A política dos Garrinchas e a política dos Dungas

"Belo Horizonte acaba de eleger um co-vereador que, para mim, é o Garrincha da política: Rubinho Giaquinto. Músico, liderança social, fala manhosa, mente calma e coração tranquilo". Rubinho nasceu para estar nas periferias, tentando entender o que denomina de “meus irmãos”
Rubinho Giaquinto estraçalhando a guitarra

A analogia entre política e futebol sempre foi um recurso didático usado no Brasil. Há quem a considere uma marca masculina da narrativa política. Mas, sinceramente, esta distinção deixou de ter razão de ser até mesmo porque a melhor seleção de futebol de nosso país é a feminina.

Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva

O fato é que usar deste recurso é uma maneira de comunicar uma ideia ou interpretação política que pode ser árida para o leitor.
Como desconhecer que ao dizer que um político parece um centroavante ao estilo “vamos que vamos” de Serginho Chulapa ou mais pensador, como foi Gérson na Seleção de 1970, tudo fica automaticamente compreendido?
Pois bem, há pelo menos quatro estilos de liderança que marcam o jeito de fazer política no Brasil. O primeiro, mais tradicional, é o estilo “Professor Cláudio Coutinho” o técnico da Seleção Brasileira de 1978. Coutinho abusava de termos técnicos para, muitas vezes, narrar o que os jogadores brasileiros já faziam, mas que desconheciam o nome mais elaborado. As teorias e pranchetas usadas nas explicações começaram a burocratizar o futebol brasileiro. Na política, já ficou conhecido o termo “tucanar”. É o estilo Coutinho: fala, fala, usa e abusa de termo técnico, mas pouco muda da realidade social do país. É aquela história de parecer mudar para que tudo fique como está. Burocratiza a política, mas dá a impressão de gente competente. Um jeito Fernando Henrique Cardoso de ser.
O segundo estilo é o do Felipão: paizão amigo, de quem tanto pode se esperar um cascudo na cabeça como um abraço caloroso. Grita, gesticula e exige resultado. Assume a culpa e é malandro. Quem não se lembra daquele lance em que ele jogou a bola dentro do campo para atrasar um jogo? Diz Tostão que “A maior parte dos jogadores gosta de treinadores bravos, “chefões”, disciplinadores e emotivos, como Felipão.” O craque do Cruzeiro e da Seleção de 1970 diz que são práticas “varzeanas” que fazem Felipão ser amado e temido. Este estilo na política nós conhecemos e está na alma do Centrão, o filho bastardo da ARENA.
Em seguida, temos o estilo Dunga. Aquele sargento sem muito talento e muita garra. A fidelidade é sua marca, o grupo fechado, a cara fechada, o sorriso fechado, a mágoa, o cabelo escovinha. Não tem muita alegria neste estilo, está meio para militar assumindo ministério do governo Bolsonaro: sabem pouco, mas se esforçam para, ao final, ninguém lembrar de nada que fizeram corretamente (mesmo que tenham feito). Nem para Rubinho Barrichello este estilo serve porque não tem humor e não aceitam nada que gere um riso ou risada. Você ouve Dória ou o general Heleno e está lá o “estilo Dunga”.
Mas, há um outro estilo na nossa política, o “estilo Garrincha”. Garrincha se identificou com o Botafogo, a estrela solitária de nosso futebol. Vida difícil e rica, Garrincha se defendia com manha e generosidade. Ao ler sua biografia escrita por Ruy Castro, não há como não se emocionar. A generosidade e gratuidade estampada em cada passo torto, surpreendente, desconcertante, como se nos dissesse o quanto poderíamos ser melhores do que somos. Mas, Garrincha não era só isso. Era talento nato. “Marrento”, diriam os cariocas. Uma inteligência aguçada, viva, um jeito meio ingênuo – para alguns -, meio desaforada – para outros. Sabia usar o que tinha de peculiar, as pernas tortas, para humilhar o adversário. Humilhava, mas sem ofender, o que parece quase impossível num esporte tão competitivo como é o futebol, jogo de impacto entre brucutus e virtuoses.
Garrincha pegava na bola e o coração começava a bater mais forte. Todos sabiam que logo viria uma pintura com os pés, o inesperado, a ginga torta, o sorriso contido e o olhar de zombeteiro.

