir a janta: frango, farinha, macarrão e arroz. Era uma porção generosa e gratuitamente oferecida pelo barco. Nesse momento conhecemos dois jovens universitários indígenas da etnia Munduruku – Douglas e Márcio – que também pontuaram outras opressões que vivem dentro da UFOPA. Eles são do movimento universitário indígena e dizem que constantemente são questionados sobre a própria identidade étnica: “Pensam até hoje que indígena que usa celular não é indígena”, contava Márcio Munduruku, contrariado.

Os desafios são grandes e as fronteiras que os povos indígenas enfrentam fora e dentro de seus próprios territórios são inúmeras. O nosso foco de viagem era mostrar exatamente como se dá a luta pelo rompimento de uma fronteira para retomada de algo elementar para um povo: seu território.

Após a divertida conversa com os estudantes, resolvemos descansar. Leo foi primeiro, e eu ainda perdurei uns dois cafezinhos açucarados e depois fui deitar na rede. Já estava cansada, então apaguei. Chegamos de madrugada ao nosso destino, às 2 da manhã, sendo acordada na escuridão pelo comandante. O grande Araguaia, devido à seca, parou no meio do rio e uma pequena canoa nos levou até à beira, no firmamento enlameado que margeava a aldeia Jacarezinho. Porém, ao chegar à praia, fomos informados que o Cacique Braz nos esperava já na mata e que o barco de apoio à autodemarcação se encontrava no meio nas águas do baixo tapajós. A informação veio do filho de Dona Isabel enquanto iluminava o caminho para sua mãe descer com uma pequena lanterna.

O comunitário apontou para a escuridão no meio do rio na direção do barco, então pedimos novamente carona à canoa do Araguaia até o Barco Levi I, flutuando vazio na imensidão das águas tapajônicas. De perto vimos que o comandante do Levi nos esperava e falou para a gente subir. Perguntamos: “o seu Braz falou que a gente chegaria?” e a resposta foi “não”. Olhei o Léo aflita e ele perguntou: “Mas esse é o barco que trouxe o Cacique?”, e o comandante disse: “sim!”. Com essa única certeza até o momento, já fui pedindo licença para entrar e armar minha rede lá em cima.

Nessa noite, dormimos no segundo andar do barco. Era como habitar uma pipa, o vento era tamanho que nos suspendia e nos embalava nos ares violentamente, não havendo posição que dava conta. Fomos, nesta noite, pipas sem rabiola e linha. Ficamos literalmente nos ares esvoaçados até a alvorada despontar no horizonte.

2º Dia (20/10) 

A força ancestral: o sonho histórico pela retomada do território Tupinambá

Cacique Jacaré conta histórias da luta Tupinambá no baixo Tapajós (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Ao acordar, já nos arrumamos para aguardar alguém da comunidade que, possivelmente, nos buscaria no barco. Por volta das 8 horas da manhã chegou Douglas, neto do Vice-cacique, acompanhado do filho do Cacique Jacarezinho, menino de cabelos longos e olhos infindos. Seu silêncio era constante. Eles foram até o Levi I para buscar um peixe e aproveitamos a carona na canoa para chegarmos, enfim, à terra firme de Jacarezinho.

Aquela era a primeira vez que víamos de perto o rio da comunidade no clarear do dia; o havíamos conhecido somente na penumbra da madrugada. Essa proximidade que a canoa possibilita fez com que tomássemos conta, ainda mais, que aquelas águas não tinham margens e aqueles corações da floresta não tinham medo das grandes travessias.

Pelas 8h30 fomos recebidos pelo ancião e Vice-cacique Inácio Azamor, que nos aguardava em uma roda com alguns representantes da comunidade. Logo de início fez questão de nos explicar sobre o território que pela primeira vez estávamos pisando. “Somos uma nação porque fomos um dos primeiros a serem massacrados pelos portugueses; começou a guerra lá (na Bahia), então os Tupinambá começaram a sair porque a tendência deles era exterminar, e é isso que esse governo quer. Ele falou que não tem índio e somos mais de 350 etnias. É um absurdo dizer que não existimos”, dizia com veemência.

