Aluno lança nota de Repúdio por descaso contra agressão

Nesse final de domingo (3) o egresso da Universidade Federal do Pará (UFPA), Bruno Domingues, lançou uma nota de repúdio contra a instituição denunciando o racismo institucional que vem sofrendo desde 2015. Na época, Bruno, cursava Ciências Econômicas, na Universidade e após denunciar um professor por suas atitudes antipedagógicas, o mesmo deferiu um chute em seu rosto, mesmo errando, o constrangeu perante discentes do curso e dizendo que o mercado de trabalho ia tomar conta dele. Bruno abandonou o curso e ingressou em Ciências Sociais e recentemente foi aprovado no Mestrado em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Por ter desistido do antigo curso, a faculdade julgou que o assunto estava resolvido, e o docente até o presente momento está incólume do ocorrido.

NOTA DE REPÚDIO

À Universidade Federal do Pará.
No dia 25 de maio de 2015, após ser notificado por uma aluna acerca da manifestação que eu fiz no protocolo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da UFPA expondo atitudes antipedagógicas e antiéticas por parte de um professor de Matemática III da Faculdade de Economia – FACECON da UFPA, na qual eu estava vinculado como aluno de economia, o professor referido se direcionou a mim, em sala de aula com mais de 20 alunos, e disse que, do mesmo modo que eu o havia constrangido abrindo uma reclamação junto à faculdade, ele iria me constranger. Neste momento, se direcionou a mim e disse: “não vou me preocupar contigo, pois você é um aluno digno de pena, e o mercado vai cuidar de ti, pois pessoas do ‘seu tipo’, quem cuida é o mercado”, em seguida tentou desferir um chute contra o meu rosto, contudo, sem ter acertado, dizendo: “quando eu quiser fazer depredação do patrimônio público [uma das acusações de minha manifestação, após o professor ter arrombado a porta de uma sala de aula] eu não vou dar soquinho na porta, vou chutar assim como chuto a tua cara”.
Abandonei a disciplina e cobrei da faculdade respostas à minha manifestação inicial e aos desdobramentos do ocorrido em sala de aula, contudo, a direção da faculdade não colaborou de forma efetiva, e deste modo, abri uma manifestação na Ouvidoria da UFPA. Os ouvidores entraram em contato com a direção do ICSA que encaminhou a denúncia no dia 23 de novembro à FACECON, e a direção da faculdade, por sua vez, negou respostas durante 2 anos. Somente em 2017 o diretor que estava deixando o cargo respondeu à manifestação dizendo, em outras palavras, que havia conversado com as partes (no entanto somente mostrou as comprovações da convocação de conversa comigo, sem apresentar que convocou formalmente o professor) e que o fato de eu ter desistido do curso (algo que eu anunciava desde a denúncia na ouvidoria – que o caso estava me causando descontentamento e eu estava pensando em desistir da formação) sinalizava que “o problema” havia sido “resolvido”.
Insatisfeito, entrei em contato com a Ouvidoria e com o Magnífico Reitor para sinalizar que não, o problema não havia sido resolvido, pois o professor continua a exercer suas funções e nunca foi penalizado ou mesmo chamado à conversa. A ouvidoria deu parecer positivo à minha insatisfação e solicitou que a atual direção da Faculdade de Economia reabrisse o processo, encaminhando para a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, para que se instaurasse uma sindicância. Ao procurar tal comissão, no entanto, o diretor foi orientado a encaminhar o assunto para a Comissão de Ética, pois “se tratava de uma resolução de um litígio de decoro ético entre aluno e professor”. O processo encontra-se até hoje na comissão de ética e não teve os devidos andamentos por mudanças no corpo de membros da comissão. No dia 01 de Fevereiro de 2019, após conversa com uma das responsáveis pela Comissão de Ética, fui informado de que o processo está em análise, mas ainda pode demorar até dois anos para ser solucionado. Enquanto isso, o professor continua a dar aulas, continua a adoecer alunos ao ponto de eles desistirem de suas formações.
