A POLÍTICA NÃO FAZ QUARENTENTA

Charge de Grimoire

 

ARTIGO

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

 

 

 

É desafiador para qualquer analista acompanhar os movimentos do presidente Jair Bolsonaro. Conheço gente muito inteligente que diz que Bolsonaro não passa de um “aloprado”, de um “louco”, de um “burro”, sem nenhum tipo de projeto ou racionalidade.

Da minha parte, acho muito difícil que as pessoas que governam a décima economia do mundo não tenham senso de estratégia política. Sabemos que o clã Bolsonaro tem relações com atores políticos que vêm desestabilizando democracias ao redor do mundo desde o início da década.

Acho mesmo que há racionalidade e método no jeito como o presidente vem se comportando nesta crise sanitária que coloca o mundo de joelhos.

Primeiro, não podemos esquecer que a própria eleição de Bolsonaro é uma excepcionalidade política. Em situação normal, Bolsonaro ainda seria deputado de baixo clero, daquele tipo que não preside comissão e não relata projeto. Ainda seria atração em programa de auditório.

Bolsonaro é presidente porque o regime político que durante tanto tempo chamamos de “Nova República” colapsou. Como Bolsonaro ficou quase 30 anos no parlamento falando mal da Nova República, elogiando a ditadura, ele se tornou uma espécie de outsider dentro da própria democracia.

Veja que situação curiosa: ele era deputado eleito, mas crítico da democracia.

A democracia colapsou em 2013 e, nesse momento, Bolsonaro, com alguma astúcia, saiu do submundo da política para bater no peito e dizer “Não tenho nada a ver com isso não, ok?, Sempre critiquei!”. De alguma forma, estava correto.

Bolsonaro só existe como liderança política importante se conseguir continuar performando o outsider, o adversário das instituições estabelecidas. Por isso, enquanto todo o mundo (literalmente) recomenda o isolamento social como tática de combate à covid 19, Bolsonaro vai pras ruas, abraça pessoas, e defende o fim da quarentena. Ele precisa ser o diferentão.

Bolsonaro não pode ser normal. A normalidade seria sua morte política.

Mas até que ponto ele acredita mesmo nisso? Se a covid é mesmo uma gripezinha, porque não usa o poder da caneta bic, demite o ministro da Saúde e nomeia um terra-planista sanitário?

Ha limites na loucura, especialmente quando há algum método nela.

Até aqui, o ministro tá trabalhando e seguindo as orientações das autoridades sanitárias internacionais.

Bolsonaro está apostando que a covid-19 não fará grande estrago no Brasil, que o isolamento social será eficiente. Logo, em dois ou três meses o pior da pandemia terá passado e a crise econômica será monstruosa, especialmente para os trabalhadores precarizados.

Aí nesse momento, Bolsonaro aparecerá como aquele que avisou desde o início que o bicho não era tão feio assim. Dirá que defendeu os interesses dos mais pobres e foi sufocado pelo que restou das instituições corrompidas da velha Nova República. Colocará a culpa da crise econômica nos governadores, no STF e no Congresso Nacional.

A tal da cloroquina, por exemplo. Há pesquisas que sugerem que a cura passará pela cloroquina. Sim, ainda não existem evidências científicas que permitam cravar que essa é a cura. Mas é possível que seja.

Se for, Bolsonaro dirá que estava certo desde o início. Acusará a “extrema imprensa” de ter disseminado o medo com o interesse de desestabilizar seu governo.

Bolsonaro é o apostador de pé diante da roleta, tentando antecipar os próximos lances do jogo. Aposta em desfechos que são possíveis, talvez até um tanto prováveis.

Dará certo?

É impossível saber agora.

Certezas mesmo só temos duas: primeiro, é que esse é jogo de tudo ou nada, onde não há meia vitória ou meia derrota.

A outra certeza é que a política nunca fica de quarentena.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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