Chegamos um dia depois do início da demarcação, e o Cacique de Jacarezinho Dacivaldo de Oliveira, 49 anos, tinha acabado de chegar do pico. Ele nos disse que no começo da tarde iniciaremos a caminhada ao encontro dos guerreiros que estavam trabalhando na autodemarcação, enfatizando que nos preparássemos bem. Até a partida ficamos na comunidade da matriarca Daicyr Tupinambá conhecendo a aldeia composta por três famílias, em torno de doze pessoas. Jacarezinho se localiza na extremidade sul do território da comunidade Tupinambá à margem direita do rio Tapajós. Ao todo são 20 comunidades da etnia Tupinambá auto identificadas. No próximo dia 30 de outubro mais uma comunidade fará a sua afirmação, sendo a Surucuá a 21º comunidade a se reconhecer em Tupinambá dentro da Resex Tapajós – Arapiuns.

Raquel Tupinambá, da aldeia Surucuá e doutoranda em Antropologia Social da Universidade de Brasília (UnB), também estava na roda e comentou a importância do auto reconhecimento e da valorização da cultura indígena que está interligado ao processo de autodemarcação. “O processo de auto reconhecimento é muito importante para o futuro desse território, afinal, hoje estamos dentro de uma área extrativista, Reserva Extrativista Tapajós – Arapiuns, onde impuseram categorias como ribeirinhos, extrativistas e caboclos como forma de genocídio indígena, negando a nossa identidade. Quando lutamos por demarcação é uma forma de resistência, mostrar que sobrevivemos a esse processo de apagamento identitário. Acredito que meus direitos como mulher indígena serão mais assegurados com a demarcação de uma terra indígena, uma que as Unidades de Conservação foram criadas com objetivo de exploração econômica dos recursos naturais destas áreas, nem sempre condizente com anseios dos povos originários”, afirmou Raquel.

Para Raquel, outro conceito que deve ser ressignificado dentro do espaço tradicional é o da pobreza. Muitas vezes, segundo ela, existe um estigma que coloca sobre as populações indígenas de que são pobres ou miseráveis, e essa perspectiva acaba por afastar as pessoas da sua própria cultura de bem-viver, que permanece de encontro às demandas mercadológicas.

“Precisamos romper com esse discurso de que somos pobres…porque quando alimentamos essa narrativa, temos a necessidade de querer buscar a falsa ideia de riqueza baseada no consumo, e essa ideia tende a querer superar tal condição, por exemplo, ‘eu sou pobre, eu preciso sair dessa condição’. Se você entende que não é pobre, você não tem necessidade de sair desse lugar… então, quebrar com essa ideia de pobreza que está internalizada no imaginário criado sobre a Amazônia e aos povos indígenas é necessário. É claro que existe uma miséria criada, principalmente pelos projetos desenvolvimentistas, mas seguimos resistindo com nossos modos de vida, garantindo o bem viver e a proteção de nossos territórios”, enfatizou a doutoranda.

Enquanto conversávamos sobre abundância e pobreza, Dalcy Azamor, sábia parteira e esposa do Vice-cacique Inácio Tupinambá, temperava sua grande panelada de tambaqui e enchia as cuias de farinha fresca para o almoço. Dentro de sua casa de madeira ela contava as inúmeras histórias dos partos que fez na região, citando de um parto que fez na travessia de um rio, sua mais intensa experiência. Ela nos falava com emoção do tempo que podia realizar esse trabalho e de ver seu povo nascer em suas próprias mãos.

Um dos conflitos entre os comunitários vizinhos é a da negociação do espaço daqueles que não se consideram indígenas. Dona Dalcy conta que apesar das fronteiras criadas, ela transitava nas comunidades não-indígenas para fazer os partos das mulheres: “Eu ia por todas as comunidades. Na hora que vai nascer ninguém me perguntava se quem ia ajudar era uma indígena ou não, elas agradeciam no final e eu nunca cobrei”, disse orgulhosa de ter cumprido sua missão.

Após o almoço, banhamos no Igarapé da comunidade, dona Dalcy me disse: “aproveita, será seu último banho desses dias, lá não tem água não”. Não entendi muito bem, mas mesmo assim, escutei e segui o conselho.

O banho de Igarapé terminou por volta de 14h30 e dali já estávamos prontos para seguir o pico que os guerreiros haviam aberto à nossa frente. O Cacique Dacivaldo foi quem nos conduziu ao caminho, levando uma bicicleta carregada de garrafas d’água, mais de 50 litros de água para os guerreiros que trabalhavam na Autodemarcação do território.

