A vida nos atravessa

por Ailton Krenak

Parece que quem vive na cidade não experimenta isso
com muita frequência porque a cidade é tão artificial
que tudo parece que tem uma existência automática.
Você estende a mão e tem um pão, tem uma padaria,
uma farmácia, um supermercado, uma drogaria, um
hospital… Na floresta, não tem essa substituição da
vida — ela flui e, no fluxo da vida, você sente mais
a sua pressão. Experimentar a pressão da vida talvez
fosse a experiência para substituir a ideia de natureza.
Isso que a cultura chama de natureza deveria ser uma
fricção do nosso corpo com a vida, em que soubéssemos de onde vem o que eu como, o que vem no ar que
eu respiro, para onde vai o ar que expiro.

Essa consciência de estar vivo deveria nos atravessar de uma maneira em que a vida não fosse alguma
coisa fora de nós, em que a pessoa sentisse de verdade:
a vida está em mim, não fora! Experimentar a vida em
nós, a vida nos atravessando. Para além da ideia de “Eu
sou a natureza”, é sentir que essa experiência nos atravessa de uma maneira tão maravilhosa que o rio, a floresta, o vento, as nuvens, tudo que podemos perceber
como externalidade, tudo isso está em nós — é o nosso
espelho na vida. Eu tenho uma alegria muito grande
de experimentar essa sensação e fico às vezes tentando
comunicá-la a outras pessoas. Mas eu também respeito
o fato de que cada pessoa tem a sua passagem aqui no
mundo informada por diferentes mundos.

Tomie Ohtake- 2013/aço tubular

*Texto in Radicalmente Vivos– Ailton Krenak – o lugar

*imagens por helio carlos mello

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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