A espetacularização apolítica

Por Helcimara Telles, doutora em Ciência Política, professora da UFMG e presidente da ABRAPEL – Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais

Professores e pesquisadores de diversas universidades se chocaram com evento promovido por um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) que, pelo nome, se apresenta como capaz de discutir epistemologia. Tema não apenas nobre, mais do que isso, discute a base do conhecimento. Quem estuda epistemologia tem que fazê-lo com afinco por muitos anos, em geral só se sobressaem aqueles e aquelas que dedicam suas vidas a isso.

No entanto, atualmente são grupos políticos academicamente questionáveis que decidiram se apresentar como capazes de problematizar como se produz o conhecimento. O que os auxilia e apoia é apenas o espírito do tempo. E o senso comum que tornou o pertencimento autodeclarado a um segmento subalterno suficiente para ter “local de fala”. Tentar chamar a atenção pela forma quando não há conteúdo sólido o suficiente para apresentar um trabalho em um evento acadêmico é algo que antes associávamos a malabarismos retóricos que, felizmente, não costumavam colar.

Agora chegou a vez da performance, escolhida menos por sua potência criativa e mais porque nela se pode exercitar essa licença para fazer da própria identidade uma plataforma empreendedora. Em tempos de redes sociais, lacrar e lucrar costumam caminhar juntos. Alcançar imaginários dividendos acadêmicos e/ou monetizar em plataformas de rede social podem também ser ajudar a compreender esse tipo de estratégia. É assim que alguns tentam justificar a falta de protocolo e respeito ao ambiente acadêmico com suposta valorização de cultura das periferias ou de movimentos musicais populares, mas o que fazem é usá-las para seus próprios fins.

Assim como outros membros de movimentos identitários, o que os autoriza a falar na universidade não costuma ser seu trabalho e dedicação à pesquisa e sim essa retórica frágil e populista de mudar a epistemologia. No fundo, tal performance desqualifica o que dizem querer afirmar. Defender como performance de valorização da cultura popular o que foi uma estratégia desrespeitosa e desqualificadora da universidade é o novo malabarismo retórico. A tentativa de normalizar o que se passou é benéfica à universidade ou ao movimento identitário a que pertence a pessoa que brindou o Brasil com a “performance”?

Não faltam questões prementes para chegarmos a uma sociedade mais igualitária e que garanta direitos humanos. Esta de uma suposta subversão epistemológica pela performance não é uma delas. As pessoas na periferia querem emprego, renda e melhorar de vida, querem viver com dignidade e também se divertir. Será que elas corroborariam a tal performance como sua expressão na universidade? A pergunta é retórica, pois é mais provável que seja apenas estratégia duvidosa e de mau gosto de um movimento social distante do povo que diz representar.

Nada mais parecido com a espetacularização apolítica antissistema vista nas eleições de Pablo Marçal do que a espetacularização apolítica e anti-universidade vista nessa performance que, certamente já se espalhou por grupos de WhatsApp afora e que certamente já são uma bala de prata usada massivamente contra os grupos politicamente progressistas que disputam o segundo turno das eleições para prefeito.

Uma bala de prata também contra a ciência e contra uma população tão estigmatizada como as travestis.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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