Alckmin não se importa com Sergio Silva

O fotógrafo Sérgio Silva, posa com um tapa olho, para Sato do Brasil, dos Jornalistas Livres, no Tribunal de Justiça de SP, na última quarta, 27 de setembro. A perfomance faz parte do projeto Piratas Urbanos. Link no final da matéria.
Partindo de uma análise técnica, mas bastante simples, convido você para um teste importante. Tape seu olho esquerdo com a mão. Olhe ao seu redor, dê alguns passos, mire o horizonte, (para o nada) e não tire a mão do olho. O que te parece? 
Naquele junho de 2013, em que Sérgio recebeu o diagnóstico final dos médicos sobre a situação do olho, eu fiz este teste. Tentei permanecer com a mão tapando a visão esquerda por diversas vezes, desistia, tentava novamente e sentia uma revolta profunda toda vez em que eu olhava para Sérgio. Mas esse “sentir” era resultado de tudo o que aquela cegueira representava para mim, para a família do fotógrafo, e claro, para o povo que estava exercendo seu livre direito de manifestação. Aqueles dias de junho de 2013 estavam sendo descritos como momentos de verdadeiros massacres contra o povo nas ruas. 
A cada hora que passava a revolta aumentava. Via a televisão noticiar que um fotógrafo havia perdido o olho pois estava trabalhando na manifestação de 13 de junho de 2013 contra o aumento da tarifa de transporte público, lia declarações de pessoas ultra revoltadas com o caso, os amigos de Sérgio não paravam de mandar mensagens de apoio, de visitá-lo, mas para o governador do Estado de São Paulo, o sr. Geraldo Alckmin era como se nada tivesse acontecido. Em sua leveza construída por um palanque glamouroso completamente armado por uma super produção quase que hollywoodiana em SP, Alckmin é o paladino intocável do PSDB no país. Ele é plástico, duradouro e flexível.
Sergio e uma das filhas, Elis, 11 anos que acompanhou o pai no Tribunal de Justiça na quarta (27). Foto: Sato do Brasil
Para Sérgio, perder um olho pode ter sido traumatizante, dolorido e uma verdadeira atrocidade contra a liberdade de imprensa, mas, de 2013 para cá, depois da “recuperação” ele mostrou um olhar muito mais aguçado do que antes.
O fotógrafo de 35 anos que resgatou forças de algum lugar que não nos conhecemos neste plano de vida, para  seguir adiante com sua profissão, vem de 2013 para cá, trabalhando com projetos sensíveis e críticos aos atuais contextos políticos e sociais pelos quais passa o país.
O verdadeiro comandante das Forças de Segurança Pública de São Paulo, Alckmin tirou-lhe um olho, mas não a capacidade de enxergar e seguir a vida com um talento importante para a promoção do bom debate sobre repressão policial, racismo,  machismo e diversas outras questões identitárias. O comando repressivo e assustador de Alckmin só piorou de 2013 para cá tanto em manifestações quanto na periferia. O governador segue sem se pronunciar sobre o caso e assistimos essa postura sem surpresa. 
Ainda assim, uma posição, um comentário é necessário. Estamos às vésperas das corridas eleitorais e certamente, esse caso, divulgado amplamente pela imprensa nacional e internacional será relembrado como uma uma ferida aberta pelo governo do estado de São Paulo e que nunca foi remediada. 
Encontrei Sergio Silva num dos atos de setembro/17, em SP, contra a Cura Gay. Neste momento, ele fotografava um manifestante na esquina em que perdeu o olho em 2013.
 
O olho esquerdo de Sérgio virou líquido que escorre pelas ruas naquele 13 de junho, foi embora, tudo ficou escuro na vida do fotógrafo. Mas uma retratação, uma atitude correta da Justiça, que reconheça que Sérgio estava no exercício de sua profissão e que fora sim, de modo violento atingido por uma das inúmeras armas “menos letais” desferidas contra tantas outras pessoas, naquela data, deve ser feita já.
Ação digna será imediatamente devolver a Sérgio a crença de que o senhor, governador Alckmin, pelo menos, assuma a responsabilidade pelos atos que são cometidos em seu nome.
Sérgio acredita na força da honestidade de propósitos para conquistar dias melhores. Na verdade, Sérgio já eterniza isso em fotografias. E o senhor, governador Alckmin? O que tem a dizer?
Sérgio, querido amigo e parceiro, os Jornalistas Livres desejam a você toda a força, coragem, resistência e arte, para continuar retratando com a sensibilidade de sempre a luta do povo oprimido.
O caso
Na quarta (27), o fotógrafo Sérgio Silva teve mais uma fase de seu processo adiado. A audiência que julgaria o caso em 2a instância seria realizada no Tribunal de Justiça, mas como advogados da vítima encaminharam memoriais para serem anexados à narrativa do caso, o TJ e sua turma decidiram analisar com calma o que chegou.
Para quem não se lembra, Sérgio ficou cego do olho esquerdo em 2013 quando fotografava um dos inúmeros protestos pelo Passe Livre, realizado em SP, na esquina da Rua da Consolação com Rua Caio Prado.
Sérgio foi atingido por um tiro de bala de borracha disparado por Policial Militar que apontou a arma em direção ao rosto dele.
Em primeira instância, a Justiça, por incrível que pareça, culpou Sérgio por estar “onde não deveria” e que se expôs “expontaneamente ao risco”.
Conheça alguns projetos de Sergio Silva:
Tragos: goo.gl/1pUCje
Piratas Urbanos: goo.gl/7DysKU
Matéria que Sergio escreveu em 2015 para os Jornalistas Livres: goo.gl/nTvFvN

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