Venho por meio desta repudiar a forma como o processo tem se encaminhado (ou simplesmente não tem se encaminhado) e solicitar que providências sejam tomadas.
O estigma de “aluno digno de pena”, a quem “o mercado se encarrega de cuidar” já não mais me assola, afinal, mudei de graduação e hoje estou formado também por esta casa, tendo logrado êxito em minha formação, recebido prêmios dentro e fora desta instituição, no entanto, jamais vou desistir de dar encaminhamento a este processo. Penso que outros alunos não devem passar pelo o que eu passei em 5 anos nesta instituição: assédio moral, abuso de poder, racismo institucional, negligência.
Após o caso que aqui descrevo, foi noticiado na imprensa local um caso de racismo envolvendo a Faculdade de Economia da UFPA e um aluno não identificado; Durante o Fórum de Diversidade da universidade, alunos da FACECON também denunciaram a forma como a faculdade conduz as temáticas relativas a racismo e a assédio moral por parte dos professores. Além disso, o professor denunciado recebeu a pior avaliação do ICSA no Sistema Avalia de 2018.2 e um dos piores de 2017.4. Destaco que dentre os vários critérios do Sistema Avalia está à forma como o professor lida com os alunos (se de maneira respeitosa ou não, entre outros). Assim, penso que o “problema” não envolve somente o meu caso, mas sim a faculdade, de modo que gostaria de solicitar/propor algumas mudanças.
Solicito que o processo se encaminhe de fato e com agilidade, não com vistas a avaliar um “litígio de decoro ético” como foi posto, mas como um Processo Administrativo Disciplinar com vistas à exoneração do professor denunciado e aplicação de penalidades à antiga direção da Faculdade de Economia, além de um pedido formal e público de desculpas – a ser publicado em jornais de grande circulação local/regional.
Proponho que a Faculdade de Economia estabeleça uma comissão/projeto para que as intersecções entre raça e economia sejam estudadas e difundidas no âmbito da faculdade. Além do estabelecimento de, pelo menos, uma disciplina que envolva a temática.
Solicito que a faculdade seja obrigada a ter a responsabilidade de explicar para os alunos ingressantes a importância de uma educação livre das opressões e dos abusos de poder, mostrando, em diálogo com a Comissão de Diversidade e/ou Igualdade Racial e Ouvidoria da UFPA, as formas de denunciar e de ser amparado institucionalmente. Ato a ser fiscalizado pela Diretoria de Combate às Opressões e pela Diretoria de Assuntos Estudantis do Centro Acadêmico de Economia.
Outras medidas também podem ser discutidas.
Assim, encerro minhas palavras na expectativa de que sejam discutidas e postas em prática, para que outros alunos não devam passar pelo que eu passei para obter a formação acadêmica.
Este texto será protocolado nos órgãos institucionais competentes e enviado para leitura no CONSUN e CONSEPE da UFPA, além de publicada em redes sociais, blogs e sites de movimentos sociais de combate às opressões e na imprensa local/regional.
“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” – Angela Davis.
Atenciosamente,
Bruno Rodrigo Carvalho Domingues, Antropólogo.
Assinam esta nota:
Alex Ratts – UFG
Alexandra E. V. Alencar – Pós-Doutoranda na UFSC
Aline Maia Nascimento – Doutoranda em Antropologia pelo Museu Nacional – UFRJ
Ana Paula Medeiros de Moura – PPGDSTU/UFPA
Ana Valeria Salza de Vasconcelos – Doutoranda em Antropologia Social – UFSC
Anderson Lucas da Costa Pereira – Doutorando em Antropologia – Museu Nacional/UFRJ
Associação dos Povos Indígenas Estudantes na UFPA – APYEUFPA
