Acampamento do MTST em frente à prefeitura de São Paulo completa duas semanas de luta

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) segue na queda de braço com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto sem cumprir a promessa de seu antecessor, o falecido Bruno Covas (PSDB), de desapropriação de duas áreas para a construção de moradias

TEXTO: Valéria Jurado*
FOTOS : Ale Ruaro**

Desde o último dia 14 de março, centenas de militantes do MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, a maioria vinda da Ocupação Vila Nova Palestina, no extremo Sul de São Paulo, estão acampados na calçada em frente à Prefeitura, numa tentativa de fazer cumprir a lei e um acordo firmado com o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), ato confirmado pelo ex-Secretário da Casa Civil, Orlando Faria.

Acampamento no Viaduto do Chá, Centro de São Paulo. Foto: Ale Ruaro.

Covas, reeleito em 2020 e falecido em 2021, já havia mudado a destinação e prometido a desapropriação de duas áreas na Zona Sul da Capital para a construção de moradias populares. Ele também havia se comprometido a utilizar 30% da área do terreno da Ocupação Vila Nova Palestina para construção de casas para as mais de 100 famílias que vivem ali em condições precárias desde 2013.

As negociações pareciam seguir bem até o ano passado, mas desde então o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que sucedeu Covas, parou de receber os representantes do MTST e transformou a questão em queda de braço. Os trabalhadores, por seu lado, afirmam que acampamento não sai enquanto não houver um acordo oficial com data marcada para o início das obras.

O déficit habitacional da capital é absurdo. Ali no acampamento, encontrei a maioria das pessoas sobrevivendo em sub-empregos ou em postos de trabalho precarizados, a atual realidade do trabalhador brasileiro. Essa situação torna, mais que essencial, urgente a construção das moradias para os trabalhadores organizados em movimentos como o MTST.

Não é simples passar dez anos vivendo em barracas de lona preta sem infraestrutura, luz, água, saneamento, e contando apenas com a solidariedade e união de quem está na mesma situação. A Ocupação Vila Nova Palestina, assim como a maioria das ocupações na periferia, é muito distante do Centro, quase numa área rural. Lá falta tudo, principalmente o transporte. Por isso, a organização dos trabalhadores através do MTST é determinante. Na ocupação, todos e todas aprendem muito, desde horta comunitária, artesanato, até oficinas profissionalizantes. Além disso, com a cozinha solidária, aprendem sobre a alimentação saudável e o cultivo desses gêneros.

Acampamento no Viaduto do Chá, Centro de São Paulo. Foto: Ale Ruaro.

O acampamento em frente à Prefeitura é tão organizado quanto outros prédios e terrenos ocupados pelo MTST nas áreas centrais ou periféricas da cidade. Ele tem barracas em fila, cozinha comunitária e área para recreação das crianças. Como os acampados e acampadas não podem parar as atividades que sustentam suas famílias, vão revezando a presença e assim seguem pressionando o poder público pelo básico DIREITO À MORADIA.

As histórias de duas das acampadas são emblemáticas da situação. Joelma Costa Dias, por exemplo, é uma das que fazem parte da Ocupação Vila Nova Palestina desde o início. Ela encara de frente os últimos dez anos morando em lugar precário e tendo seus direitos de cidadã totalmente desrespeitados. Joelma foi quem me contou, emocionada, sobre o quanto aprendeu dentro do MTST e sobre o peso da união e organização dos trabalhadores através de movimentos como esse.

Joelma Costa Dias, aprendendo com o MTST na Vila Nova Palestina há dez anos. Foto: Ale Ruaro.

Outra moradora da Ocupação Vila Nova Palestina é Rosa Oliveira Lima, também totalmente comprometida com o MTST e a luta por moradia digna. Acampar sobre a calçada dura em barracas pequenas é difícil, mas segundo ela a preguiça é zero quando a questão é lutar por seus direitos.

Rosa Oliveira Lima, disposição total para conquistar direitos que estão no papel mas não na prática. Foto: Ale Ruaro.

Abaixo, em galeria de fotos de Ale Ruaro, nos deparamos com Mulheres e Homens castigados de rostos sofridos, ignorados por dez anos, como se a cidade de São Paulo só existisse no entorno de estações do metrô. O resto é resto e quem vive lá, assim como os sem teto do Centro, também é INVISÍVEL.

*TEXTO: Valéria Jurado
Jornalista e Ativista de Direitos Humanos
Twitter @Valeria_Jurado6
Desde o início da pandemia reportando como voluntária às causas da POP RUA divulgando e atuando em várias frentes.

**FOTOS : Ale Ruaro
Fotógrafo de Arte e Lifestyle
Twitter @aleruaro
Instagram @aleruaro
Registrando como Fotojornalista a situação da POP RUA durante toda pandemia.

NOTA DOS EDITORES DOS JORNALISTAS LIVRES: Logo depois da publicação dessa matéria, os Jornalistas Livres foram informados de uma reunião no fim da tarde desta quarta-feira, 29 de março, entre a vereadora Silvia Ferraro, da Bancada feminista do PSOL, e o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara dos Vereadores, na qual ela conseguiu uma nova promessa do prefeito para reiniciar as negociações a partir de segunda-feira, 3 de abril. Com isso, o acampamento começou a ser desmontado ainda na noite de quarta. Os trabalhadores, no entanto, seguem mobilizados e, dependendo da realização efetiva e dos resultados da reunião de segunda, podem voltar a se manifestar/acampar na frente da Prefeitura.

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