A inteligência brasileira

The Art of Living, 1967, René Magritte

Por Dirce Waltrick do Amarante*

 

Fui contratada pelo serviço de inteligência brasileiro para descobrir o paradeiro de um cidadão desaparecido após se ter cogitado que este participava de um esquema criminoso de caixa dois e propinas.

Ocorre que, depois de mais de um ano e meio de investigação, todos os meus esforços para encontrá-lo haviam falhado. O homem tinha sumido, evaporado.

Mas eu nunca fui pessoa de desistir fácil e busquei apoio internacional. Telefonei para uma grande amiga inglesa que conhecia dois dos melhores detetives do mundo: Senhorita Hélène Poirot e Sir John Marple, ou J. Marple, como ela o chamava.

Minha amiga me disse com imenso pesar que não via a Srta. Poirot havia muito tempo: ela também tinha evaporado. Disse que Poirot se isolou do mundo depois que uma das samambaias preferidas dela havia morrido. Ela sentiu-se culpada e sumiu.

Quanto ao Sir Marple, contou minha amiga que ele estava com pneumonia, completamente entubado, e que visitas estavam proibidas.

Bom, como já disse, nunca fui de desistir fácil, mexi meus pauzinhos e com a ajuda de Shaw Holmes, companheiro de longa data, encontrei Poirot numa praia da rivière pernambucana. Ela estava num mau humor terrível, analisou o caso e disse que nunca havia visto coisa igual: “O homem desapareceu!”, concluiu. Então, enrolou o bigode (ela tinha um bigodinho comprido, à moda portuguesa) e sumiu nas areias brancas do Nordeste brasileiro.

Restava Sir Marple. Corri em busca do entubado e, depois de contactar umas fontes, entrei na UTI com a ajuda do Dr. Jekyll, um cirurgião-dentista que obturava os dentes de pacientes entubados.

Sir Marple me ouviu, refletiu sobre o caso e, ao final, sussurrou debilmente: “Tá com a tua mãe!”.

Fiquei com ódio mortal do velhinho e, se não fosse tão católica, teria desligado o tubo de oxigênio.

Voltei para casa frustrada e furiosa, mas a frase de Sir Marple não saía da minha cabeça – “Tá com a tua mãe!”. Parti para a casa da minha mãe e entrei de supetão, ainda tinha a chave de sua casa, pois, às vezes, quando não tenho dinheiro para pagar o aluguel, me mudo para lá. Eis que encontro um cidadão no sofá da sala de estar, assistindo a uma partida entre o Coritiba e o Athletico Paranaense. Não tive dúvidas, era ele, embora estivesse muito diferente da descrição que eu tinha dele: parecia mais gordo, mais baixo, mais orelhudo…  Não importa, todas as evidências me levavam a crer que era ele!

Foi assim que desvendei o caso, e hoje uma estátua minha enfeita a Praça dos Três Poderes em Brasília.

 

  • Autora, entre outros, de Ascenção: contos dramáticos (Cultura e Barbárie)

COMENTÁRIOS

Uma resposta

POSTS RELACIONADOS