AS CICATRIZES QUE A FACADA NÃO DEIXOU

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com ilustração de Jean Galvão

 

Até a semana passada, a corrida eleitoral girava ao redor de uma questão capital: Lula, mesmo preso, irá conseguir transferir votos para Haddad?

O protagonismo estava lá em Curitiba, na sede da Polícia Federal.

A situação mudou no dia 6 de setembro, quando, em Juiz de Fora, Minas Gerais (praticamente Rio de Janeiro), um sujeito de ideias confusas e, ao que tudo indica, agindo sozinho e sem nenhuma articulação, enfiou uma faca na barriga de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

Bolsonaro, que até então contava com tempo muito pequeno de propaganda eleitoral na televisão, passou a estar sob os holofotes da mídia. O protagonismo foi, então, dividido, passando a ser encenado também em São Paulo, na porta do Hospital Albert Einstein.

Surgiu, então, outra questão capital: o atentado é capaz de impulsionar Jair Bolsonaro?

Acredito que, hoje, em 12 de setembro, quando estou escrevendo este texto, seja possível responder essa pergunta com mais segurança. Pra isso, são fundamentais os dados das pesquisas feitas pelo Ibope e pelo Datafolha.

É este o meu esforço neste ensaio: utilizar os dados disponíveis para avaliar o cenário eleitoral. Se o resultado da eleição será ou não respeitado, se teremos mais golpe, se a crise irá terminar com a posse do governo eleito, são outras questões, relevantes demais e que pedem uma reflexão específica. Cada problema no seu tempo.

Aqui, falo apenas das eleições, fazendo de conta que estamos em um ambiente democrático.

Primeiro, algumas considerações sobre as pesquisas eleitorais: Numa sociedade de massa, pesquisa eleitoral é ativo político e exerce uma dupla função: identifica e reforça as tendências eleitorais.

Como política é rio que corre para o mar, aparecer na frente nas pesquisas eleitorais significa ser visto como potencial vencedor, o que atrai ainda mais votos. As pessoas gostam de terem votado no vencedor. Ninguém gosta de perder.

Por isso, em época eleição surgem pesquisas de tudo quanto é lado, feitas por todo tipo de instituto, alguns desconhecidos e com credibilidade questionável. Para reflexão que estou desenvolvendo neste texto, parto do princípio de que apenas os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope são dignos de confiança.

Digo isso porque na série histórica esses institutos acertaram muito mais do que erraram. Ou em outras palavras: se formos pesquisar os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope nas pesquisas realizadas nas vésperas das eleições passadas, veremos que as projeções foram, quase sempre, confirmadas pelos resultados das urnas.

Dito isso, vamos em frente.

A pesquisa Datafolha foi divulgada na segunda-feira, 10 de setembro. A pesquisa Ibope foi divulgada na terça-feira, dia 11. A essa altura da corrida eleitoral, precisamos estar mais atentos às tendências do que aos dados estatísticos em si. Os dois institutos identificam as mesmas tendências:

1) A facada não teve impacto eleitoral relevante, já que Bolsonaro se manteve relativamente estável e continua sendo rejeitado por mais de 40% do eleitorado, o que, na prática, o inviabiliza para o segundo turno. Bolsonaro é o adversário dos sonhos. Todos querem disputar o segundo turno com ele.

2) Geraldo Alckmin está estacionado, o que sugere duas coisas: nos tempos das mídias digitais a TV já não é mais tão importante assim para o convencimento eleitoral; o PSDB foi engolido pelo golpe que financiou.

3) Marina Silva despenca, o que me surpreende. Achei que ela fosse conseguir crescer com a tentativa de se apresentar como centro do espectro político.

4) Haddad, que no momento em que os institutos foram a campo ainda não era oficialmente o candidato do PT, mais que dobrou suas intenções de voto. Haddad está em clara tendência de crescimento. Este é o dado mais relevante das pesquisas.

5) Ciro Gomes cresce e já aparece sozinho na segunda colocação.

Existem diferenças entre os dados estatísticos apresentados pelos dois institutos. Não são diferenças grandes, mas que devem ser destacadas.

No Ibope, a situação de Bolsonaro é melhor: ele ganha algo entre 03 e 05% com a facada e é mais competitivo no segundo turno, contra todos os outros candidatos. Já no Datafolha, a situação de Bolsonaro é muito delicada: ele não cresce praticamente nada com a facada e perde de todos os outros candidatos no segundo turno.

A diferença talvez se explique pelo momento em que os institutos foram a campo. O Ibope estava fazendo sua pesquisa entre os dias 6 e 7 de setembro, no auge da repercussão do atentado.

