Assembleia Legislativa de São Paulo vira “Casa da Vovó”

Foto da 1ª Caminhada do Silêncio, feita no parque do Ibirapuera, em frente a Assembléia Legislativa, dia 31.04.2019 contra as comemorações do Golpe Militar de 1964. Por Lucas Martins | Jornalistas Livres

No dia 8 de abril de 2019, no auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde, a pretexto de se fazer apresentar um visão revisional da história do Brasil, dos 21 anos que duraram a ditadura militar, foi passado um filme, de origem praticamente desconhecida, promovido por alguns deputados da casa, e como comentaristas, nada mais nada menos do que cabo Anselmo, o delegado Carlos Augusto Fleury filho de Sérgio Paranhos Fleury e outras personalidades.

Pode parecer incrível que depois de tudo que se esperava que ocorresse nos quartéis a pedido do Presidente da República _que houvesse a comemoração do golpe, que gerou uma reação em cadeia sem precedentes em todo Brasil, inclusive com um ato de São Paulo com mais de dez mil pessoas, a comemoração viesse a ocorrer em plena Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Atrás do quartel do 2º Exército e diante do Parque do Ibirapuera em São Paulo, do monumento aos Mortos e Desaparecidos, onde houve encerrou a 1ª Caminhada do Silêncio, naquele domingo 31 de março de 2019.

 

CAMINHADA DO SILÊNCIO 31.04.2019, São Paulo Parque do Ibirapuera

 

Transmissão  realizada na caminhada

 

#ditaduranuncamais Caminhada do silêncio na Praça da Paz no Ibirapuera.Cecília Bacha e Emilio Lopez

Gepostet von Jornalistas Livres am Sonntag, 31. März 2019

 

 

Galeria de fotos da caminhada

 

 

 

O filme

O filme, é evidentemente muito mal feito. É uma história que tenta ser o reverso do filme de 2013 do cineasta Camilo Tavares. Camilo Tavares e seu pai, Flávio Tavares, um grande jornalista brasileiro, produziram um roteiro, um livro e um filme chamados “O Dia Que Durou 21 Anos”, que é um documento básico da narrativa do golpe, das entranhas das negociações entre os militares e o Governo Americano.

Link da versão que foi retransmitida pelo Canal Brasil em forma de série.

Link para assistir (pago) o filme “O Dia que durou 21 anos” em alta resolução no youtube.

O filme que passou na Assembleia Legislativa tenta ser uma contranarrativa ao do “O Dia Que Durou 21 Anos” na visão dos torturadores. E eles foram tão audaciosos, que trouxeram os próprios torturadores para comentar. Trouxeram nada mais nada menos do que cabo Anselmo.

Quem é cabo Anselmo? Cabo Anselmo era um sargento da Marinha Brasileira, líder da Revolta dos Marinheiros, no rio de janeiro, em 25 de março de 1964, que  evidenciou a polarização existente no interior das forças armadas em torno do apoio ao presidente João Goulart. A revolta é considerada o estopim que levou ao golpe de 1964. Descobriu-se, depois que ele era um infiltrado, um agente duplo, e também que ele foi responsável pela morte da sua companheira Soledad Barrett Viedma, em Pernambuco. Este episódio é chamado de massacre da chácara São Bento, onde ela, grávida dele e mais seis pessoas morreram assassinadas.  Ela foi assassinada pelas mãos dele. Ele levou os delegados de São Paulo, incluindo o delegado Fleury, numa diligência pra fazer execução das seis pessoas, inclusive a sua companheira.

Então, na realidade, não é a simples iniciativa de alguns deputados, de alguns policiais, não; é a casa de leis, é a Assembleia Legislativa mais importante do País que teve suas relações aviltadas. É evidente que a direção da casa não sabia, não tinha noção do que poderia acontecer, nem da repercussão nacional que está tendo essa atividade. No Brasil inteiro se fala desse ocorrido.

Última vez que o cabo Anselmo apareceu em público foi no programa Roda Viva, fartamente anunciado, onde ele foi questionado sobre toda delação. Imaginem vocês, que o cabo Anselmo, tinha um companheiro de farda, da Marinha, Edgar de Aquino Duarte, cujo único crime era de ser amigo de cabo Anselmo. Tanto que quando cabo Anselmo veio do exterior, ele ficou protegido, guardado no apartamento de Edgar De Aquino Duarte, e por esse fato, ele foi condenado à morte, e permanece desaparecido até hoje.

