A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

Índios me falam coisas graves, me contam seus assombros e temores.

 

Os animais estão revoltos, dizem. É a onça, é o peixe, são as aves e suas árvores. É tempo de vigiar, descubro.

Não estou só entre matas, cerrados e campos, pois os homens são muitos, assim como infinitas mulheres em diversas cores nos vestidos e as crianças que surgem e somem a todo momento, pois lhes interessa o brincar, nem tanto as conversas longas dos adultos. Interessa-lhes construir algo que não sei ainda, algo que com tijolos, palhas, fogo antigo se descobre fazendo e queimando no dia a dia entre a nova e originária gente, povos tão diversos.

 

Tudo é sutil sorriso em caras sérias. Muita atenção a todas palavras, sussurros isolados.

 

São intensos os dias aqui, e o meio ambiente, comunica em diversos instantes, suas palavras. Ora entoa um vento intenso na madrugada, e sobre a palha do teto das casas espalha falsa melodia de chuva, ora nos lambe com sua poeira vermelha, em fortes línguas a ralar a fina pele ao sol, pecando o ar com a fumaça entre queimadas.

 

Também nos invade, de repente, antropofágicas notícias, clandestinas, na rede de wi-fi, nos aniquilando. Era fogo no museu, nosso Museu Nacional. Pensei ser fake o tal alarde, enganava-me em aceitar o bom senso. Dura verdade, tudo voltara ao pó, como a profecia; cinzas distantes no beco ainda verde de Mato Grosso, a Terra Indígena.

 

Sim, o horizonte pedia água, era evidente, em todo canto do país. Não há água e a fumaça expõe as intimidades do sol e seu sangue.

 

E de repente, novamente em fim de tarde na aldeia, meu amigo Waurá me chama com afinco. Você viu? Pergunta-me acenando com o celular na mão. Pensei, de imediato, que seria um grito de gol, em jogo qualquer, mas não, era faca.

 

Senti leve paralisar em corpo, estatuei, coisa contrariada aquilo. Um candidato ameaçado, mesmo que dele discorde das ideias vãs, algo doeu em nós, também contrariados.

 

A faca.

 

Corri com o amigo informante ao centro da aldeia, onde os homens, muitos, conversavam com o doutor, orientando a saúde do índio, dando procedimentos aos cuidados com a vida.

Todos pararam seus cuidados, e em tela tão pequena para tantos, viram a cena difícil de acreditar.

 

Tão instantâneo hoje o saber, mesmo em isolamento na aldeia, tão próximo torna-se o mundo na rede.

 

Por onde vão os rios voadores? Assustado, o socó vê a poeira vermelha da terra e a fumaça do mato que queima acolá invadirem o Xingu. Tenta esquecer, em elegância de ave, a falta de chuva, a falta de sombra, a falta de brisa. Mesmo isolado, socó, os fatos envolvem.

Dança o recongo, ave mágica, sua corte para as fêmeas à beira da lagoa. 

Índio é quântico. Choro manso.

Awoxopai.

 

*imagens por Helio Carlos Mello – acervo ©Projeto Xingu / UNIFESP.

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