Ato em memória de Evaldo Rosa, músico alvejado com 80 tiros no RJ, acontece amanhã em SP

Sete dias após a família de Evaldo e ele próprio terem sido fuzilados pelo exército do Rio de Janeiro com 80 tiros, várias cidades programam para este domingo (14), protesto contra mais esse racismo descarado e violento ocorrido no Brasil.

Acabaram as minhas palavras para descrever essa brutalidade.

Mas não posso deixar de comentar a reafirmacão descarada de racismo na declaração de Bolsonaro, o presidente de uma parcela de brasileiros: “o exército não matou ninguém, o exército é do povo, houve um incidente” e depois veio Moro, o juiz das convicões: “um incidente lamentável”.

Não. Lamentável é ouvir isso.

Bolsonaro e Moro não tem 0,1% de dignidade. Então se não possuem essa qualidade que tenham coragem para reafirmar esse aspecto: que fiquem calados, pois assim, já entenderemos o que ambos pensam sobre isso. Parem de reafirmar o racismo de vocês nas ações do Estado. Bolsonaro e Moro: parem de fazer o povo brasileiro passar vergonha. Parem de fazer uma parcela do povo sentir nojo de vocês. Imponham respeito às suas figuras, pelo menos em situações como essa, que certamente, voltaram a acontecer, dada a caótica maneira atroz como vocês as tratam.

É sabido por todos, mas nunca é demais repetir e nunca será: Evaldo foi executado por ser negro, por estar naquele carro popular acompanhado de sua família, toda negra e portanto, suspeita. Simples. Uma equação de todos os dias vivida por milhões de negros e negros do Brasil, de outros lugares do mundo.

Durante toda a semana tenho uma cena recorrente na cabeça: a da companheira de Evaldo. Uma mulher negra, ali no cenário da execução: mãos na cabeça, rosto molhado por uma cahoeira de choro, com dor, parecia também, ter levado os 80 tiros e levou! Foi alvejada pelo desespero do racismo estrutural, do higienismo classista, branco e um grito profundo soltou no meio de uma entrevista à imprensa, que, toda atordoada não conseguiu, de novo, abordar a mulher de maneira solidária. Isso é para ferir a alma e a carne, uma viagem sem volta para um vale de tristeza e revolta que só o povo negro e pobre sabe realmente onde fica. E conhece bem, toda hora, todo dia. Ai que cansaço dilacerador!

O historiador Douglas Belchior escreveu nesta semana um texto sobre o assunto em sua coluna na Carta Capital. Um desabafo que faço questão de publicar, junto ao meu, pois não sei mais o que dizer.

Aproveito para pedir, para quem esteja em São Paulo que compareça amanhã, domingo, dia 14, às 14h, no ato 80 Tiros em uma família negra; 80 tiros em nós!, em memória de Evaldo Rosa.

É importante confirmar e comparecer ao evento para que juntos, possamos fortalecer e proteger as pessoas que estarão na rua durante esse ato: https://www.facebook.com/events/2332219970381070/

Leia o texto de Douglas Belchior:

Por Douglas Belchior

O presidente Jair Bolsonaro defende o exército na rua e diz que policial que não atira em ninguém não é policial.

O ministro Sergio Moro defende lei que considera policiais que matam “por equívoco” perdoáveis, afinal, trabalham sob pressão e agem acometidos de forte emoção.

O governador Wilson Witzel parabeniza PMs que cometem chacinas e orienta: “A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”. Segundo o Instituto de Segurança Pública, só em janeiro de 2019 a policia do Rio assassinou 160 pessoas.

O judiciário, em especial o Ministério Público, não age ante a eficácia da polícia que, com trabalho de inteligência, apreende 117 fuzis novos e importados num bairro nobre – a maior apreensão da história e sem um único tiro, ao mesmo tempo em que “fracassam” no combate ao crime enquanto entram, prendem, arrebentam e matam praticamente todos os dias, em bairros pobres e favelas. Não se mete, não incide.

QUEM MANDOU MATAR EVALDO?

Sim, foram oficiais do exército que dispararam 80 TIROS. 80 TIROS!!! E mataram Evaldo dos Santos Rosa, homem negro de 51 anos, que trabalhava como músico e segurança. Ele ia de carro com a família, acompanhado do filho de 7 anos, a mulher e uma amiga, para um chá de bebê, na comunidade de Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro. E devem ser punidos. Mas não seria necessário também falar sobre a importância da autorização, do estímulo e até as ordens para matar, proferidas por seus superiores? Eles também tem responsabilidade sobre a ação de seus comandados.

Ouviremos as justificativas de sempre: “Caso isolado”, dirão eles, individualizando a culpa na figura dos recrutas, o lado mais fraco da corda. Talvez fiquem presos por um tempo, até que a tragédia caia no absoluto esquecimento. E tudo continuará como sempre, pelas mãos de outros oficiais sob as mesmas ordens, mortes todos os dias, quem sabe com menos barulho, melhor pontaria e menos gasto de munição. E seguirá a marcha fúnebre, o genocídio negro, permanente, continuado.

Óbvio que políticas de segurança que fazem do povo negro e pobre suas vítimas, humilhadas, presas e mortas não são exclusividade dos atuais governos estaduais e do governo federal. Trata-se de uma carnificina instalada há décadas, por muitos governos. Importante dizer que a banalização dos discursos de ódio fez a situação, que já era ruim, piorar. E é preciso apontar: São responsáveis pelo assassinato de Evaldo e tentativa de assassinato de sua família, amigos e outros afetados, o presidente Bolsonaro, o ministro Moro, a maior parte do Congresso Nacional, o governador do Rio, Witzel, o comando do exército, a grande mídia que apoia essa política genocida de segurança pública e parte considerável da sociedade que sustenta esse governo. São, todos estes, em alguma medida, responsáveis, logo, assassinos também. E o estado, genocida. E devem ser responsabilizados.

Em fevereiro, organizações do Movimento Negro denunciaram Sergio Moro e sua proposta de segurança pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA. Depois disso, há duas semanas, uma comitiva de representantes do movimento negro foi recebida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, onde apresentaram, entre outras, preocupações com as propostas do Ministro Moro que, segundo estes grupos, aprofundarão o genocídio negro. O Movimento Negro deverá levar para além do Brasil, a denúncia de mais esta amostra inconteste do genocídio negro brasileiro.

Minha fraternal solidariedade à família.

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Decepção com o Estado do Rio, que permaneceu impassível perante essa barbárie perpetrada contra o povo negro.

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