Elegendo Assad para outro mandato, os sírios fizeram uma escolha imperfeita, mas racional, preferindo seu próprio líder a combatentes estrangeiros e governos que arruinaram seu país.
Após 10 anos de guerra brutal, os sírios expressaram seu alívio, independência e desafio nas eleições presidenciais em 26 de maio. Com 78% de comparecimento, os sírios reelegeram esmagadoramente Bashar Assad como presidente contra seus dois rivais. Embora o Ocidente tenha chamado essas eleições de “farsa” e tenha deixado claro de antemão que não reconheceria o resultado, essas eleições não podem ser rejeitadas tão facilmente.
Estive na Síria na semana passada em uma delegação internacional de apuração de fatos. Nossa delegação ficou em Damasco, mas também visitou Douma, Jobar, Maaloula, Saidnaya e o campo de refugiados palestinos de Yarmouk. Nós testemunhamos a devastação que a guerra causou.
Como outras cidades e vilas por toda a Síria, Douma, Jobar e Yarmouk foram em grande parte reduzidas a escombros por anos de combate entre as forças armadas sírias e vários grupos de milícias armadas que surgiram nessas cidades, literalmente da noite para o dia, e que rapidamente as tomaram.
Descemos nos sofisticados túneis reforçados com aço, que grupos extremistas armados construíram em todo o país. Esses túneis, pelos quais se pode literalmente dirigir um caminhão, duram quilômetros. Como várias testemunhas nos explicaram, eles permitiram que esses grupos entrassem nas cidades sem serem vistos e começassem seu reinado de terror no qual matavam moradores por pequenas infrações; aprisionavam outros, forçava-os a cavar mais túneis; e estupravam as mulheres.
Embora a grande imprensa no Ocidente tenha retratado o conflito de 10 anos apenas como um conflito entre as forças armadas sírias e a população civil, e como resultado de manifestações pacíficas contra o governo em 2011, isso simplesmente não é verdade.
Em vez disso, parece que esta guerra contra a Síria foi planejada com anos de antecedência, envolvendo combatentes estrangeiros fortemente apoiados por outras nações, incluindo os EUA, Arábia Saudita, Israel, Emirados Árabes Unidos e Turquia.
Em suma, a Síria tem sido realmente o local de uma guerra mundial retratada de forma manipuladora simplesmente como um conflito civil interno. Por dizer isso, certamente serei chamado de todos os tipos de nomes, como “ teórico da conspiração”, “Assadista” ou simplesmente louco. No entanto, são aqueles que lançam tais pejorativos que estão assumindo uma posição que é fantástica demais para acreditar.
Já em 2007, o jornalista vencedor do prêmio Pulitzer Seymour Hersh escrevia sobre o apoio dos Estados Unidos a grupos extremistas na Síria. Em seu artigo ‘ The Redirection ‘, ele declarou: “Os EUA participaram de operações clandestinas contra o Irã e seu aliado, a Síria. Um subproduto dessas atividades foi o fortalecimento de grupos extremistas sunitas que defendem uma visão militante do Islã e são hostis à América e simpatizantes da Al-Qaeda”.
Isso é consistente com as revelações do general americano Wesley Clark, que escreveu sobre os planos dos Estados Unidos, que remontam a 2001, de “remover sete países” do Oriente Médio e do norte da África, começando com o Iraque e a Síria, depois o Líbano, a Líbia, Somália e Sudão, e terminando com o Irã.”
Enquanto isso, o que nos foi dito por pessoas que estiveram na Síria é que 2010 – um ano antes do início dos problemas – foi aparentemente o início de tempos melhores para a Síria, com a economia prosperando e o presidente Assad facilitando as medidas de segurança interna no interesse de se concentrar na continuação da construção da economia.
Então, em 2011, os EUA, aparentemente como parte de seu grande plano de levantar uma marreta contra sete nações soberanas, lideraram a operação da OTAN contra a Líbia. Esta operação deixou a Líbia em frangalhos, dividida entre facções de senhores da guerra e tão degradada que agora escravos estão sendo vendidos em mercados públicos.
Mas houve outro resultado também, que ninguém nega – que milhares de jihadistas com os quais a OTAN fez parceria para derrubar o governo de Kadafi da Líbia começaram a se espalhar para outros países, incluindo a Síria, para tentar repetir sua terrível vitória na Líbia. Como um autor afirma sucintamente, “depois que a guerra civil estourou lá [Síria] no início de 2011, ao mesmo tempo que na Líbia, esta se tornou um centro de facilitação e treinamento para cerca de 3.000 combatentes em seu caminho para a Síria, muitos dos quais juntaram-se ao afiliado da Al-Qaeda, Jabhat al-Nusra, e ao afiliado ao Estado Islâmico Katibat al-Battar al-Libi (KBL), que foi fundado por militantes da Líbia. ”
Enquanto isso, terroristas invadiram a Síria com a ajuda de outros países, como o então vice-presidente Joe Biden mais tarde condenaria. Assim, como relata o Washington Post , Biden lamentou já em 2014 que:
“Nossos aliados na região eram nosso maior problema na Síria. Os turcos eram grandes amigos e eu tenho um ótimo relacionamento com Erdogan, [com quem] acabei de passar muito tempo, [e] com os sauditas, os Emirados, etc.”