15h47 passamos pelo primeiro acampamento. Fizemos uma pausa e perguntei ao Dacivaldo o que motivava ele a decisão da autodemarcação. Ao partir da sua aldeia, ele me respondeu no sobressalto e entre os fôlegos de cansaço pelo peso que trazia na bicicleta: “A vida está por caminhar… eu trouxe o espírito indígena, o meu sonho é esse aqui”. Parei no meio do pico para anotar essa frase, foi uma licença poética.

Nas rápidas pausas para o respiro e enxugar o suor, o Cacique Dacivaldo tentava explicar o motivo de todo o esforço que estava sendo empregado na autodemarcação. Para ele, a autonomia sob o território era algo que movia não só aquela ação, mas o cerne da luta indígena travada pelos Tupinambás. “Aqui o governo não manda não… aqui quem vai mandar é o povo daqui… porque nós tamo vendo que a cada dia o nosso povo sendo engolido… Reserva (Resex) não livra a gente dos grandes empreendimentos. O povo Tupinambá não perde guerra não… vamos conseguir barrar a entrada dos madeireiros”, enfatizou.

Caminhamos boa parte em silêncio. A umidade dentro da mata ensopava nossas roupas, costas, testas e cabelos. Trazia uma fadiga imensurável. Ao mesmo tempo, o pulmão ia reconhecendo novamente o que é sentir um ar puro de mata primária, espaço que ainda não havia sido devastado pela invasão dos grandes projetos de destruição para a Amazônia. Somente por volta das 17 horas que entramos realmente na 2º fase do pico, iniciada no dia 19. Ali estava os rastros do acampamento anterior, muita brasa no chão e alguns objetos pelo caminho.

No percurso havia muitas árvores pintadas em azul “TI Tupinambá”, que já deixava marcados em letras de forma os donos daquele pico. No caminho também tinha um tronco escrito “banco do amor”, passamos por ele e rimos.

Raquel Tupinambá exibe a mão pintada com jenipapo (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Ao atravessar o acampamento, entramos ainda mais fundo, mata adentro. Parecia que o pico não teria fim e, cada vez, ia ficando mais estreito e escuro. Dentro da mata se perde a noção do tempo, a luz sempre é reduzida. O Cacique Jacaré, nesse momento, se sentiu muito cansado e nos disse para seguir em frente, pois ele seguiria mais lentamente. Aquela era sua terceira vez que percorria a larga trilha, somente daquele dia, pois, como as motos estavam quebradas, ele fazia o percurso para levar e trazer água e outros utensílios aos guerreiros e guerreiras que abriam o pico. O principal papel dele era cumprir a sina da sua frase acima: caminhar para viver.

Enfim, às 18h chegamos ao acampamento de pouso. Estávamos exaustos e com fome por percorrer cerca de 20 km. Quando chegamos um silêncio pairou sobre nós, éramos estranhos. Somente quando Cacique Braz se aproximou e nos saudou frente a todos que a tensão se apaziguou. Ele, com sua postura firme e calmaria sem igual, nos orientou a comer e, depois, conversamos.

Eu não pensei duas vezes, peguei um pedaço de frango assado no fogo e me deram uma cuia de farinha de puba. Me lambuzei como há tempos não fazia, com as mãos. Foi nesse momento que sentei, tirei a mochila e olhei onde estava. Ali, ao meu redor, havia inúmeras redes atadas em árvores centenárias, madeiras de lei. Eu olhava no mais fundo que meus olhos míopes permitiam e consegui ver uma rede atada.

Comecei a observar todo aquele movimento e só naquele instante tomei consciência da dimensão política e histórica que habitava ali: era o povo pelo seu destino, na construção visceral de um futuro digno para as futuras gerações indígenas. AUTODEMARCAR é afirmar que existem vidas e histórias que importam dentro da floresta.

Notei que as redes estavam estrategicamente colocadas, criando um círculo. Os mais velhos e experientes estavam na ponta, as mulheres no centro, os guerreiros espalhados pelos arredores do fogo, entre os utensílios de cozinha e espingardas. Eu me esqueci da farinha que comia, esqueci também dos modos que uma moça deve ter (como dizem as más línguas), eu só engolia aquilo extasiada por tudo que me cercava.

