A educação é a base da inclusão social para travestis e transexuais

 

“Tenho 37 anos. Eu me prostituo desde os 16 anos. É uma vida muito triste que eu passei. Hoje eu não passo mais, e esse é o caminho: a educação!”


Foi com essas palavras que a travesti Aline Marques, que aparece na foto acima, arrancou lágrimas e aplausos do auditório lotado do salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo, durante o ato “Respeito se Aprende na Escola”, realizado no último dia 5 (quarta-feira). Aline é bolsista do programa Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo, que disponibiliza R$ 827,40 mensais para travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social que querem voltar a estudar.

O ato “Respeito se Aprende na Escola” reuniu polític@s , ativistas, feministas, artistas, e representantes de entidades LGBTs científicas e educacionais, e marcou o início de uma semana de atividades de resistência e enfrentamento aos fundamentalistas religiosos que querem excluir questões de gênero do PME-SP (Plano Municipal de Educação de São Paulo). Todos esses ativistas prometem lotar o plenário da Câmara no dia 11 por ocasião da votação do projeto.

“Nós não devíamos estar na mão de pessoas que acham que a religião pode interferir na vida das pessoas.Isso não pode acontecer”, disse Aline em seu emocionante depoimento.

Ela e outros 20 travestis e mulheres transexuais chegaram cedo à concentração realizada antes do ato, participando ativamente de uma ação política que elas sabem o quanto é importante: defender o debate democrático nas escolas sobre questões de gênero que afetam diretamente a comunidade T, e que podem desenvolver dispositivos que combatam a transfobia nos ambientes escolares. Há estudos que mostram a trágica evasão escolar de travestis, mulheres transexuais e homens trans, causada pela intolerância e pelo preconceito. É uma forma de acabar excluindo, por tabela, essas pessoas do convívio social e do mercado de trabalho.

Durante sua fala, Aline chamou uma companheira de nome Joana D’arc que estava de óculos escuros, e pediu para que ela mostrasse seus olhos inchados, prova de que fora vítima de violência nas ruas. Joana foi espancada num bar por um grupo de amigos que estavam bebendo e começaram a agredi-la “somente por que é uma travesti — foi isso que esses covardes falaram”.

Essa é “a realidade da vida de uma travesti, de uma transexual quando elas estão no meio da sociedade, quando não tem educação”. Aline se refere à prostituição como única possibilidade de sobrevivência quando não se tem acesso à educação e à qualificação profissional. E nas ruas muitas estão expostas a todo tipo de violência e maus tratos, quando não são assassinadas. Prova disso é que os jornais publicam diariamente tragédias envolvendo travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social.

No final de sua fala, Aline elogiou o programa Transcidadania, que precisa deixar de ser só um projeto piloto para pouc@s e expandir seus benefícios diante da grande população de travestis e transexuais em situação de rua em São Paulo. Um salário mínimo mal paga o aluguel, fazendo com que a maioria continue na prostituição para sobreviver. É preciso pensar também em como incluir @s estudantes no mercado de trabalho formal.

Aline conseguiu se empregar e hoje vive com a soma do dinheiro da bolsa com o salário:

“Nós, com esse projeto, voltamos a viver, voltamos à escola. Eu pude ter a minha vida de volta. Hoje tenho um emprego como agente de prevenção, que me dá uma grana bacana, para que eu não precise me prostituir. Levo minha comida pra casa sem me prostituir.”

Luiza Coppieters, a professora de filosofia do Colégio Anglo, que foi demitida depois de assumir sua transexualidade, também fez uma fala inflamada , lembrando que nós, travestis, mulheres transexuais e homens trans precisamos ocupar os espaços, nas ruas, nas escolas, nas universidade, no mercado de trabalho, e também ocupar as tribunas dos centros de poder político. Ela faz parte de uma pequena parcela de pessoas Ts que conseguiram suportar a violência transfóbica nos ambientes escolares e se alçaram ao ensino superior. Mas foi cassada no seu direito de educadora quando fez a transição para o gênero feminino (https://medium.com/jornalistas-livres/col%C3%A9gio-anglo-%C3%A9-denunciado-por-transfobia-e79f80bf9058)

A articulação política de travestis, mulheres transexuais e homens trans não tem mais de duas décadas, mas já começa a incomodar os setores reacionários, que não admitem e não conseguem viver com as diferenças…Não conseguem viver em harmonia num regime democrático. São os mesmo fascistas que saem às ruas pedindo a volta da Ditadura.

Jornalistas Livres faz um chamamento a tod@s travestis, mulheres transexuais e homens trans para que contem suas histórias de discriminação e intolerância na escola, enviando seus depoimentos para o email : [email protected].

 

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