Apenas muda, Brasil

Era uma manifestação, mas lembrava muito uma micareta: ganhava seguidores o carro de som mais animado e a figura mais ilustre era o politicamente ‘engajado’ Ronaldo Fenômeno.

Na falta de uma figura de peso que representasse o movimento, acabou sobrando para o apresentador Fausto Silva, a tarefa de ser a “grande voz” da manifestação e líder do protesto do domingo, 15 de março. Sem colocar os pés na avenida, Faustão elogiou os manifestantes em seu programa, chamou a adesão aos atos anti-Dilma, disse que era uma apoteose democrática.

Menos, Fausto Silva!

Fomos para a Avenida Paulista para o que achávamos que iria ser uma manifestação convocada por diversas organizações, como os Revoltados Online, Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua (que apesar do nome trabalha preferencialmente de maneira digital). Entretanto, fomos surpreendidos ao descobrir que havia vários atos, e não apenas um.

Foto: Caio Palazzo / Jornalistas Livres

Ao longo da avenida que é símbolo da pujança financeira da maior capital do Brasil, diversos carros de som disputavam a atenção dos manifestantes que, por sua vez circulavam entre eles, parando um pouco para ouvir um discurso sobre o golpe bolivariano em curso, a necessidade de intervenção militar, a federalização do país (misturada com separatismo de alguns estados), pedidos de impeachment, reforma política e até de dissolução dos partidos atuais e abertura de concurso para profissionais capacitados em administração pública.

Foto: Caio Palazzo / Jornalistas Livres

A cacofonia dos carros de som era ecoada pela multidão na avenida, que entoava cantos de arquibancada, refrões de Roberto Carlos, rocks de protesto neoliberais e gritos de ordem. Alguns carros de som tinham condutores com mais experiência ou mais traquejo no palco, e assim atraíam mais atenção ou envolviam mais a plateia, animando a disputa por público naquilo que começou a parecer com um festival de trios elétricos, uma espécie de Loollapalloza da direita brasileira.

Foto: Caio Palazzo / Jornalistas Livres

Durante as cinco horas que caminhamos pela Avenida Paulista apenas em poucos momentos parecia haver concordância entre trios e manifestantes. Era quando gritavam “Fora PT”, “Fora Dilma” e “Fora Lula” (que apesar de não ser presidente há cinco anos, ainda tem lugar cativo no rol de “inimigo público número 1″ de parte da classe média).

Havia uma clara disputa entre as atrações da manifestação. Elas eram como palcos “independentes” e “mainstream” de grandes festivais, com trios menos populares, com menos recursos e frontmans menos ou mais carismáticos, carros pequenos e outros maiores, com som mais potente, além de “subcelebridades”.

Estiveram presentes o ex-roqueiro Lobão, o longevo Juca Chaves, o cover sem graça do Jô Soares, Danilo Gentile, Bolsonarinho, filho do homônimo, e o petista arrependido Eduardo Jorge. Sem contar a filha do filho de Francisco, Zezé di Camargo, Vanessa Camargo. Coube à rainha do playback a tarefa de cantar o Hino Nacional Brasileiro.

Foto: Reprodução

A principal atração da tarde foi uma rápida aparição do ex-jogador Ronaldo, usando a camiseta de R$ 130 do estilista paulistano Sérgio K. com os dizeres “A culpa não é minha. Eu Votei no Aécio”.

Se os trios, carros de som, barracas, estandes e palcos disputavam sem sucesso a hegemonia de uma narrativa sobre as manifestações deste domingo, outro ator conseguiu isso sem se fazer notar na rua.


Se houve uma narrativa vencedora neste domingo foi a contada pela grande mídia, dizendo que é aceitável culpar um partido e colocar o ódio como instrumento político. Resta esperar para ver se esta conversa vai ser a que fica.

Talvez pertença ao rotundo Ronaldo, ex-Fenômeno, a análise que melhor sintetiza o consenso rocambolesco da manifestação. Questionado inúmeras vezes se apoiava o impeachment da presidente, a reforma política, a redução da desigualdade, ele foi sucinto: “o Brasil precisa mudar. Muda Brasil”. E mais não disse.

Foto: Caio Palazzo / Jornalistas Livres

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