Não param por aí… Tinha uma plateia no auditório Paulo Kobayashi, cerca de 90 pessoas, que aplaudiam e riam. Porque, imaginem os senhores, os dois homenageados ao fim no suposto debate, foram o delegado Sérgio Paranhos Fleury e ao General Comandante da repressão em todo Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Foi um ato “Ustra Vive, Fleury Vive”, carregado de todas as piadinhas, todas as ironias. Toda cerimônia está preservada no link da TV Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, TV ALESP. A sessão completa pode ser assistida NESTE LINK na Tv Alesp.

 

A Casa Da Vovó

Um dos testemunhos mais notáveis presentes foi o jornalista Marcelo Godoy, um dos jornalistas mais especializados no assunto, que escreveu o livro “A Casa da Vovó – Uma biografia do DOI-Codi””, pela editora Alameda Casa Editorial que explica como detalhes como funcionava a casa da morte na rua Tutóia com a Tomás Carvalhal, na Vila Mariana, conhecida como DOI-CODI, uma delegacia que existe até hoje e foi o maior centro de tortura do País.

Ná época do lançamento do livro “A Casa da Vovó – Uma biografia do DOI-Codi”, de Marcelo Godoy, em 2014, no mesmo auditório Paulo Kobayashi, o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, que responde pelo nome Carteira Preta, vestido de smoking e capacete militar interrompeu o debate, tentou constranger pessoas da plateia que foram vítimas de torturas, e teve que ouvir de Marcelo Godoy a pergunta: “ O senhor precisa contar o que o Sr. fez?”.  Assista a sessão completa neste link, a discussão começa a partir do minuto 57’.

No dia 08 de Abril na fatídica sessão, o mesmo sr. Carteira Preta foi chamado a dar participar do debate e homenagear o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Assista o vídeo que mostra alguns trechos.

 

 

E agora? Surge uma pergunta:

Como é que a sociedade do Brasil Civil, paulista, brasileira, o ministério público, a defensoria pública, todos os ministérios, o poder judiciário, a OAB, como é que todas essas organizações vão ou poderão se posicionar diante de tal desrespeito?

Porque o que houve lá foi uma comemoração risonha, irônica, dos acontecimentos de toda uma cadeia, de mortes, perseguição, e dos crimes cometidos ao longo desses 21 anos contra o povo brasileiro.

E será que vai haver algum procedimento interno investigativo? Algum pedido de informações a respeito do que ocorreu lá ontem?

Por incitar a violência e tortura, e crimes contra a humanidade os deputados organizadores do evento cometeram uma falta grave, que segundo o  Artigo 5°, inciso 1º e artigo 7º inciso 4º do Regimento Interno permite abertura de processo investigativo na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa, conforme é descrito no código de Ética da casa em seu artigo 16, parágrafo 1º.

É bom lembrar que em 2013 foi montado um acampamento no fundo da Assembleia Legislativa, de frente pro quartel, exigindo a intervenção militar no Brasil, que durou cerca de dois anos, e esse acampamento foi organizado pelos mesmos rebatedores que estavam na mesa ontem, fazendo comentário do filme.

Essa publicação dos Jornalistas Livres, ela tem por objetivo não só discutir o passado do golpe militar, que durou de 1964 a 1985, como discutir o momento atual em que as pessoas que participaram do golpe hoje reivindicam a implantação do novo regime militar no Brasil _a chamada intervenção militar.

 

Não é só um raciocínio do passado!

Lógico que esse processo revisional é além de ser uma das coisas mais cruéis, é também das mais perigosas que estão acontecendo no Brasil. Por que a narrativa é de que o nazismo foi uma política de esquerda, e que as ditaduras são apenas de esquerda. Nesta linha de pensamento que esses defensores da tortura e da Ditadura Militar, alegam que era uma guerra, e isso que o filme tenta alegar com supostos documentos secretos.

Na medida que o Presidente da República ao visitar o museu de Israel, manifesta que ficou de tal forma perplexo com as atrocidades que ele viu no Museu do Holocausto, e que só lhe restou uma frase brutal, dizendo que todos aqueles crimes tinham sido cometidos pela esquerda alemã, e pela esquerda do mundo. Conveniente né?

