Por: Michel Gherman (UFRJ) e Jawdar El Haj (UFC)
EXCLUSIVO PARA OS JORNALISTAS LIVRES.
Esse texto poderia ter como título “Uma história muito absurda”. Ele fala da tentativa de se realizar um evento no Programa de Pós-graduação de Sociologia da Universidade Federal do Ceará e da sua interrupção por manifestantes que acusavam erroneamente os debatedores de defender o Apartheid e o genocídio que ora ocorre em Gaza, perpetrado pelas Forças de Defesa de Israel após os bárbaros massacres produzidos por Hamas e seus aliados em outubro de 2023. Mas para entendermos o absurdo da história, é bom começar pelos personagens envolvidos nela.
Primeiramente, o professor Fabio Gentile (coordenador do PPGS-UFC), destacado pesquisador da extrema direita italiana e membro do prestigiado Observatório da Extrema Direita. Foi ele quem convidou dois outros professores com ampla pesquisa em discurso de ódio e geopolítica internacional para uma palestra no final de outubro com o tema “Entre a barbárie e o messianismo: Perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito palestino israelense”.
Os dois professores que foram convidados são Jawdat El Haj, palestino nacionalizado brasileiro e também participante do PPGS-UFC; e Michel Gherman, judeu brasileiro professor do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos primeiros acadêmicos a acusar o uso da gramática nazifascista pela extrema direita nacional a partir do discurso de Bolsonaro no Clube Hebraica do Rio em abril de 2017 (https://www.youtube.com/watch?v=zSTdTjsio5g).
Como professores e ativistas pela paz, ambos têm feito diversas intervenções em público e na academia nos últimos anos analisando tanto a degeneração das condições de vida das populações palestinas, quanto o esgarçamento das condições da vida democrática em Israel. Ambos têm denunciado exaustivamente tanto a ocupação israelense em território palestino e como os resultados terríveis do fortalecimento da extrema-direita em Israel.
Os dois, Jawdat e Michel, têm feito isso em muitos lugares e em vários contextos institucionais diferentes. Entretanto, como essas atividades têm se concentrado no eixo Rio-São Paulo, o convite do professor Fábio teve justamente a intenção de levar esse debate para uma universidade pública no Nordeste, a UFC. O mesmo já havia acontecido com Michel na Aula Magna proferida há alguns meses no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso, no Centro-Oeste. A intenção é exatamente ampliar o debate geograficamente no lugar próprio ao debate: a Universidade!
Não é casual, nesse sentido, que o termo central do evento era “messianismo”. A ideia de messianismo, conectada a perspectivas ultraconservadoras e hegemônicas leva a dimensões aceleracionistas (de apressar o “fim do mundo”) e exterminacionistas (de eliminação dos “infiéis”). Para os professores, estudar o processo que ora ocorre em Israel, mas que remonta ao efetivo fortalecimento de grupos neofascistas no país, é uma forma de entender o que ocorre com o fortalecimento desses grupos também em outras partes do mundo, como Brasil, Estados Unidos, Itália, Argentina…
Os discursos de Nethanyau e Ben Gvir, nesse contexto, não são essencialmente diferentes de discursos de Trump, Bolsonaro e Milei. O messianismo político e o desejo genocidário estão nesses discursos que utilizam, não casualmente, bandeiras e símbolos judaicos para justificar sua empreitada.
O absurdo na história do dia 30 de outubro de 2024 é que os manifestantes que entraram no auditório da Universidade Federal do Ceará acusavam Jawdat e Michel justamente do que eles ali estavam denunciando! (veja vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=Ykif8Uo5GJY)
Calar esse debate é o êxtase da extrema direita.
“Eles [a extrema direita] devem estar comemorando. Seus representantes nem precisaram ir à UFC, os manifestantes que lá estavam fizeram o trabalho por eles”.