ATAQUE À ALDEIA: Povo Guarani do Morro dos Cavalos pede socorro

Comunidade Guarani do Morro dos Cavalos pede solidariedade contra ataques a tiro, tortura e tentativas de homicídio que vem sofrendo desde o início de novembro. (Foto: Roselane Talayer Lima)

“ESTAMOS À BEIRA DE UM MASSACRE. PRECISAMOS DE APOIO!”

Habitantes Guarani do Morro dos Cavalos estão vivendo desde o início de novembro momentos de terror nas duas aldeias do Território Indígena Morro dos Cavalos, situado em Palhoça, há 30 quilômetros de Florianópolis. A líder Kerexú Yxapyry está clamando por socorro de todas as entidades e pessoas em defesa dos povos indígenas e dos direitos humanos. Na madrugada de sábado para domingo (19), o Território Indígena enfrentou um novo ataque com disparos de arma de fogo. No dia 2 de novembro, a aldeia Itaty já tinha sofrido a máxima violência quando dois homens brancos, só depois identificados, subornaram dois adolescentes indígenas para  atacar a mãe da ex-cacique, Ivete de Souza, 59 anos. Mãe de seis filhos, ela foi torturada em sua própria casa, retalhada em várias partes do corpo, onde recebeu inscrições de cruz e símbolos de morte. Por fim, deceparam-lhe a mão esquerda com uma faca de serra e só pararam de golpeá-la quando avaliaram, por engano, que ela já estava morta, conforme relatam as entidades apoiadoras da luta indígena em carta aberta.

Entidades na defesa dos povos indígenas no movimento contra o Marco Inicial. Aldeia Itaty do Morro dos Cavalos, agosto de 2017. Foto: Roselane Lima

Os jeruás (ou não índios maus, como os Guarani os chamam), costumam atacar a comunidade nos feriados e fins de semana. Eles “compraram” e ameaçaram os dois adolescentes para facilitar  a agressão â idosa, segundo a narrativa da líder Kerexú (Eunice Antunes). Desde o feriado do Dia dos Finados, Ivete foi internada em estado grave no Hospital Regional de São José e ainda não teve alta. “Ela está bem agora, mas perdeu a mão”, diz a filha Kerexu por telefone. Ivete é viúva de Adão Antunes, o primeiro professor de Educação Indígena de Santa Catarina, que morreu de câncer, em agosto de 2015, depois de uma longa luta para ser operado pelo sistema público de saúde de um tumor. Ambos lutaram duro desde a infância, trabalhando na roça e no artesanato e depois de casados, para criar os três filhos do casal e os outros três filhos dela.

Voluntários fazem vigília para reforçar a segurança e também para que os indígenas possam descansar, relata Elisa Jorge, arquiteta e integrante do gabinete do vereador Lino Peres (PT), apoiador da comunidade, composta por cerca de 300 habitantes. Como a situação financeira é precária, os moradores da aldeia têm passado muita necessidade. “Estão exaustos e impedidos de trabalhar por estarem ocupados cuidando de cada entrada vulnerável no meio da mata, das casas, principalmente da cacica e da Escola Indígena Itaty”, explica Elisa.

Ivete de Souza, que teve a mão decepada. Foto: Raquel Wandelli, ago 2014

As entidades, parlamentares, profissionais e pessoas solidárias estão fazendo uma campanha de doação financeira, alimentos e produtos de higiene. Reunião com os apoiadores do povo Guarani ocorre amanhã, terça (21), às 17 horas, no Sintespe, em Florianópolis. “A crueldade dos não índios está respaldada e encorajada por esse período de trevas instalado no país”, avalia Elisa, lembrando que nunca houve, em tempos mais recentes, uma agressão tão violenta contra os Guarani, que é um povo pacífico e afetuoso. Desde o início de novembro o povo do Morro dos Cavalos têm sofrido violência, amputações de membros, tortura de mulheres e ataques com arma de fogo que têm uma conotação fascista, misturando interesses particulares na propriedade das terras de grupos empresariais, investidas de políticos e ideologia etnocida, analisa Daltro de Souza, liderança da Comunidade Amarildo, que está entre as entidades defensoras do povo Guarani. “Estamos à beira de um massacre. Precisamos de apoio nacional!”.