“O que eles estavam fazendo? Eles estavam tão determinados a derrubar Assad e, essencialmente, ter uma guerra entre sunitas e xiitas por procuração. O que eles fizeram? Eles despejaram centenas de milhões de dólares e dezenas de toneladas de armas em qualquer um que lutasse contra Assad – exceto que as pessoas que estavam sendo fornecidas, [eles] eram [parte da] al-Nusra e al-Qaeda, e elementos extremistas dos jihadistas que estavam vindo de outras partes do mundo”
“Agora, você acha que estou exagerando? Dê uma olhada. Para onde foi tudo isso? Então agora isso está acontecendo, de repente, todo mundo está acordando porque esse grupo chamado ISIL, que era a Al-Qaeda no Iraque, quando eles foram essencialmente expulsos do Iraque, encontraram um espaço aberto e um território no [leste da] Síria, [e eles] trabalham com a [Frente] al-Nusra, que nós declaramos um grupo terrorista no início. Mas não conseguimos convencer nossos colegas a parar de fornecê-los”
Biden também admitiu que , apesar da alegação de longa data dos EUA de que apoiava “ rebeldes moderados ” na Síria, não havia de fato “ ‘nem meio moderado’ na guerra civil síria. ”
Enquanto isso, os EUA continuam a ocupar cerca de um terço do território sírio, e isso acontece em áreas críticas que contêm os principais suprimentos de petróleo da Síria, e os EUA têm ilegalmente obtido lucros com este petróleo enquanto a economia síria entrou em colapso e as pessoas consequentemente sofreram com isso.
É neste contexto que acabam de ocorrer as eleições presidenciais na Síria. É minha firme convicção, depois de testemunhar a empolgação de muitos com as eleições e o júbilo dos que acompanharam os resultados, que estas eleições refletem a vontade do povo sírio.
Quaisquer que sejam as causas do conflito que começou em 2011 – e há alguma controvérsia sobre os eventos desencadeadores desse conflito, como mostra um relatório inicial da equipe de observadores da Liga Árabe – o povo, apresentado à escolha entre Assad por um lado, e extremistas violentos por outro lado, escolheu Assad. Mais uma vez, Biden como vice-presidente deixou claro que essa, de fato, tem sido a única escolha há pelo menos algum tempo.
Eles escolheram seu próprio líder sírio em vez de combatentes estrangeiros e governos estrangeiros que invadiram suas terras e trouxeram muitas de suas cidades à ruína. Em um país antigo e pluralista com numerosas religiões, eles escolheram um governo secular em vez de forças religiosas extremistas que se propuseram a criar um califado no qual uma religião única e extrema – se é que se podia chamar assim – reinaria. Eles escolheram uma nação única e soberana em vez da intervenção estrangeira e da divisão fatal. Em suma, eles fizeram a única escolha, embora imperfeita, que as pessoas racionais e que se respeitam fariam.
O mundo deve honrar esta escolha e permitir ao povo sírio a paz, a soberania nacional e a chance de reconstruir sua nação destruída.
Daniel Kovalik ensina Direitos Humanos Internacionais na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh e é o autor do recém-lançado No More War: How the West Violates International Law by Using “Humanitarian” Intervention to Advance Economic and Strategic Interests (ainda sem edição em português).
Todas as fotos por Dan Kovalik.
Confira o artigo original, em inglês aqui.
Tradução: Juliana Medeiros
3 respostas
Matéria interessante até certo ponto, pois não menciona uma única vez o apoio indispensável da Rússia. Não existiria a Síria se não fosse Putin, não existiria Assad se não fosse Putin, no final das contas ficou parecendo a mídia tradicional ocidental, tendenciosa.
Excelente texto
Os EUA queriam trazer o gás do sul do Oriente Médio pela terra (Síria), quebrando o domínio unilateral da Rússia no fornecimento a Europa no Inverno. Levar as Ogivas Nucleares e colocar a Turquia na Otan, fez parte da Estratégia, lembrando aos senhores(as) que o Império Otomano já era “amigo” desde a idade média dos Anglo-Saxões e algumas dificuldades com os Eslavos e na 1º e 2º guerra mundial fortaleceram estes laços. Por que não deu certo? Bem, a história da Síria é diferente da Armênia. Os Curdos são “amigos” do Sírios… é né? Por aí vai… Aqui cabe muito bem o ditado: “Combinaram com os russos?”