As sanções dos EUA contra a Venezuela não conseguiram nada além de morte e miséria desnecessárias. Contra todas as razões, elas devem permanecer.

O escritor e professor de Direito Internacional Dan Kovalik comenta o relatório de Alena Douhan, relatora especial da ONU, que pede o fim imediato das sanções contra a Venezuela.

Em seu esforço de mudança de regime contra a Venezuela, os Estados Unidos impuseram sanções devastadoras que causaram dezenas de milhares de mortes entre os mais vulneráveis – sem nunca chegar perto de derrubar o presidente.

Alena Douhan, relatora especial da ONU sobre medidas coercitivas unilaterais e direitos humanos – uma nova posição criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2020 – publicou um relatório preliminar contundente na semana passada condenando as sanções dos EUA e da União Europeia contra a Venezuela. A Sra. Douhan instou os EUA, a UE e outras nações para que retirem todas as sanções contra a Venezuela depois de sua missão de investigação de duas semanas ao país.

Conforme explica o relatório, as sanções foram “impostas pela primeira vez contra a Venezuela em 2005 e foram severamente fortalecidas desde 2015(…) com as mais severas sendo impostas pelos Estados Unidos.” Ainda de acordo com o relatório da Sra. Douhan, essas “sanções exacerbaram as situações econômicas pré-existentes e afetaram dramaticamente toda a população da Venezuela, especialmente mas não apenas aqueles em extrema pobreza, mulheres, crianças, trabalhadores da saúde, pessoas com deficiência ou com risco de vida ou doenças crônicas, e as populações indígenas.” Em suma, as sanções estão prejudicando os mais vulneráveis ​​da sociedade venezuelana.

O relatório continua:

“A falta de maquinários, peças sobressalentes, eletricidade, água, combustível, gás, alimentos e medicamentos necessários, crescente insuficiência de trabalhadores qualificados, muitos dos quais deixaram o país em busca de melhores oportunidades econômicas, em particular pessoal médico, engenheiros, professores, juízes e policiais, tem um enorme impacto sobre todas as categorias de direitos humanos, incluindo os direitos à vida, à alimentação, à saúde e ao desenvolvimento.”

As conclusões da Sra. Douhan ecoam com as de outros estudos que enfocam os custos humanos das sanções contra a Venezuela. Por exemplo, o Centro de Pesquisa de Política Econômica (CEPR) concluiu em um relatório de 2019 que, apenas em um ano (2017-2018), pelo menos 40.000 venezuelanos morreram em consequência da escassez de alimentos e medicamentos causada pelas sanções americanas. Por sua vez, o ex-especialista da ONU Dr. Alfred de Zayas estimou em março de 2020 que pelo menos 100.000 venezuelanos morreram devido às sanções americanas.

Em seu relatório preliminar, a Sra. Douhan enfatizou “que as medidas unilaterais só são legais se forem autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU, ou usadas como contramedidas, ou não violarem nenhuma obrigação dos Estados, e não violarem direitos humanos fundamentais”. O atual regime de sanções não atende a nenhum desses critérios e, portanto, é ilegal. A Sra. Douhan “exortou os países a observarem os princípios e normas do direito internacional e lembra que as preocupações humanitárias devem sempre ser levadas em consideração com o devido tributo ao respeito mútuo, solidariedade, cooperação e multilateralismo”.

As conclusões sombrias do estudo de Douhan vêm no momento em que o New York Times informa que a oposição política na Venezuela – oposição que as sanções visam coagir a população a apoiar – está caindo aos pedaços. Como explica o Times, as multidões que saíram para apoiar a figura da oposição que os EUA ungiram como “presidente interino” em 2019 – Juan Guaidó – “se foram, muitos aliados internacionais estão vacilando e a coalizão de oposição está desmoronando”.

O Times noticia ainda que as sanções contra a Venezuela não ajudam a causa da oposição justamente pelo sofrimento que causam à população. Como explica o Times, “as sanções americanas destinadas a ajudar o Sr. Guaidó destruíram as receitas do governo, mas também forçaram os cidadãos a se concentrarem na sobrevivência diária, não na mobilização política”.

Em suma, parece não haver dúvidas de que as sanções estão minando a situação humanitária na Venezuela, são ilegais e nem mesmo são razoavelmente calculadas para provocar a mudança de regime que pretendem alcançar. Isso levanta a questão de por que os EUA continuam a seguir essa política cruel e contraproducente.