Camille Castelo Branco – Antropóloga
Carla Wanessa Oliveira da Silva – Graduanda em Ciências Sociais – UFPA
Carolina Maia de Aguiar – Doutoranda – PPGAS/MN/UFRJ
Caroline Rodrigues de Souza – Graduanda em Ciências Sociais – UFPA
Centro Acadêmico de Ciências Econômicas da UFPA – CAECON/UFPA
Centro Acadêmico de Ciências Sociais Hecilda Veiga – CACSHV/UFPA
Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará – CEDENPA
Cleiton de Jesus Rocha – Cientista Social pela Universidade Federal do Amapá – UNIFAP
Coletivo de Antropólogas Negras e Antropólogos Negros
Coletivo Movimento Estudantil Paratod@s
Coletivo Negros e Negras da CSO-UFES
Coletivo Negrada da UFES
Comitê Estadual de Resistência Felipa Aranha – Pará
Daniel de Oliveira Baptista – Doutorando em Antropologia Social – UFMG
Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Pará – DCE/UFPA
Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Rural da Amazônia – DCE/UFRA
Éberton da Costa Moreira – Graduando em Ciências Sociais – UFPA
Edilma do Nascimento J. Monteiro – Doutoranda em Antropologia Social – UFSC
Ester Paixão Correa – Doutoranda em Antropologia Social – UFRN
Felipe Carlos Damasceno e Silva – Cientista Social
Francisco Cândido Firmiano Júnior – Mestrando em Antropologia Social – UFRN e Quilombola
Gabriel Félix dos Santos – Graduando em Ciências Sociais – UFPA
Gardenia Mota Ayres – Doutoranda em Antropologia – UFBA
Geraldo de França Alves Júnior – Mestrando em Antropologia – UFPB
Gilson José Rodrigues Júnior – Professor do IFRN e Doutorando em Antropologia – UFPE
Giorgia Carolina do Nascimento – Mestranda em Antropologia Social – Unicamp
Grupo de Pesquisa pela Equidade de Gênero Étnicorracial – NÓSMULHERES/UFPA
Igor Luiz Rodrigues da Silva – Doutorando em Antropologia – UFSC
Ivanildo Antonio de Lima – Doutorando em Antropologia Social – UFRN
Izabele Leite – Graduanda em Cinema e Audiovisual – UFF
Jade Alcântara Lobo – Mestranda em Antropologia – UFBA
Jacqueline Moraes Teixeira – Professora da FE-USP e Pós-Doutoranda na FFLCH-USP
João Alípio de Oliveira Cunha – Doutorando em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ – Coletivo Marlene Cunha
Levante Popular da Juventude
Lino Gabriel Nascimento dos Santos – Professor do IFSC e Doutorando na UFSC
Lucas Barbosa Lima – Mestrando em Antropologia – UFBA
Luis Meza Alvarez – Doutorando em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ
Maria Izabel Feitosa Accioly – Mestranda em Antropologia – UFSCar
Marcela Gomes Fonseca – Graduanda em História – UFPA
Marcelo da Silva – Pós-Doutorando – UFSC
Marcia Maria Smith Ferreira – Graduanda em Engenharia Sanitária e Ambiental – UFPA
Marina P. A. Mello – UNIFESP
Marta Quintiliano – Mestranda em Antropologia – UFG
Marta Soares Ferreira – Mestre em Ciências Sociais
Mateus Marcílio – Doutorando em antropologia social – PPGAs/Museu Nacional – UFRJ
Mylena dos Santos Santana – Assistente Social
Pamela Iris Silva – Mestranda em Antropologia Social – UFRGS
Patricia Queiroz Freitas, graduanda Ciências Sociais – UFPA.
Pedro Fonseca Leal – Professor da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB
Rafaely Adrian de O. Souza – Graduanda em Serviço Social – UFPA
Raoni Lourenço Arraes – Antropologo, Fotógrafo e Mestre em Comunicação
Rede de Mulheres Negras – Pará
Tedson Souza – Doutorando em Antropologia – UFBA
Tiago Heliodoro Nascimento – Doutorando em Antropologia Social – UFMG
Vanessa Silva dos Santos – Doutoranda em Antropologia – UFBA
Victoria Bezerra Del Castillo – Graduanda em Relações Públicas – UFPB
William Luiz da Conceição – Doutorando em Antropologia Social – Museu Nacional – UFRJ

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Todo nosso apoio, Bruno! A sensatez tem limite mas a estupidez humana, não!

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