Foi quase no final do meu segundo prato que a água, por fim, chegou. Vários guerreiros se aproximaram do Cacique Dacivaldo para ajudá-lo a empurrar a bicicleta e carregar as águas. Pela falta de acesso à água, as pessoas que estavam trabalhando no pico ficaram quase o dia inteiro sem beber água. Banho era algo que inexistia naquele espaço, como à parteira havia me atentado.

A água chegou, as pessoas se amontoaram rapidamente para pegar suas garrafas e, por fim, matar a sede que os consumia o dia todo. Depois de tanta farinha, eu peguei um pouco d´água, respirei fundo e fui rumo ao Cacique Braz para entender melhor a autodemarcação.

“O nosso principal objetivo é segurar a terra nossa, mostrar para o governo a nossa área de abrangência, das nossas aldeias. Mostrar para o governo que nós temos uma terra, apesar dela não ser demarcada. É dizer para o governo que ele tem que demarcar a nossa terra porque a gente depende dela”, explicando de início, Braz, Cacique Geral dos Tupinambá.

Segundo o Cacique, o território Tupinambá tem uma abrangência de aproximadamente 45 km de “frente”, margeando o rio, sendo um dos maiores territórios do baixo tapajós, com uma população superior a 2.000 indígenas. A decisão de autodemarcar o território foi tomada coletivamente, a partir do protocolo de consulta, prévia, livre e informada do povo Tupinambá (CITUPI, 2018), que culminou em uma assembleia organizada pelo Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós (CITUPI), no início do ano.

A convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), ratificada pelo Estado Brasileiro, garante, entre outras coisas, o direito à Consulta e Consentimento Prévio Livre e Informado (CCPLI). “Essa é a decisão nossa, dentro da comunidade, junto com todos para que não dê errado nenhum momento a investida que queremos fazer. Essa decisão tomada é por todos”, enfatizou o Cacique.

O planejamento de autodemarcar todo o território Tupinambá é uma construção de mais de sete anos e pretende demarcar a área total de 350 mil hectares, abrangendo todas as aldeias: Jacarezinho, Jaca, Paranã-pixuna, Jatequara, Santo Amaro, Jauarituba, Mirixituba, Muratuba, Paricatuba, Surucuá, São Pedro, São Francisco, São Caetano, Enseada do Amorim, Marabaixo, Boa Sorte, Pajurá, Castanhal, Limãotuba, Iwipixuna e Brinco das Moças.

A primeira fase dessa grande abertura de pico ocorreu dia 15 de agosto de 2020. Nessa fase foi aberto um caminho com extensão 17 km em 15 dias, com a participação direta de 60 guerreiros. Nesta segunda fase foram 25 guerreiros e realizada em três dias. Foram abertos 5 km. Em 2017, ao norte do território, foi realizada uma primeira autodemarcação, porém, apenas dividindo indígenas e não-indígenas, a última no limite territorial é a Marabaixo. Desde então, o planejamento para a autodemarcação total do território foi sendo construída ano após ano, culminando em 2020.

Entre as principais ameaças sobre o território está a exploração madeireira, como explica o Cacique Geral. “Nossa principal ameaça é os madeireiros, essa é a forma que a gente é agredido; a gente não concorda e não compactua com essa situação”. Critica o formato dos planos de manejo comunitário de exploração de madeira na Resex, “A Santa Izabel e Amazonex (duas grandes empresas madeireiras expulsas do território na época da criação da Resex) exploraram de forma violenta nossa floresta. Hoje, o estado segue tentando impor um manejo madeireiro que, na teoria, se diz comunitário, então, eles tentam tirar da nossa terra uma parte, é lá que está o nosso ouro. Nós não temos interesse. Eles falam que vão doar 15% da venda da madeira pras comunidades. É piada”, todos ao redor riram. “Eles acham que vão comprar nós, mas no nosso território não queremos esse dinheiro”, enfatiza.

Atualmente, em análise na Funai, de 450 Terras Indígenas, no governo Bolsonaro, até o momento, apenas uma terra indígena foi demarcada. Por isso, muitos povos indígenas estão fazendo sua autodemarcação para garantirem algum respaldo, mesmo que interno, sobre o território que habitam.

“A autodemarcação tem a legitimidade para dentro do nosso território. Nós somos os principais vigias da floresta, não tem outro melhor zelar pelo meio ambiente do que a gente. O branco, Kariwa, como a gente chama, não tem responsabilidade com a mata”, afirmou.