Apesar de muitas solicitações para que a Policia Federal faça seu trabalho de proteção, até o momento o órgão não tomou nenhuma atitude mais decisiva, limitando-se a investigar e a expor os adolescentes supostamente envolvidos no crime contra a idosa, relata Kerexú, lembrando que foram vistos dois homens brancos no dia do crime. Conforme a ex-cacique, que é também professora da Escola Indígena Itaty, não estão esclarecidas as circunstâncias em que os dois menores de idade foram envolvidos na tentativa de homicídio de sua mãe. Ela diz que não consegue obter com a polícia civil os documentos relativos às investigações, nem o Boletim de Ocorrência. A procuradora federal Analúcia Hartmann está tentando interceder nesse caso, que envolve disputa de terras com moradores da Enseada de Brito, estimulados pelo interesse do Agronegócio e de políticos conservadores que defendem a expulsão dos indígenas de suas terras para duplicação da Br-101 com reincidentes ofensivas aos líderes da resistência.

Campanha iniciada pelo Curso de Licenciatura Indígena da UFSC

O Território Indígena Morro dos Cavalos é entrecortado pela Br e fica próximo ao mar. Isso o torna alvo de ofensivas constantes de agentes públicos que querem construir um túnel em suas terras e também de empresários do ramo imobiliário. Em Brasília, é forte o lobby de parlamentares como o deputado federal Valdir Colatto (PMDB) e o vereador Pitanta (Nirdo Arthur Luiz – DEM), que querem impedir o seu direito ao T.I., prestes a ser homologado, como esclarece Flora Neves, ambientalista integrante do Gabinete do vereador Marquito (PSol). Essas forças externas empurram moradores da Enseada de Brito contra os Guarani, espalhando calúnias já muitas vezes desmentidas pelas lideranças de que com a homologação vão cortar o fornecimento da água da nascente para a comunidade vizinha, relata Flora. “Isso não é verdade. Os Guarani são um povo pacífico, que só quer viver em harmonia com as comunidades ao seu redor”.

Encurralados em uma área íngreme e pedregosa à beira do asfalto, os Guarani foram durante mais de 30 anos violentamente afastados do cultivo da terra e obrigados a sobreviver vendendo artesanato nas aldeias e na cidade e do recebimento de donativos. O “povo do sol” reivindica na Presidência da República uma área de 1.956 hectares entre a Serra do Tabuleiro e o mar, onde pretende reconstruir um mundo Guarani de verdade, como o dos ancestrais, onde possa exercer plenamente a sua cosmogonia, onde o trabalho, a relação com a natureza, a espiritualidade e o modo de vida não se separam da sua cultura.

Terra Indígena Morro dos Cavalos, 19 de novembro

(Carta da líder Kerexu Yxapyry)

Eu, Kerexu Yxapyry, liderança indígena guarani, estou passando para dar mais um relato de atentado dessa madrugada do dia 18 para dia 19 de novembro de 2017. À 1:30h, houve vários disparos de tiros nas Tekoa Itaty, Tekoa Yaka Porã e Centro de Formação Tataendy Rupa, os três pontos de vigília da Terra Indígena, sendo que na Tekoa Yaka Porã, um amigo nosso que estava de vigília cuidando do portão de entrada da aldeia quase foi acertado com o tiro. Quando uma pessoa que passava no carro gritou: “já era” e atirou em direção à aldeia. Nesse mesmo momento houve os disparos nos outros pontos. Xondaro Kuery (parentes) precisamos ficar atentos, pois os Juruá kuery (não índios maus) estão organizados e eles estão sabendo dos pontos de vigília.

Já recorremos a todos os meios legais de proteção e até agora não obtivemos respostas. Promessas e notas de apoio também não estão valendo de nada os atentados estão cada dia mais dentro das nossas Tekoás em nossas casas, em nossas famílias.

Vamos ficar cada vez mais alertas e chamar apoiadores que venham somar nessa luta de vigília.

