Por professor Dr. Alexandre Santos de Moraes, da UFF
Na última semana, a bolsonarista Damares Alves fez uma denúncia gravíssima. Em evento religioso, afirmou que crianças bem pequenas, de 3 a 4 anos, seriam vítimas de tráfico de pessoas. Elas teriam seus dentes arrancados para não oferecerem risco ao sexo oral e seriam alimentadas apenas com comidas pastosas para manter o cólon limpo para a penetração. Damares também disse ter vídeos de crianças de oito dias sendo estupradas. Somos incapazes de imaginar uma história de horror equivalente. Acho que nem a literatura de terror foi tão longe. Ninguém é ingênuo a ponto de duvidar da crueldade do ser humano, mas tudo indica se tratar de uma enorme mentira que nasceu de uma mente doentia e que encontrou em outras similares o terreno fértil para sua proliferação.
A ex-ministra de Bolsonaro foi perversa em diversos níveis. As alegações foram feitas em um culto evangélico, diante de centenas de crianças. A denúncia funcionava como um “alerta”, um chamamento para que sua audiência conhecesse o suposto país em que vivem com vistas a defender a candidatura do patrão de quem é serva leal. O problema é que as autoridades competentes, inclusive as citadas, não foram acionadas. A Polícia Civil do Pará e o Ministério Público Federal (MPE) estão exigindo, em caráter de urgência, a comprovação de que foram comunicados. A filmagem que ela disse ter não foi apresentada. Pressionada, Damares encaminhou documentos que não provam nada e caiu em contradição: primeiro, disse ter recebido as denúncias via ouvidoria de seu Ministério; depois, afirmou ter ouvido as histórias nas ruas.
Nada é mais repulsivo que a pedofilia. Trata-se de uma forma doentia de satisfação sexual com menores de idade que enseja inúmeros crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal. A fantasia de Damares Alves, dado o requinte de crueldade contra a dignidade da pessoa humana, exporia um dos delitos mais abjetos de que a Justiça brasileira teria notícia. Um fato dessa gravidade não poderia nem mesmo ser anunciado naquelas circunstâncias, sob o risco de atrapalhar a investigação que a ex-ministra disse que os órgãos competentes deveriam estar conduzindo. O conjunto dos fatos leva a crer que seja mentira, mas a situação não seria melhor se fosse verdade.
A relação doentia com o sexo é parte do sensacionalismo político de Bolsonaro. O presidente, que admitiu em rede nacional ter transado com animais, foi um entusiasta divulgador de cartilhas que não existiram e da célebre mamadeira de piroca, símbolo dos absurdos da campanha de 2018. O problema é que, quatro anos após aquela fatídica eleição, o bolsonarismo está mais frágil e na iminência de ser derrotado, o que os leva a aumentar a aposta e a investir em discursos ainda mais graves, dessa vez com o respaldo de alguém que teria acesso a informações privilegiadas. A exploração sexual de crianças é um problema real no Brasil e deve ser enfrentado com rigor, tanto para punir os agressores como para preservar as vítimas. Qualquer tipo de exploração da vulnerabilidade infantil é um abuso e deve ser objeto de profunda condenação.
Os crimes de pedofilia não envolvem apenas a prostituição de crianças e adolescentes, mas também a produção e comércio de material pedófilo, aliciamento de crianças etc. O uso político, sobretudo para fins eleitoreiros, do abuso sexual de crianças e adolescentes, precisa ser encarado como um novo problema. A ex-ministra a Família, da Mulher e dos Direitos Humanos fez uso de sua função pública para explorar o abuso de crianças em benefício de seu grupo político. Nesse cenário de mentiras e perversidade, que mistura problemas reais com notícias falsas, a única pessoa que temos certeza que se apropriou da pedofilia foi a senadora eleita que advoga combatê-la. Essa é mais uma faceta do sensacionalismo bolsonarista: acuse os outros daquilo que você mesmo faz.