Amazonas, um estado afogado pelas enchentes e sufocado pelo descaso

As maiores enchentes da história afetam a economia, a saúde e o combate à pandemia
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O Amazonas vive atualmente a maior enchente de seus rios. Mais de 400 mil pessoas já foram afetadas num evento que suplementa a já difícil situação causada pela Covid-19, que deixou mais de 13 mil mortos – em números oficiais – no território. Esse é mais um capítulo de um Estado que se apresenta historicamente despreparado para enfrentar seus desafios.

Texto e fotos: Raphael Alves

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Amazonas. Uma história de enchentes

Este é o sétimo evento de enchente severa nos últimos dez anos (2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2019 e 2021) no Amazonas. Nas sete primeiras décadas do século passado, esse fenômeno costumava ocorrer a cada 20 anos. Em Manaus, por exemplo, a enchente do Rio Negro de 1953 só foi superada em 2009 – 56 anos. No entanto, apenas três anos depois, o recorde foi superado, em 2012. Apóis nove anos, depois de níveis altos mas que não superaram os níveis anteriores, Manaus se vê diante do maior evento de enchente de sua história.

Para completar, a enchente parece se apresentar de forma persistente: o recorde foi batido no dia 1 de junho, quando o Rio Negro atingiu 29,98m. Permaneceu estável por dois dias até voltar a subir. Alcançou 29,99 em 4 de junho; 30m no dia seguinte, permanecendo estável por 8 dias. Depois, desceu para 29,99m de novo, indicando o início da vazante em 14 de junho. No entanto, dois dias depois sofreu um “repiquete” (fenômeno que faz as águas voltarem a subir depois de um indicativo de seca) e alcançou a até então impensável marca de 30,02m, a maior da história.

Até agora! Nos dias 22 e 23 de junho, o rio apontou mais uma descida, mas voltou a subir no dia 24, contrariando um novo indício de vazante e deixando a população manauara ainda mais confusa. Enquanto isso, no Centro histórico de Manaus, no complexo que tem a Catedral, o Relógio Municipal, o Porto e o tradicional edifício da Alfândega seguem alagados. Diariamente, diversas pessoas passam pelo local para guardar uma recordação do evento histórico. Muitos acham curioso e até bonito: falam de uma “Veneza Amazônica”, aparentemente sem o conhecimento dos danos que isso traz a milhares de famílias.

Na capital do Amazonas – que viveu no início desse ano o horror da falta de oxigênio e leitos – 17 bairros ainda estão alagados. No Centro, a feira da Manaus Moderna – a mais tradicional e movimentada da cidade – foi deslocada para uma balsa. A Prefeitura também construiu milhares de metros de pontes de madeira para as pessoas se locomoverem, dando muita publicidade aos atos. Mas isso passou longe de impedir outros problemas históricos de Manaus.

Com a cheia, o lixo depositado nos cursos d’água da cidade – os igarapés – vêm à tona e, com ele, doenças, animais peçonhentos e pestilentos se aproximam das residências das famílias manauaras. Uma outra balsa da prefeitura com uma draga tira toneladas de lixo diariamente das águas da cidade. Mesmo assim, a água na torneira – para os poucos que tem encanamento nessas áreas – chega com odor horrível e possivelmente contaminada pela falta de tratamento. Resultados da persistente falta de uma estrutura mínima de saneamento básico e fornecimento de água, em uma cidade localizada no encontro de dois dos mais poderosos rios do mundo: Negro e Solimões.

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Amazonas. Um Estado sob as águas

Mas o problema vai além da capital, que concentra mais da metade da população do Amazonas. Das 62 cidades do estado, 60 foram atingidas e 48 entraram em situação de emergência. Plantações inteiras de pequenos agricultores e animais de pequenos pecuaristas se perderam. Pessoas adoeceram com a péssima qualidade da água e a ausência de saneamento básico.  Muitos tiveram que construir as tradicionais “marombas” – forma de elevar o assoalho das casas com tábuas de madeira para contornar a subida das águas. Outros, sem essa opção, abandonaram suas casas.

Em Manacapuru, na pretensa Região Metropolitana, a cheia também é considerada histórica. O Rio Solimões atingiu a marca de 20,80 metros, superando o recorde de 2015. Na área alagada da cidade, muitos imóveis estão fechados e alguns com placa de vendas.

Em Itacoatiara, vários bairros da cidade estão com as ruas inundadas desde o mês de março. Por conta disso, comerciantes relatam aluguéis atrasados e mercadorias estragadas pelo contato com a água. Em Anamã, que tradicionalmente fica alagada nesse período do ano, a situação é ainda mais crítica. São mais de 10 mil pessoas afetadas. O município, a 165 quilômetros de Manaus, recebeu uma balsa-hospital para atender a população depois que a subida do rio Solimões alagou o Hospital Francisco Salles de Moura e os atendimentos foram suspensos. Com tudo isso, pouco se ouve falar, no momento, do coronavírus e é comum ver muitos não utilizarem a máscara como forma de prevenção à Covid-19. A única preocupação parece ser quando as águas começarão a baixar para a vida seguir.

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Enchentes. Mais um adversário para o combate à pandemia

Enquanto isso, no Amazonas, os profissionais da saúde pública correm contra o tempo para seguir vacinando as pessoas nas áreas mais remotas. A tarefa não é fácil e requer uma busca ativa da população que vive nas áreas mais remotas. Mas nem sempre o ribeirinho está em sua residência, devido às suas atividades, como a pesca e o transporte fluvial. Além disso, ainda é preciso convencer muitas das pessoas que insistem em recusar a vacina, seja por seguir uma ideologia, ou seja pelo simples receio gerado pelo desconhecimento. Mais uma vez, como na pandemia da Covid-19, a sensação de isolamento do maior estado da federação fica evidente.

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Para pressionar o governo estadual

http://www.amazonas.am.gov.br/

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Leia também nos Jornalistas Livres

https://jornalistaslivres.org/projeto-futuro-do-presente-presente-do-futuro-142-fernando-martinho-amazonia-ilegal/

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