Ao perguntar ao Cacique Braz sobre o processo que definirá os rumos das demarcações das terras indígenas no Brasil, pronto para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conhecido como “Marco Temporal”, ele responde que essa tese, se aprovada, tende a deslegitimar à resistência histórica dos povos indígenas.

“O marco temporal é muito agravante pra gente. Em 1988 todo mundo já estava situado nas suas terras, muito embora, não estavam atentos para a demarcação. A fala dele (presidente) é uma fala que pra quem tem medo, se quieta, mas nós, Tupinambás, não nos aquietamos, não vamos na conversa dele, vamos buscar o nosso direito”, finaliza.

Nessa votação, que foi recentemente suspensa, há duas teses em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, que reconhece o direito territorial dos povos indígenas como “originário”, segundo os termos da Constituição; do outro lado, está uma proposta que restringe os direitos desses povos às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do chamado “marco temporal”. Os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, ou que, nessa data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.

Após a longa conversa noturna, rodeada por todos que estavam no acampamento, decidimos atar as redes, mas no meio do caminho começou uma fina chuva. No mesmo momento, cobriram a minha cabeça com um saco de juta, sem que eu pedisse, e, com mais uma ação de cuidado, pegaram minhas coisas todas e rapidamente colocaram em um saco plástico. Naquele improvisado trapiche, fiquei observando os cortes de palha para cobrir as redes já atadas e impedir que a chuva ensopasse tudo.

Rapidamente a chuva se foi e o que ficou foi o silêncio espantoso dos bichos e ventos que brincavam entre as plantas e ajudavam a embalar as redes.

3º Dia (21.10)

A cosmopolítica da autodemarcação:

pela vida do corpo-floresta

Abertura da picada, em mata fechada (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Terçados, facões, foices e mãos: dessa matéria é feita a autodemarcação Tupinambá. Na estreita abertura que se abre na floresta, conhecida como pico, não se vê maquinários e operários, se vê gente emancipada buscando sua autonomia de existência. O sentimento que transborda é o compromisso ancestral de honrar um território de luta da cabanagem, a cosmovisão, crenças e o corpo-floresta que está presente nos corpos daquela gente, nas cascas das árvores e na vida que os cercam.

Na alvorada, por volta de cinco horas da manhã, guerreiros, mulheres, pajés e anciões começaram o dia contando piadas em suas redes, mesmo exaustos da labuta do dia anterior. A alegria de estarem juntos, ali, na defesa do seu território, era evidente. Entre os\as 25 guerreiros\as presentes, 15 eram lideranças, entre caciques, pajés e tuxauas.

Aos poucos, os guerreiros iam desatando suas redes e recolhendo os pertences para traçar o pico. Antes, a pausa para o café à beira da fogueira. Nesse momento, conheci a Cacica da aldeia Iwípixuna, Cleonice. Ela era uma das quatro mulheres que se dispôs a trabalhar no acampamento e morava desde menina no meio da floresta; sua aldeia é uma das mais distantes da praia, fica a 13 km dentro da floresta. Sua função na autodemarcação era limpar o pico atrás dos homens que levavam os facões, arrastando troncos, folhas e tudo que pudesse impedir a passagem de uma moto.

“A gente foi chamada para cá (autodemarcação) para defender a nossa floresta… foi uma alegria estar aqui com o nosso povo, tudo unido… Pessoal anda aí por trás invadindo nosso território, tirando nossas madeiras, e aí a gente tem que ter cuidado com as nossas florestas, né”, afirma a Cacica.

No auge dos seus 50 anos, mãe de 12 filhos, o sonho dela é que a terra permaneça sendo cuidada pelos seus. “A terra fica para nossos filhos, nossos netos… Minha mãe lutou por essa terra e deixou para nós… Nossa riqueza é a madeira, a caça… Eles querem tomar a terra para eles, para tirar a madeira. A gente não quer isso”, disse.

Enquanto conversávamos, um grupo de guerreiros, já abrindo o pico a nossa frente, o acampamento ia se esvaziando ao nosso redor e a caminhada estava prestes a começar mata à dentro. Antes de deixar o acampamento, avistei um saco de fumo, ao perguntar, me disseram que o Pajé havia deixado para a curupira buscar pela noite.

