Apesar de você

Café com muriçoca Bem-vindos e bem-vindas ao “Café com muriçoca” - espaço de compartilhamento literário dos Jornalistas Livres. O texto de hoje, "Apesar de você", de Dinha, faz um pequeno balanço do ano que se foi e nos convoca ao amor e à luta, neste novo ano que se inicia.

“Apesar de você 

Amanhã há de ser 

Outro dia.”

Chico Buarque 

Eu vi coroas de flores,  partidas recentes/ Futuros promissores acabarem de repente/ (…) Eu vi as lágrimas da mãe,  as lágrimas do pai/ E a quebrada em peso chorar no enterro./ (…) Eu tô com mó saudade.

MC Rodolfinho – Comp. Anderson L. Leite 

“Que 2022 termine de levar embora Bolsonaro e seu bando. Que tenhamos força e amor pra boicotar as empresas e o sistema que destrói o planeta e são a causa da crise climática. Que tenhamos solidariedade com as vítimas do desgoverno,  do clima,  dos genocídios, da pobreza e das guerras”

São Paulo, dia primeiro de janeiro de 2022. 

Aqui estou mais um dia, sob o olhar sanguinário do vigia… Opa! Peraí que eu troquei as letras. 

Apesar de que, pensando bem, a quebrada se sente mesmo como o autor da música Diário de um detento: trancada e sob a mira da polícia o tempo todo.

Apesar disso, e a contragosto do desgoverno necrótico, pra quem morte é lucro – é sacrifício alheio para o bem da elite vampira e sem coração no qual a gente possa enfiar uma estaca… Apesar disso,  2021 foi sim um ano de esperança.

Mesmo que o desgoverno tenha  tentado impedir as vacinas – e eu aposto que ele tomou sim a dele… ali, no miudinho… Mesmo apesar disso,  a população brasileira vacinada vai indo muito bem,  obrigada. 

2021 foi também o ano dos reencontros. Ainda tímidos e pouco à vontade,  eles trouxeram afeto e calor humano pra quem conseguiu participar dos poucos eventos e encontros particulares, suspensos durante as fases mais agudas da pandemia. 

Na quebrada,  de fato,  os reencontros não foram possíveis.  Ou porque a vida seguiu quase normal, no modo permanente de “sobrevivência”, ou porque a enchente levou, como no Sul da Bahia, nossas casas e nossas famílias, ou então foi a Covid e suas ramificações, ou, ainda, porque a polícia nos matou. (E eu tô com mó saudade. O meu neguinho não vai mais voltar.)

A questão é que 2021 trouxe um pouco de esperança, mas ele acabou e a nossa sorte ainda não virou completamente. E só porque somos fortes é que seguimos existindo.

Porque a gente é tipo formiga,  é o enxame,  é a zica. A família está unida e a despeito de tudo isso continuaremos a nos multiplicar. A Bahia resiste. O povo preto e pobre resiste.

Que 2022 termine de levar embora Bolsonaro e seu bando. 

Que tenhamos força e amor pra boicotar as empresas e o sistema que destrói o planeta e são a causa da crise climática.

Que tenhamos solidariedade com as vítimas do desgoverno,  do clima,  dos genocídios, da pobreza e das guerras. 

Que o ano bom traga alegrias,  reencontros, liberdade, saúde e amor. Literatura a gente garante. 

Feliz ano novo a você que me lê e trilha comigo essa caminhada rumo a dias melhores. 

Feliz ano novo a você. 


Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros.
Nas redes: @dinhamarianilda

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