As atrocidade cometidas nos campos de concentração, segundo ele, teriam sido cometidos pelos partidos de esquerda da Alemanha e da Europa. Será que ele entrou no mesmo museu? Para se defender da narrativa, e da visão da brutalidade foi tão grande, tão grande, ele então, de uma forma ingênua e patética diz: Isso só pode ter sido coisa da esquerda. Neste episódio, foi que ele plantou uma árvore nos jardins do museu e várias organizações de direitos humanos de Israel querem que essa árvore por ele plantada seja imediatamente retirada.

E até aqui no Brasil, na semana do dia 31 de março, às forças armadas, os militares pediam muito comedimento, pouco exibicionismo e uma linha de ordem do dia, uma coisa interna da ordem do dia dos militares. Contra o pedido do Presidente, de comemorar esta data.

No dia 8 de abril, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, teve um ato ostensivo da apologia à tortura, à morte e ao desaparecimento político.

Os deputados que constituem a assembleia, a maioria, posso dizer mais que 90%, são autênticos democratas, pessoas de tradições de luta, da resistência, gente da melhor qualidade, que construíram a democracia no Brasil.

Não se pode, numa atitude irresponsável, acusar a casa, a instituição, o parlamento estadual, porque eles foram atingidos pelas costas por esse ato brutal. É necessário que a sociedade saiba dividir o joio do trigo, não tem nada a ver com uma atividade proposta pela Assembleia; foi esse nicho que representa o pensamento dos torturadores que promoveu essa irresponsabilidade.

Isso não quer dizer que esses fatos não devam ser averiguados, investigados. As sessões são todas gravadas em vídeo. Tem as sessões em áudio, as notas taquigráficas, isso é necessário até que a sociedade civil tenha subsídio para apoiar as investigações.

Porque essa nova extrema direita vem duma forma tão avassaladora contra as instituições, querendo pôr todo mundo na defensiva, então é dever da sociedade civil apoiar os deputados democratas que constituem as bancadas dos diferentes partidos para que possam enfrentar essa verdadeira provocação, esse verdadeiro acinte, essa verdadeira mácula, que vai nos anais da Assembleia Legislativa.

Mas que também nos sirva de alerta para que a gente saiba exatamente do que eles são capazes de fazer, quem comemora, quem faz apologia das torturas e dos assassinatos de 50 anos atrás, propondo ou criando um campo permissivo para que as mesmas atitudes sejam repetidas, as chacinas, os esquadrões da morte, as milícias, os assassinatos da juventude negra, a perseguição indiscriminada às populações mais pobres e àqueles que discordam politicamente.

Dá medo, porque medo é uma coisa normal do ser humano, todo ser humano tem que ter medo. Tem que ter medo, mas tem que ter coragem; medo com coragem pra enfrentar, para que nunca mais aconteça, para que não se repita; os fatos que ocorreram no passado serem evitados no presente. Democracia já!

 

Alguns fatos a destacar :

Os deputados Douglas Garcia (PSL) e Carlos Alberto Castelo Branco (PSL), foram os responsáveis pelo evento. É importante lembrar, que o primeiro é o criador do grupo, porão do DOPS, conhecido por sua incontinência verbal, que, ao ameaçar uma deputada semana passada, teve que recuar ridiculamente, pedindo socorro ao líder da sua bancada, tal o vexame que ia passar a público. Este cidadão, com ironia e novamente falta de decoro, sugere a criação da comemoração da data, como assim fez o seu Presidente.

O segundo, que tem o nome de um certo Marechal seu tio avô, devia se preocupar em saber como é que seu avô foi morto e como a sua aeronave foi derrubada em Fortaleza de uma forma inexplicável. Em sua fala, na mesma sessão ele repete algumas vezes, as verdade que o abjeto filme não revelou, “tem muita coisa por traz que não está aí” diz o deputado Carlos Alberto Castelo Branco.

 


Adriano Diogo foi Deputado Estadual pelo PT de São Paulo em três mandatos. De 2012 a 2015 criou a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Marcelo Rubens Paiva. Muitas das sessões da comissão aconteciam no Auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa. Todas as sessões podem ser acessadas nos links do canal, e contribuíram para elucidação de muitas das atrocidades cometidas por agentes do Estado de São Paulo.

Além das audiências onde vítimas e familiares puderam dar seus depoimentos todo o processo está acessível para consulta no Relatório Final da Comissão, que produziu também importantes documentos e pode ser baixado.

 

 

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Triste e revoltante tal situação! É um absurdo que os demais deputados aceitem calados tais desrespeitos à vida e à história democrática.

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