Rubinho, à direita, com integrantes da sua co-vereança Coletiva


Pois bem, Belo Horizonte acaba de eleger um co-vereador que, para mim, é o Garrincha da política: Rubinho Giaquinto. Músico, liderança social, coração de boi, fala manhosa, parecendo uma espécie de Plínio Marcos com mente calma e coração tranquilo.
Rubinho nasceu para estar nas periferias, tentando entender o que denomina de “meus irmãos”. Como Garrincha, Rubinho surpreende. Dá até raiva. A primeira vez que o ouvi tocar guitarra, numa escola estadual da periferia, logo depois que termina a cidade e a gente ainda vira à direita e anda um pouco mais, fui como amigo. Fiquei encostado numa janela ao lado de um auditório improvisado, lotado de adolescentes e jovens muito agressivos. Quase apanhei de uma menina de uns 4 metros de altura que exigia uma camiseta do instituto que presido. Não me lembro bem, mas Rubinho pensou em sortear algumas camisetas e a menina não tinha tido sorte. Todos falavam no auditório até Rubinho passar os dedos na guitarra. Não me lembro se foi Paralamas ou Legião Urbana, só lembro que eu e os adolescentes indomáveis deixamos o queixo cair. O Rubinho de antes tinha se transformado. O jeito tímido tinha dado lugar para um talento manhoso, que arrasta as sílabas como um carioca, como um santista. Provocador, mas sem humilhar.
Ele é assim na política. Dá até raiva.

Rubinho Giaquinto e seu segundo livro de crônicas, Roda de Carroça

https://www.facebook.com/Bandajoaoandante/videos/1915081598605949

Inquieto, de esquerda – afinal, todo Garrincha nasceu para ser “gauche na vida” -, comprometido. O cara que decidiu, em meio à pandemia, inventar um festival de pipas envolvendo os meninos de um bairro periférico de BH. O primeiro colocado acabou levando um Sunday do MacDonald’s. O garoto gostou tanto que enviou uma mensagem para o Rubinho dizendo que ele estava surpreso porque ele cumpriu a palavra. A mensagem, enviada por celular, era ilustrada com o copo de sorvete pela metade.
Na pandemia, Rubinho fez o que os partidos de esquerda não fizeram: se arriscou, foi para a rua, pediu – como pede esse Rubinho !!!! – para quem conhecia uma ou duas cestas básicas e ajudou uma legião de “meus irmãos”.
Atento e afiado, logo se aproximou de Minduin, o presidente da associação de torcidas organizadas do Brasil. Ficaram amigos em minutos, como se já se conheciam há décadas. Trocou bola com o Galo, o líder dos trabalhadores de aplicativos que liderou a primeira greve desta categoria em nosso país.
Foi ele que me apresentou ao samba do morro de BH, aos jovens do hip hop, à Central Única de Favelas, a CUFA.

Rubinho não para. Dá até raiva.
Agora, virou co-vereador. Não podia ser só vereador. Tinha que inovar e fazer parte de um coletivo. Escolheu A Coletiva, esta candidatura oficializada pela líder e médica Sônia Lansky, mas que é um mosaico de mais nove militantes de primeira, envolvendo gente que luta pela educação pública, gente que luta pela saúde pública, gente que luta pelos direitos LGBT, gente que luta pelo transporte público. Todos, espalhados pela cidade, conhecidos em seus territórios, cada um abraçando uma bandeira. Lá está Rubinho.
Vou cobrar dele todos os dias. Mas, lá no fundo, sinto como se fosse um filho postiço que estou vendo crescer.
Rubinho é nosso Garrincha da política.
Vai, Rubinho. Vai ser gauche na vida!

https://www.facebook.com/Bandajoaoandante/videos/1920755701371872

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?