A pesquisa resiste, mas a um custo imenso para os jovens

Bolsas não são reajustadas desde 2013. Diante disso, não é exagero dizer que a carreira de pesquisador no Brasil é hoje uma opção para poucos

Valdei Araujo, professor da Universidade Federal de Ouro Preto

Imagine ter que pagar todas as suas despesas mensais com 678 reais? Esse era o valor do salário mínimo em janeiro de 2013. Graças à política de valorização do salário mínimo, que tem sido mais ou menos perseguida pelos últimos governos, desde janeiro que seu valor é 1.212 reais, um aumento de quase 80%. A inflação acumulada nesses nove anos, junto com a variação do PIB, ajudam a explicar o aumento. Agora imagine ter entre 22 e 30 anos e pagar suas despesas mensais com um rendimento que estivesse congelado nesse mesmo período. Pois é essa a situação dos jovens cientistas no Brasil. Desde 2013 que os valores das bolsas de pesquisa não são reajustadas pelo governo federal.


Ainda não é façanha simples arcar com todas as despesas de uma vida independente com o atual salário mínimo. Imagine agora, sendo um jovem adulto, trabalhando em uma pesquisa de mestrado ou doutorado, que exige dedicação exclusiva às atividades de investigação, ter que sobreviver com o mesmo valor de rendimentos de 2013!


Para os menos familiarizados com a pós-graduação no Brasil, é importante saber que para que se possa participar de um processo seletivo e ingressar em um programa de pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado, você precisa ter uma faculdade, ou seja, tenha investido quatro a cinco anos de sua vida adulta com a formação universitária.


Ao ingressar no mestrado, a expectativa de tempo mínima para conclusão de sua pesquisa são dois anos, no doutorado esse tempo se amplia para quatro anos. Assim, se somarmos os quatro anos da graduação com os dois anos do mestrado, mais quatro anos de doutorado, um pesquisador precisa dedicar-se por, pelo menos, uma década antes de se qualificar para um posto avançado no ensino e na pesquisa.


Pois bem, diversos países que possuem políticas científicas sólidas adotam programas de bolsa e outros incentivos para captar jovens talentos e fixá-los em seus ambientes científicos. Uma bolsa de doutorado nos Estados Unidos, por exemplo, pode variar entre 10 e 20 mil reais por mês, além de benefícios como plano de saúde, odontológico, dentre outros. Na emergente China, um estudante de doutorado pode receber até 7 mil reais por mês, além de outros benefícios. Mas alguns brasileiros acham que ciência nasce em árvores, ou nos currais. Grandes centros de pesquisa do mundo todo procuram atrair cientistas de talento oferecendo condições de remuneração e infraestrutura que incentivem esse jovem a permanecer na carreira da ciência. Além da possibilidade de bons empregos depois de formados. O Brasil de Bolsonaro voltou a expulsar os talentos nacionais aos milhares.

Bom, se o Brasil tem pretensões de sobreviver como nação soberana, precisamos de ciência e cientistas. Pode-se imaginar que o governo federal ofereça condições que, se não forem capazes de competir com países desenvolvidos, ao menos consiga manter o jovem cientista na trilha da ciência nacional. Vejamos. O valor mensal de uma bolsa de mestrado é hoje 1.500 reais, e a de doutorado 2.200. Com esses valores o pesquisador precisa pagar todas as suas despesas pessoais, por residência, pelos equipamentos pessoais de pesquisa, por sua saúde geral e todas as outras despesas, sem ter direito a férias, 13º salário, ou mesmo poder contar esse longo tempo de dedicação à pesquisa para sua futura aposentadoria.

Não é exagero dizer que a carreira de pesquisador no Brasil é hoje uma opção para poucos. Qual jovem e talentoso engenheiro recém-formado deixará de seguir uma carreira na iniciativa privada, ou mesmo de vender cachorro-quente na esquina, para se dedicar exclusivamente a uma pesquisa de mestrado ou doutorado nestas condições? O país que celebra o trabalho precarizado como “empreendedorismo” está fadado ao empobrecimento estrutural. Por isso, todos devemos apoiar a iniciativa da ANPG – Associação Nacional de Pós-Graduandos, que promove uma petição eletrônica intitulada “CIÊNCIA PARA DESENVOLVER O BRASIL: REAJUSTE DAS BOLSAS JÁ!” É uma luta que deve ser de todos os brasileiros comprometidos com um projeto de futuro.


Link para assinar a petição: encurtador.com.br/qLV18

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