Já o Datafolha estava em campo nos dias 9 e 10, quando Bolsonaro começava a dividir o noticiário com a unção de Haddad e com a morte do funkeiro carioca MR Catra. Penso que os dados do Datafolha revelam melhor a realidade da situação eleitoral de Bolsonaro do que os do Ibope.

Bom, diante disso, com um olho nos dados e o outro nas tendências, apresento as minhas interpretações:

A facada não beneficiou a candidatura de Bolsonaro. É que em uma eleição, os índices de rejeição são mais reveladores do que os índices de intenção.

A intenção é volátil, pertence ao futuro, é algo que muda ao sabor das circunstâncias. Já a rejeição pertence ao passado, é dado consolidado. A rejeição até muda, mas leva tempo. Estamos a um mês das eleições e Bolsonaro é rejeitado por mais de 40% do eleitorado. Uma rejeição desse tamanho não muda do dia pra noite, nem mesmo com uma facada.

Por que a imagem da vítima não colou no Bolsonaro?

Primeiro, porque Bolsonaro é personagem amplamente conhecido no Brasil há, pelo menos, dois anos. Sua representação como um homem violento e autoritário já está consolidada no imaginário popular. Sem dúvida, ele cresce eleitoralmente com essa representação, principalmente entre eleitores homens, brancos e proprietários. Mas também perde, sendo rejeitado por mulheres e pobres.

Mulheres e pobres são a maioria do eleitorado. Como alguém pode ser eleito presidente da República sendo rejeitado pela maioria do eleitorado?

Além de tudo, o marketing da campanha foi inábil ao explorar o evento. Bolsonaro ainda corria risco de morte e Flávio Bolsonaro (candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro) já cantava a vitória no primeiro turno.

A campanha abusou das fotos e vídeos no leito, o que alimentou a desconfiança de que tudo não passou de uma jogada de marketing.

Quando era o momento de encenar a vítima, a campanha divulgou foto de Bolsonaro fazendo seu tradicional gesto da arma, o que reforça a representação do homem violento.

Enfim, tudo indica que a facada não vai impulsionar Jair Bolsonaro. Ele não perde, mas também não ganha. Tudo continua como antes.

Por outro lado, chama a atenção o crescimento de Ciro Gomes, que vem sendo alavancado por um eleitorado progressista que está assustado com a possibilidade de Bolsonaro ser eleito presidente da República. Como ainda existem dúvidas em relação ao potencial eleitoral de Fernando Haddad, a candidatura de Ciro Gomes está vendendo a ideia de que é a única capaz impedir a vitória do Bolsonaro.

O combustível do crescimento de Ciro Gomes, na verdade, é o veto a Bolsonaro. Bolsonaro, hoje, é o principal ativo político de Ciro Gomes, que mobilizando uma espécie de retórica do medo está tentando refundar o campo progressista brasileiro.

Por enquanto, a estratégia parece estar dando certo. A ver se esse crescimento vai se confirmar como tendência.

Haddad cresce e tudo indica que crescerá mais. Se o ativo político de Ciro Gomes é Bolsonaro, o ativo político de Haddad é Lula. Creio que o leitor e leitora irão concordar que Lula é o ativo político mais valioso da história do Brasil. Acho muito difícil, mas muito difícil mesmo, que Haddad não herde, pelo menos, algo entre 50 e 70% dos votos que seriam de Lula, o que fatalmente o colocaria no segundo turno, talvez até mesmo na frente de Bolsonaro. A ver se essa tendência se confirma nas próximas pesquisas.

Com essa disputa entre Haddad e Ciro, Marina perde espaço. Hoje, com os dados disponíveis, ela é a primeira derrotada das eleições. Eu ficaria muito surpreso se isso mudasse.

Do outro lado da trincheira ideológica, Alckmin tenta desesperadamente recuperar o eleitorado de direita que foi abocanhado por Bolsonaro. Pra isso, o crescimento de Haddad será o seu trunfo.

Haddad está para Alckmin assim como Bolsonaro está para Ciro: um fantasma capaz de seduzir o eleitor pelo medo. Alckmin vai tentar convencer o eleitorado de direita que Bolsonaro, por sua rejeição, não será capaz de derrotar o PT. Vamos ver se vai colar. O jogo continua sendo protagonizado pelo bolsonarismo e pelo lulismo, com suas sombras tentando crescer utilizando a retórica do medo.

A facada não deixou cicatrizes. O impacto da peixeira de Adélio foi grande mesmo no intestino grosso de Bolsonaro. Na corrida eleitoral, não passou de um arranhãozinho.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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