Felizmente, alguns no Congresso estão de fato se fazendo essa mesma pergunta, e pediram em uma carta ao presidente Biden que ele reconsiderasse tais sanções, particularmente à luz da pandemia mundial de Covid-19. Assim, “citando o anúncio de Biden em seu segundo dia de mandato de que seu governo revisaria todas as sanções existentes nos Estados Unidos e seu impacto sobre a pandemia”, um grupo de 27 legisladores progressistas argumentou que “‘é uma questão moral e um imperativo de saúde pública que nossos esforços para combater a Covid-19 sejam globais, porque as consequências econômicas da pandemia requerem cooperação internacional.”

Como os membros do Congresso explicaram em sua carta, que ecoou muitas das preocupações levantadas pelo Relator Especial da ONU:

“Com muita frequência e por muito tempo, as sanções têm sido impostas como uma reação automática, sem uma avaliação medida e considerada de seus impactos. As sanções são fáceis de aplicar, mas notoriamente difíceis de suspender. E embora tenham comprovadamente prejudicado as populações civis, e feito com que alguns governos autoritários restringissem ainda mais os espaços civis e reprimissem os direitos civis e políticos, diminuindo a capacidade das organizações humanitárias de fornecer apoio durante crises e desastres, tornaram ainda itens básicos como alimentos, medicamentos e gasolina proibitivamente caros, além de criados e alimentados por economias de mercado negro e tornando nossos rivais cada vez mais dependentes uns dos outros, historicamente não realizamos avaliações regulares para determinar como as sanções se conectam aos resultados das políticas que buscam alcançar, de modo que muitas vezes é difícil provar de forma comprovada sua rede de benefícios para os interesses e a segurança nacionais”

Esperançosamente, o presidente Biden dará ouvidos a este sábio conselho e acabará com as sanções contra a Venezuela no interesse do humanitarismo e, francamente, do bom senso. No entanto, estou firmemente convicto de que só o fará se houver pressão combinada entre o seu eleitorado. Assim, como explica o Times, tudo indica que até agora Biden ainda se dedica aos objetivos e à estratégia de mudança de regime de seus antecessores, Barack Obama e Donald Trump. Como noticiou o Times – inexplicavelmente com aparente aprovação – “[em] sua audiência de confirmação no mês passado, o secretário de Estado Antony J. Blinken disse que não planejava iniciar negociações com Maduro e deixou claro que Washington continuaria a reconhecer Guaidó como líder da Venezuela. ”

Como a carta do Congresso citada acima corretamente apontou, velhos hábitos são difíceis de matar, mesmo quando contrariados pela racionalidade, pelos requisitos da lei e pela decência humana básica. Cabe ao povo americano exigir uma mudança de rumo nessas políticas que nada mais fazem do que causar sofrimento humano e que nos rebaixam como país.


*Daniel Kovalik ensina Direitos Humanos na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh e é autor do recém-lançado No More War: How the West Violates International Law by Using “Humanitarian” Intervention to Advance Economic and Strategic Interests.

Tradução: Juliana Medeiros
Para acesso ao artigo original em inglês no portal da RT: https://www.rt.com/op-ed/515840-us-sanctions-venezuela-failed/

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Essa “ajuda humanitária” somado à luta contra corrupção, como a vaza-jato deixou bem claro, prestam-se à fazer a manutenção e a ampliação do poder geo-politico das grandes multinacionais, muitas delas repletas de acionistas americanos e europeus que atualmente (e há algum tempo) direcionam as políticas de governo mundo afora. O problema, parece-me, é que por melhores que sejam as intenções da ONU, suas resoluções costumam, quando não atendem as exigências do mercado, ser solenemente ignorados, seja pelos governos seja pela grande mídia. Boa sorte para nós e para o povo venezuelano.

    1. Na história das intervenções não há uma única que se possa classificar de benéfica para povo algum. Em geral resultam em mais violação de direitos humanos – para não mencionar os interesses estratégicos das nações intervencionistas – e não por acaso, nosso antigo representante na ONU (morto em um atentado em Bagdá), Sérgio Vieira de Mello, se indispôs inúmeras vezes com a maneira com a qual as Nações Unidas pareciam atuar em conjunto com ocupações militares com distinção não muito clara.

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