Por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Dezenove horas de 9 de outubro de 2018. O TSE libera os resultados das eleições para os governos estaduais. Wilson Witzel liderando com folga no Rio de Janeiro. Romeu Zema vencendo em MG. João Doria vencendo em São Paulo. Nos três estados mais populosos do país, candidatos bolsonaristas se destacaram nas eleições para o Executivo estadual.
Era óbvio que os eleitores desses candidatos também tinham votado em Bolsonaro. Começa a circular a suspeita, e o temor, de que Bolsonaro poderia vencer a eleição presidencial ainda no primeiro turno. Quase aconteceu.
Analistas, políticos profissionais e experientes, todos surpresos. O caricato inexpressivo deputado venceria as eleições presidenciais.
O segundo turno só confirmou a vitória de Jair Bolsonaro, eleito 38° presidente do Brasil. A lógica falhou. Bolsonaro venceu. Daí até a posse, nasceu a tese da contenção institucional, que depois do “ele não vai vencer” se tornou a nova forma de subestimar o “risco Bolsonaro”.
Bolsonaro seria burro, bufão, incompetente. Não representaria grandes riscos ao país, pois as instituições o controlariam.
Por três anos, Bolsonaro implodiu a democracia por dentro, cumprindo a promessa de “acabar com tudo o que está aí”.
Flexibilizou a legislação antiarmas, estimulou seus apoiadores a frequentarem clubes de tiro, doutrinou as PMs, cooptando o alto comando das Forças Armadas, enchendo seu governo com militares.
Passo a passo, Bolsonaro estressava as instituições. Ora ou outra promovendo atos populares, se aproximando cada vez mais de seus apoiadores. Três anos do mais completo caos administrativo.
Inflação na casa de dois dígitos, desastrosa condução da pandemia, quase 15 milhões de desempregados.
Ainda assim, Bolsonaro manteve-se no cargo, bloqueando todos os caminhos institucionais para o impeachment, conservando uma resiliente base de apoio popular formada por 25% da população, aproximadamente 50 milhões de pessoas. É mais que a população da Argentina.
Em 7/9/21, a conspiração golpista ganhou mais um capítulo, o mais radical e violento. Dois meses de preparo, expectativa de envolvimento das PMs. Ameaça a ministros do STF. estímulo à desobediência civil. O presidente da República atentou à luz do dia contra a Constituição que jurou defender. O episódio representou uma das maiores afrontas institucionais da história brasileira.
O establishment percebeu a gravidade da situação. Fux e Barroso confrontaram Bolsonaro com palavras duras. No Congresso Nacional ganhou força a pauta do impeachment.
A realidade efetiva mostrou que as forças bolsonaristas ainda não estão prontas para a ruptura final. Os governadores ainda conseguem controlar as PMs. Apesar de numerosa, a massa que efetivamente foi às ruas não foi tão grande como os conspiradores imaginavam.
No dia depois do day after, Bolsonaro recuou. Convocou Michel Temer para mediar um armistício com o STF. Publicou cartinha pedindo desculpas.
Não foi um gesto de moderação. Tampouco sinal de derrota definitiva. Foi um recuo tático.
A reação foi instantânea: melhora nos índices da Ibovespa, operadores do mercado comemorando, a oposição cantando vitória. Formou-se um clima de “tá vendo? O bicho nem é tão feio assim”.
Novamente, ganha força a tese da contenção institucional. Muita gente parece estar disposta, por motivos diferentes, a acreditar nisso.
Ao que parece, outra vez, o establishment da República investe na possibilidade de que é possível conviver com Bolsonaro, de que o risco não é tão grande assim.
Bolsonaro, outra vez, sendo tratado como bufão, bravateiro, fraco, devidamente controlado. Assim, ele vai ganhando tempo. Avalia o que não funcionou no 7/9, preparando a nova tentativa, arregimentando suas forças, tentando se segurar no cargo até outubro de 2022, até o dia das eleições. O objetivo é tumultuar as eleições, assustar eleitores, provocar grande abstenção, criar um ambiente de caos, impedir que tenhamos um novo presidente eleito ao fim do domingo eleitoral.
Jair Bolsonaro atravessou o rubicão. Urinou e defecou em suas águas. Fez sinal de arminha. Passou a mão no traseiro da República. Ameaçou. Depois pediu desculpas, prometeu que não faz mais.
Fica, então, o dito pelo não dito e podemos dormir tranquilos?
Bolsonaro é o golpe. Enquanto ele estiver na cadeira presidencial, estaremos em constante situação de golpe de Estado.
O golpe só acaba com Bolsonaro derrubado, processado e preso. Até lá, ninguém deveria dormir tranquilo neste país.
Uma resposta
Bela reportagem.