Inácio Rodrigues é Pajé, benzedor e puxador da aldeia Jauarituba desde nascença e aos 12 anos assumiu o papel de Pajé em sua comunidade. Agora, aos 40, o Pajé explica que a sua função está quase extinta nas comunidades. “A gente é escolhido através dos espíritos da floresta, do rio, do fundo, aquela pessoa que cuida da aldeia tem conhecimentos espirituais.” Para ele, esse conhecimento só é possível porque a floresta está em pé, cada árvore é uma espécie de conselheira e carrega uma força milenar de cura.

“A árvore dá o modo de sustentação da nossa vida, se você conversar com uma árvore ela vai lhe ouvir. A árvore tem essa força porque ela tem vida, uma árvore dessa aqui é muito antiga, ela tem uma força, tem um poder. Nós indígenas conhecemos essa força e toda essa luta é por esse conhecimento também.” Para o experiente Pajé, o conhecimento da medicina da floresta vem através do encontro, da vivência, da permanência geracional do seu povo na floresta, e a autodemarcação é uma forma de proteger isso. “O conhecimento deve ser convivido, por isso esses que nos representam não procuram saber disso, nos sentimos desprotegidos. O que estamos fazendo aqui é uma organização nossa praque a gente se proteja”, explica.

Pajé Inácio Vieira, da aldeia Jaca (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Entre a sua fala, o Pajé remexia a terra, cavava com seus dedos pequenas raízes que estavam emaranhadas na terra preta. A terra preta seria um indício da presença dos antepassados no território, bem onde estávamos sentados. Na mata, onde deixava diariamente fumo e bebida para o curupira, ele enfatizava que era uma forma de respeito a tudo que habita na floresta. “Na mata temos que pedir licença, porque ela é nossa, mas também tem outros espíritos aqui, os nossos antigos estão aqui”.

Após a longa conversa, o Pajé me deu um pouco de água de cipó-de-fogo, que é um remédio de cura para o intestino, havia extraído a poucos minutos a água fresca do cipó e esse compartilhamento foi uma forma de me apresentar como a floresta é generosa para quem a cuida. Bebi e segui caminhando. Encontrei Raquel Tupinambá e – Milena Raquel, mais conhecida como Tupi – se pintavam de jenipapo. As mãos delas ficavam cada vez mais azuladas a cada traço que se fazia no corpo.

Deixamos a bolsa e seguimos mata adentro para acompanhar os guerreiros. A água, novamente, estava escassa. A nossa frente ia a jovem Tupinambá Marcileide Vieira, pintando em azul, em algumas árvores, o “TI Tupinambá”. Para ela, aos 16 anos, participar de um movimento histórico da sua comunidade era um prazer que guardaria para o resto da vida. “Pra mim é importante porque eu nasci aqui, todo mundo da minha família nasceu aqui e queremos seguir vivendo nesse espaço”, dizia com timidez.

Seguimos acompanhando a pintura. Andamos por volta de 40 minutos e nos deparamos com o grupo de guerreiros que nos primeiros momentos do dia, ao iniciarem o pico, caçaram um porco do mato (catitu) e já o teriam limpado e estava assando um outro pedaço. A sede ia aumentando no compasso que a umidade se acentua com o raiar do sol e foi nesse instante que eles resolveram encerrar a 2º fase da autodemarcação. “Sem água não dá”, muitos diziam.

O Cacique Braz falou: “Se todos estiverem de acordo, encerramos o trabalho agora e retornaremos em dezembro. Isso para não comprometer a saúde de ninguém”. Todos rapidamente concordaram.

Brás, Cacique geral do território tupinambá (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

O igarapé mais próximo estava a 15 km. Todas as motos, que inicialmente estavam fazendo o traslado da água, tinham quebrado pelo impacto da trilha e a beira do rio já estava muito distante, tornando inviável o prosseguimento da missão por mais sete dias, como fora inicialmente planejado. Todos concordaram que o mais estratégico era rever a estratégia e planejar uma próxima subida em dezembro, com melhores condições de água, mais pessoas e com um mapa melhor delineado dos focos d’água.

Desse modo, começamos a descer a trilha até a beira do rio. Pequenos grupos foram se organizando para fazer a longa caminhada de volta e, naquele momento, estávamos há mais de 20 km e sem água, só com a força dos cipós que nos brindavam um pouco de líquido para molhar a garganta.