Kerexu Yxapyry, liderança indígena e professora: “Precisamos de apoio: a violência chegou ao extremo” Foto: arquivo pessoal

 

Terra indígena Morro dos Cavalos, 4 de novembro de 2017

(Carta das entidades apoiadoras publicada na Página Conexão Itaty https://www.facebook.com/ConexaoItaty/posts/1280194532084790)

Nós, lideranças e membros da comunidade Guarani do Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça (Santa Catarina), vimos por meio deste documento denunciar mais um violento ataque a membro de nossa comunidade, com profundas agressões físicas, e exigir providências das autoridades.

Na madruga da quinta-feira dia 2 de novembro a senhora Ivete de Souza, 59 anos, pertencente a nossa comunidade, foi violentamente agredida com golpes de facão, dentro de sua própria casa. Trata-se de uma tentativa de assassinato. Testemunhas afirmam ter visto dois adolescentes nas proximidades da residência da senhora Ivete. Esses menores foram conduzidos à delegacia da polícia civil em Palhoça e detidos antes mesmo do laudo da perícia ser divulgado. Os menores, que estão sendo investigados, estão sendo expostos de maneira irresponsável por setores da imprensa, sem ao menos uma informação mais precisa dos fatos ou a conclusão do laudo pericial, que sai em 5 dias.

Requeremos uma investigação séria e isenta, porque acreditamos que existem pessoas não indígenas envolvidas. Não é a primeira vez que nossa comunidade é atacada e nem a primeira vez que os ataques ocorrem em véspera ou dias de feriados. No dia 2 de novembro de 2015, nessa mesma casa houve um ataque de não indígenas.

Naverdade, vivemos sob ameaças constantes, sejam elas físicas ou verbais proferidas por políticos que estão empenhados em impedir a devolução de nossa terra e usam suas câmeras para incitar a violência contra nós povo Guarani do Morro dos Cavalos. Basta lembrar que ocorreu Audiência Pública na Câmara Municipal de Palhoça e mais pronunciamento e exatamente há uma semana atrás que a população foi incentivada a impedir a demarcação de nossa terra. Em seguida, no sábado do dia 28 de outubro, foram realizadas manifestações próxima da tekoa Yaka Porã, na Enseada do Brito, contra nosso povo com faixas contra a Funai e contra a demarcação repetindo a fala do pronunciamento na câmara de vereadores do município de Palhoça.
Acreditamos que essa atrocidade foi feita por não indígenas com cúmplices indígenas; não foi assalto, pois não roubaram nada.

Por esse motivo pedimos o empenho das autoridades competentes para elucidar os fatos.

Fotografia da aldeia postada pelas entidades no dia da tentativa de homicídio, em 2/11

Wesley Santos, assessor da Terra Indígena Morro dos Cavalos:

O povo guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos, Palhoça-SC, está sofrendo ataques. Há uma frente de apoio e proteção civil que se dirige ao local para apoiar a vigilância comunitária.

Conhecemos a aldeia há mais de 20 anos. A mãe da amiga, Nice Kerexu, teve sua mão decepada em um desses ataques e está no hospital. Já faz um mês que eles não conseguem manter o ritmo natural dos trabalhos e estão precisando de apoio.

Estamos reunindo alimento e produtos de higiene para levar ao gabinete do vereador Lino Peres amanhã às 12h.

Quem de Floripa puder contribuir, pode levar direto na Câmara de Vereadores de Florianópolis, no gabinete do Vereador Lino Peres. Quem preferir fazer doações em dinheiro para apoiar a vigilância na TI Morro dos Cavalos pode depositar na conta:

Banco do Brasil
Ag: 5362-7
C/C: 11042-6
Wesley Santos
CPF: 015.242.072-09
Do Conexão Itaty (http://conexaoitaty.blogspot.com.br/p/tekoa-itaty.html)

A comunidade Guarani de SC agradece a todos pelo apoio e atenção.
Eu também agradeço de todo coração!

Aguydjewete!

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COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Que se pode comentar … Talvez uma linha de guerreiros armados… Resolveria a sensação de vulnerabilidade até q se consigua recursos.. E se de marquem de uma vez as terras..

  2. Interesses imobiliários por detrás dos massacres ? Que é isso ? O exterm´´inio de uma raça que por direito são donas de todo o território nacional? E a dita PF, onde está ? Protegendo os poderosos, como sempre. Até quando o mundo vai ver estas barbaridades cometidas aqui neste País. Torno a dizer: INTERVENÇÃO MILITAR JÁ.

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