Amazônia em Tela mostra documentário sobre povo do Vale do Javari

Newsletter produzida por estudantes de Jornalismo da USP entrevista em sua primeira edição os realizadores de Tüküna – Os Filhos de Tamakori, curta documental produzido em 2019 pela agência Amazônia Real no local onde foram mortos o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista Dom Phillips
Imagem: Amazônia Real/Divulgação

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Amazônia Em Tela #01: Tüküna – Os Filhos de Tamakori

Nesta primeira edição, apresentamos “Tüküna – Os Filhos de Tamakori“, uma produção da agência Amazônia Real.

Oi, pessoal, tudo bem?

Não foi fácil acompanhar o noticiário nos últimos dias.

Dois defensores da Amazônia, Bruno Pereira e Dom Phillips — indigenista e jornalista britânico — foram brutalmente assassinados na região do Vale do Javari, segunda maior terra indígena do Brasil, localizada no extremo norte do estado do Amazonas e próximo da fronteira entre Peru e Colômbia. 

Nossa missão é trazer produções audiovisuais que dialoguem com as veias abertas dessa região. Pensando nisso, hoje, indicamos um documentário focado no povo Kanamari, um dos seis povos presentes na Terra Índigena Vale do Javari.

Apresentamos “Tüküna – Os Filhos de Tamakori”, uma produção da agência Amazônia Real

Tüküna – Os Filhos de Tamakori Ano de lançamento: 2019

Produção: Amazônia Real

Diretor: Elaíze Farias e Bruno Kelly

Sinopse: o documentário conta a história do povo Kanamari, que habita a Terra Indígena Vale do Javari, no extremo norte  do Amazonas, fronteira com o Peru. Através de imagens do cotidiano e de depoimentos, a produção retrata o drama e a luta deste povo por assistência à saúde, educação escolar e proteção territorial. 

Assista Tüküna – Os Filhos de Tamakori no: YouTube.

Em “Tüküna — Os Filhos de Tamakori”, o espectador é convidado a conhecer a realidade das aldeias Massapé e Bananeira. Falta de acesso a recursos de saúde e educação, doenças, garimpo, atividade madereira, pesca ilegal e invasões são questões constantes trazidas pelos líderes das aldeias.  

Trata-se de um povo com uma história e cultura que, até a produção do documentário, não eram visibilizados pelos meios de comunicação. O povo Kanamari nunca havia concedido qualquer tipo de entrevista para jornalista dentro do seu território. 

Durante as passagens, conhecemos um povo  alegre, cheio de respeito pela vida e pela natureza. Conhecemos famílias que pescam, plantam, caçam e festejam, com um apreço pela música. São pessoas que desejam conviver pacificamente na terra em que habitam.

Mas as  festas não são mais as mesmas, e a convivência pacífica passou a estar cada vez mais longe da realidade. Os filhos de Tamakori sempre foram um grupo marginalizado e esquecido, o último povo a receber qualquer tipo de assistência do governo. Os ataques por ele sofrido se intensificaram a partir de 2018, com o aumento de invasões possessórias, exploração madeireira e garimpo.

Mesmo com sua organização política — por meio da criação da Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) —  a realidade nunca mudou. Os diretores da produção, Elaíze Farias e Bruno Kelly, tecem uma rede de queixas que nunca foram atendidas pelas autoridades. Nesse meio-tempo, o povo Kanamari morre em silêncio.  

A mortalidade infantil, o crescimento de casos de suicídio e a falta de infraestrutura escondem uma calamidade pública. Enquanto as famílias gritam por socorro, seus membros são ameaçados por pescadores e têm suas vidas colocadas em risco.

“Tüküna” nos relembra que o Vale do Javari é cenário de uma luta centenária. De um lado, a cultura indígena, sua população, espiritualidade e rituais. Do outro, a negligência de governos atuais e do passado. No meio disso tudo, os filhos de Tamakori surgem enquanto resistência dentro de um sistema corrompido.

Três anos antes dos assassinatos de Bruno e Dom, essas comunidades já tinham seus problemas denunciados. O documentário  da Amazônia Real abre espaço e permite que as vozes dessas comunidades sejam ouvidas. 

Para entender um pouco mais sobre isso, acompanhe a conversa que tivemos com a própria Elaíze — jornalista e diretora da produção.

De onde partiu a iniciativa de produzir o documentário? 

Esse documentário faz parte de uma reportagem muito maior e mais ampla. Resultou de duas reportagens especiais que foram publicadas lá em 2019. Decidimos, depois das reportagens, produzir um documentário que fez parte disso tudo. Apesar de estar, agora, com um apelo midiático devido ao que aconteceu com o Dom e o Bruno, a Terra Indígena do Vale do Javari é muito pouco mencionada pela grande mídia. Como já trabalho com as questões da Amazônia há mais 10 anos, desde 2017 eu estava preparando minha ida para o Vale do Javari e comecei a dialogar com os Kanamari. Aí, partiu o convite para irmos até o território deles. 

Porque o recorte no povo Kanamari?

Foi uma escolha muito difícil [diante dos outros povos da região], mas o povo Kanamari é um povo muito marginalizado de forma social e política. Eles não tinham tanto espaço nas discussões e nos debates dos movimentos sociais, sobretudo do movimento indigena. Então, decidimos falar deles e ficamos lá por cinco dias. Durante esse tempo, escutamos as lideranças e vivenciamos a cultura deles. Uma coisa que eu gosto de destacar nesse documentário é a trilha sonora. Toda a composição sonora foi feita pelos próprios Kanamari. Eles cantavam sem a gente pedir. É um povo muito sonoro.  

No documentário, as lideranças Kanamari já denunciavam as invasões e a pesca ilegal. São pontos denunciados pelo Bruno, assassinado junto com Dom. Como você enxerga a relação dessas mortes com o seu documentário? 

O que aconteceu com eles foi uma tragédia anunciada, um desastre. Quando gravamos o documentário, lá em 2018, com o final das eleições, já tinha começado o aumento das invasões à TI do Vale do Javari. Eu lembro que falei com uma liderança que disse, lá em 2019, que se nada fosse feito iria acontecer uma tragédia, e é o que está acontecendo hoje. A gente também não pode deixar de mencionar que isso já vem acontecendo desde governos passados. Esta devastação, sucateamento das instituições como a Funai, Polícia Federal e Ibama, ocorreram também no governo petista. Só que, com o governo Temer e, sobretudo, de Bolsonaro, tudo piorou.

Bolsonaro não veio apenas com um discurso de omissão, mas de ataque. E quando a gente está nessas regiões, sentimos que os invasores vão sair impunes. A sensação é de completa vulnerabilidade. As lideranças indígenas estão tão ameaçadas quanto o Bruno e o Dom — apenas não morreram ainda. 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Não haverá Warapekom; não haverá festa, irmão

    O feitiço foi lançado. Antes da hora incerta,
    a sombra do urubu-rei pousou sobre as gentes.
    Kirak pintou a lua com sumo de jenipapo;
    o riso foi guardado no trançado de miriti.
    O homem transmudado em terra será também palavra;
    palavra-jornada do homem na Terra,
    narrada ao modo de quem faz caiçuma;
    de quem mastiga macaxeira, e leveda
    o tempo à espera do Warapekom.

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