Consegui uma bicicleta para carregar a minha bolsa e tirei o peso das costas para dar conta da caminhada, o mais complicado não era à distância, era a umidade em um caminho estreito, que ora provocava uma sensação de falta de ar, ora enchia os pulmões de ar puro. Era uma catarse respirar, me dei conta disso.

Seguimos rumo à beira, parando de vez em quando para limpar o suor que nos escorria pelas pernas. Os guerreiros têm um passo ligeiro dentro da floresta, não conseguia acompanhar alguns. Os grupos foram se dispersando, uns muito à frente, outros bem atrás recolhendo, limpando e desmontando os acampamentos. Por vezes pensei que o curupira estava brincando de enganar a gente no caminho, nos confundindo com os passos para nunca chegar. Parecia que o fim, ao mesmo tempo próximo, estava distante, uma dualidade emblemática.

O chão era pura terra preta e folhagens. O céu não se via, mas sabíamos da existência de um sol no meio das nossas cabeças, era meio dia. Paramos para pegar fôlego e no meio do caminho encontramos parte dos guerreiros com água, alguém tinha conseguido trazer. O guerreiro que vinha na minha frente em passos largos, cortou com o facão a garrafa pet que trazia e me deu como copo. O agradeci e tomei aquela água quente desesperadamente.

Não era hora de parar, ainda era só a metade do caminho. Seguimos, pois, a seguir viria à tona a exaustão. Andamos mais uma hora e o guerreiro que nos conduzia encontrou um cipó-de-fogo, o cortando uma vez, mas não desceu um pingo de água; cortou pela segunda vez e começou a jorrar. Ele me disse: “Tinha cortado errado”. Dividimos aquele meio copo em quatro pessoas e seguimos por mais uma hora e meia.

Chegamos à aldeia Jacarezinho por volta das 15 horas da tarde. Boa parte dos guerreiros já estavam lá, sentados em semicírculo, esperando chegar o Cacique Braz para delinear os passos futuros da próxima subida. Sentamos e nos encharcamos de água, ficando em um confortável silêncio. Uma servidora da saúde indígena veio medir minha pressão: “9 por 8, está baixa… fica quietinha e beba água”, disse ela. Fiz o recomendado.

Após 20 minutos chegou o Cacique Braz sozinho, com a camisa amarrada na cabeça e o semblante calmo, mas cansado. A enfermeira começou a chorar e gritou: “Surara!”, que representa “guerreiro ou guerreira” em Inhangatu. Ela era sua companheira, que estava aflita, pois ele já tinha sofrido complicações na fase anterior da autodemarcação.

Foram chegando da mata, um a um, até todos os guerreiros e todas as guerreiras fecharem o círculo e novamente se hidratarem. Após alguns instantes eles puxaram uma conversa de avaliação, delinearam uma nova data para subida, refizeram o planejamento: dezembro será o mês de fechar o pico, ficou na palavra deles.

Os homens que caçaram o porco do mato o trouxeram novamente para a mesa, improvisaram o fogo. Eles assaram uns três tambaquis, peixe abundante na região, e compartilharam a comida com um sentimento festivo de terem cumprido sua missão. Cada centímetro de terra aberto naqueles três dias era uma resposta concreta e terrena a essa política de retrocesso do atual governo brasileiro. Ao auto demarcar, os Tupinambás afirmam, em cada palmo de terra, que continuarão lutando pelo território e abundância compartilhada.

Após o almoço, fomos novamente avistar a imensidão da beira, fazendo o caminho de volta pelo rio Tapajós que chegamos, passando em cada uma das comunidades Tupinambás presentes. Fomos acolhidos novamente pelo mesmo Levi I, mas agora, o navegamos. O sentimento que ficou foi que cada centímetro de luta do povo por aquilo que os une, vale a pena. O território, acima de tudo, é o sentido elementar de uma unidade.

  • No começo da picada, foram usadas 2 motos, ambas quebraram (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Jovens observam GPS, durante abertura da picada (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Guerreiro lê o protocolo de consulta Tupinambá, os procedimentos de consulta prévia aos povos (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Grupo em momento de descanso e alimentação (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Momento de descanso do guerreiro (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Caçadores rastreando possíveis caças (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Merenda de catitu, para garantir energia antes do almoço (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
  • Para garantir a caça (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Esta reportagem foi financiada pelo Fundo Global de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative para notícias locais no âmbito da pandemia da Covid-19.

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