Luiz Claudio Meirelles – Comunicação Abrasco com informações de Débora Melo, do HuffPost BR

“Medidas desburocratizantes”: Ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro (PSL), a ex-deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS) é representante da bancada ruralista e ficou conhecida como “musa do veneno”. Entretanto, o processo que resultou na concessão dos novos registros de agrotóxicos foi iniciado ainda na governo de Michel Temer.

Em nota enviada ao HuffPost Brasil, o Ministério da Agricultura afirma que, nos últimos 4 anos, “medidas desburocratizantes foram adotadas no âmbito dos três órgãos federais envolvidos e possibilitaram o aumento significativo nos números de agrotóxicos e afins registrados”.

A pasta diz, ainda, que “os agrotóxicos são ferramentas essenciais para o controle efetivo das pragas na agricultura brasileira” e que a simplificação dos processos de registro atendem a “forte demanda da agricultura brasileira para promoção da concorrência entre as empresas no mercado”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não espanta – ao menos não deveria  espantar – uma das primeiras medidas tomadas pelo Ministério da Agricultura, agora sob o comando de Teresa Cristina da Costa Dias. Na segunda semana à frente da pasta, a ex-coordenadora da frente parlamentar da agropecuária, a famosa bancada ruralista, fez valer o “título” que ganhou nos corredores do Congresso Nacional – o de musa do veneno –  e, com um simples rito administrativo, liberou o uso de 28 diferentes agrotóxicos nas lavouras do país. Desses, 18 são princípios ativos para serem utilizados pela indústria brasileira na produção de outros químicos voltados ao uso no campo.

Para entender quais problemas a medida pode agravar ainda mais a situação do país número um em volume de químicos no campo, a repórter Débora Melo, do site HuffPost Brasil entrevistou Luiz Claudio Meirelles, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana,  da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (CESTEH/ENSP/Fiocruz) e integrante do Grupo Temático Saúde do Trabalhador daAssociação (GTST/Abrasco).

O abrasquiano, que foi coordenador de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), critica duramente a medida e o rebaixamento da Anvisa em todo o processo, numa medida que basicamente faz valer na prática o não aprovado PL 6299/02, conhecido como ‘pacote do veneno’. “Se eu sei que as substâncias são perigosas, por que aumentar o número de fabricantes? A preocupação com esse volume de novos registros é exatamente essa. Deveria haver uma reavaliação, isso sim. É um trabalho que não pode parar. Esse é o papel da agência reguladora, papel que ela infelizmente não vem desempenhando″, critica Meirelles.

Dentre os produtos aprovados, destaca-se agrotóxicos a base de Sulfoxaflor, reconhecido por seu poder destrutivo com abelhas e de fácil disseminação, responsabilizado no exterior pelo extermínio desse importante inseto polinizador. A reportagem ouviu também Wagner Ribeiro, docente do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Leia abaixo a matéria na íntegra ou acesse diretamente na publicação original, no site HuffPost Brasil:

Brasil está optando pelo uso desenfreado de agrotóxicos, alertam pesquisadores

O Ministério da Agricultura aprovou neste mês o registro de 28 produtos comerciais com agrotóxicos. Com a lista, publicada no dia 10 no Diário Oficial da União, fica autorizado pela primeira vez no Brasil o uso de um agrotóxico à base de Sulfoxaflor, princípio ativo com potencial para exterminar abelhas, que desempenham papel fundamental na polinização de diversas espécies. O Sulfoxaflor chegou a ter seu registro cancelado nos Estados Unidos, mas a licença foi recuperada depois, com restrições.

Os ativos presentes nos outros 27 produtos já eram liberados no Brasil, mas alguns são proibidos no exterior devido à alta toxicidade.

Com a concessão de novos registros, os agrotóxicos passam a ser produzidos por mais empresas. Segundo especialistas consultados pelo HuffPost Brasil, a proliferação de licenças reduz as chances de que esses ativos possam, eventualmente, ser barrados no futuro.

“Se você tiver que reavaliar ou retirar do mercado, a briga é muito maior. Quanto mais registros, mais gente interessada em manter o produto no mercado. As empresas se organizam para agir de forma muito mais agressiva em relação ao órgão regulador”, afirma Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e ex-coordenador de toxicologia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

“Se eu sei que as substâncias são perigosas, por que aumentar o número de fabricantes? A preocupação com esse volume de novos registros é exatamente essa. Deveria haver uma reavaliação, isso sim. É um trabalho que não pode parar. Esse é o papel da agência reguladora, papel que ela infelizmente não vem desempenhando″, critica Meirelles.

Por mais que a agricultura ainda dependa de agrotóxicos, [é necessário] que ela venha a depender de agrotóxicos de menor toxicidade, em vez de optar pelo uso desenfreado de veneno, pautando seu modo de produção em cima disso. Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Abrasco.

 

 

 

 

Anvisa e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) são responsáveis, junto ao Ministério da Agricultura, por analisar pedidos de registro de agrotóxicos e podem, eventualmente, reavaliar as licenças. Um dos pontos do projeto de lei (PL) 6299/02, conhecido como PL do Veneno, é justamente esvaziar a competência dos órgãos reguladores, restringindo a análise dos registros à pasta da Agricultura.

O último processo de reavaliação foi iniciado em 2013, com conclusão em 2016. Segundo informações do site da Anvisa, “desde 2006, quando os procedimentos de reavaliação começaram a ser mais bem definidos”, 11 princípios ativos de agrotóxicos foram proibidos e 2 foram mantidos com restrições. Outro ativo, chamado Paraquate – proibido há anos na Europa – foi mantido com restrições e estará proibido a partir de setembro de 2020 no Brasil.

Para Meirelles, o Brasil é um grande consumidor de agrotóxicos e precisa começar a caminhar no sentido oposto.

“Por mais que a agricultura ainda dependa de agrotóxicos, [é necessário] que ela venha a depender de agrotóxicos de menor toxicidade e que faça um manejo mais ecológico e sustentável, em vez de optar pelo uso desenfreado de veneno, pautando seu modo de produção em cima disso.”

Para o professor Wagner Ribeiro, do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil precisa considerar os efeitos do uso de agrotóxicos no médio e longo prazos e buscar alternativas.

“O uso de agrotóxicos tem impacto direto na saúde do trabalhador rural e na contaminação do solo e das águas, além de afetar toda a cadeia alimentar”, afirma.

O especialista sugere alternativas: “você pode fazer um controle biológico de pragas introduzindo plantas que são mais atraentes para os insetos. A área produtiva de fato diminui um pouco, mas isso não impede que você mantenha a produtividade bastante elevada. Isso quase não é feito no Brasil”.

 

*ilustrações por Gatis Sluka© e Helio Carlos Mello©

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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