Adeus. Rupturas. Despedidas. Perdas. Saudade.

Ilustração: Caco Bressane, para os Jornalistas Livres

Por Rafael Castilho*, para o Jornalistas Livres
A maioria das despedidas cotidianas não podemos controlar. Elas simplesmente caem na nossa cabeça como uma bigorna de desenho animado. A gente perde alguém que ama e pronto! A morte, o desencontro, o desamor, o divórcio, a desilusão, a distância, a perda.

Mas existem aquelas despedidas que poderíamos evitar. Amizades que não precisaríamos perder. Saudades que não precisaríamos sentir.

Dessas amizades que não deveríamos perder e nem o distanciamento pelo qual deveríamos sofrer, me refiro a especialíssima amizade entre homens e mulheres.

No ranking das estupidezes humanas, a separação da amizade de homens e mulheres, certamente ocuparia um lugar importante e de destaque.

Talvez, seja essa uma tragédia irrecuperável. Eu sei que vou causar polêmica e talvez ser lido naquele encontro meio chato onde “só entra casal”. Não pra fazer suíngue, mas para que não haja a presença de elementos externos e ameaçadores à estabilidade tão frágil dos casais. Cada um se encosta num canto da sala, até que alguma alma mais inquieta propõe a discussão se “é possível homens e mulheres serem apenas amigos”. Todo mundo acorda. Vai começar um grande debate. Alguém vai iniciar a narrar a amizade de seu par em “excessiva” intimidade com outra pessoa. Um bom momento para o suicídio. Todos irão mentir.

A separação entre homens e mulheres se inicia logo na primeira infância. Constroem-se escolas, erguem-se muros, contratam-se seguranças, vendem-se serviços, pacotes de turismo. Meninas e meninos desde bem pequenos são desencorajados a brincar juntos.

Crescem e continuam sendo separados.

A amizade entre homens e mulheres é diferente de todas as outras.

Nenhuma amizade ensina tanto. A amiga ensina para o homem coisas que nenhuma mãe e nenhuma irmã conseguiriam ensinar. Ela aprende também coisas com a gente. Faz perguntas que não teria para quem fazer. Conhece lugares, acessa espaços. Sente-se protegida de perigos, aos quais infelizmente as mulheres são mais vulneráveis. Sempre na companhia de seu fiel escudeiro, pode se divertir mais e melhor.

Homem gosta muito da amizade de homem. Mas, tem um limite. Com a amiga o homem se sente mais à vontade para ser sensível. Para falar coisas que certamente se sentiria desencorajado a falar para os amigos homens. Não que não possa. Pode. Mas com a amiga ele se sente mais livre para tratar de sentimentos, decepções, fragilidades. Não que a mulher seja só sensível. Ele pode ter um papo de amigão com a amigona numa boa, mas digamos que a mulher consegue capturar certas sutilezas da vida que o homem não consegue. Ser um pouco mais profunda, na maioria das vezes.

A mulher ama o amigo porque pode descomplicar. É também uma maneira de se reconciliar e reparar aquele momento na infância em que ela foi injustamente obrigada a se arrumar “direito”, cruzar as pernas, ser impedida de brincar com o carrinho, empinar pipa, voltar encardida pra casa. E ela adorava isso. Ficava puta da vida por não brincar com os moleques.

A gente cresce e se melhora na amizade com o sexo oposto. Recebe do universo aquilo que a própria natureza não pode colocar no nosso corpo. Nos desenvolvemos como seres humanos. Recebemos informações para além do nosso corpo físico.

E sabe o que é pior? Mente também quem diz que o amigo ou a amiga é um irmão ou irmã. Não tem nada a ver.

É tão diferente. Nem melhor nem pior. É diferente.

Pausa.

Você quer continuar a ler esse texto na sala nessa reunião chata de sábado à noite? Vai dar pau.
Você sabe porque a imensa maioria das amizades entre homens e mulheres acaba, não é? Não é por causa do namorado nem da namorada. Do marido nem da esposa.
É por culpa sua!
Você jogou sua amiga ou seu amigo na lata do lixo, abriu mão da sua amizade, simplesmente porque não suporta a ideia de que seu par tenha o mesmo direito. Então vocês dois se afogam. Se oprimem.

Bom, quem decidiu continuar no texto…
Esse texto não é um tratado para que a sociedade aceite a amizade entre homens e mulheres. A verdade é que ninguém deveria pedir permissão a ninguém para ter ou não um amigo. E qual o problema se esse amigo tem um pinto ou uma buceta?
Os amigos não se olham com desejo? Sei lá. Talvez a maioria das vezes não. Mas e se olhar de vez em quando? Os amigos se olham. É uma sacanagem controlada. É suave.

O que os melhores amigos falam uns para os outros? Você nunca vai saber. Muito provável que sejam coisas que ele ou ela nunca falaria pra você. O grande barato é esse. Isso que é o foda. Eu sei!

Mas eu quero propor um brinde às amizades entre homens e mulheres que sobreviveram apesar de tantos encontros e desencontros e de tantas relações possessivas.
Quero brindar às amizades que foram recuperadas depois de anos no exílio por conta de relacionamentos cheios de ciúmes doentios.
Outro brinde às amizades que sobrevivem hoje na clandestinidade. Um brinde aos casais de amigos que se encontram neste momento em um lugar desconhecido, longe de tudo e de todos, sem que ninguém saiba, apenas para bater um papo, colocar a conversa em dia e matar a saudade que já estava machucando os corações.
Um brinde àqueles que não morrem de remorso nem de culpa pois se recusaram a perder as amizades da vida toda por conta de ciúmes e possessão.
Um brinde também aos casais que se amam e sabem conviver com a amizade de seus pares, ainda que estas sejam do mesmo sexo que o seu. Estejam certos que vocês estão construindo uma linda história de amor. Uma fortaleza.

Por fim brinde às amizades que ainda serão retomadas. A vida passa tão rápido. Nesse mundo com tantas coisas efêmeras. Nessa vida agitada onde a gente consegue se perder da gente mesmo. Onde o desencontro é permanente. Nessa sociedades de consumo onde tudo é descartável. Eu quero te dizer uma coisa. Amizade não se compra no shopping. Se você teve a felicidade de receber da vida uma pessoa especial valorize isso. Se a vida te presenteou com um amigo ou uma amiga, trate de aproveitar. Com o tempo você vai perceber o quanto isso é valioso.
Com o amor a gente é mais saudável.

*Rafael Castilho é sociólogo com especialização em Política e Relações Internacionais e em Gestão Pública. Também é coordenador do Núcleo de Estudos do Corinthians.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS