A difícil vida do analista político brasileiro em 2022

Por Rudá Ricci, cientista político

Este ano de eleição será de provação para analista político brasileiro. Sempre fica mais difícil em ano eleitoral. Mas, neste 2022, a porca torcerá o rabo.
Há dois fatores para este ano ter mais malhação de analista político que nos outros anos: vivemos sob um governo fascista e estamos enredados no famoso viés de confirmação. Falarei brevemente de cada um.
Estar sob um governo fascista leva os mais ponderados contar os dias para o seu fim (o do governo, que fique claro). A ansiedade é tão grande que qualquer notícia que não jogar água no moinho da mudança rápida é logo visto como coisa de Judas.
Tal situação alimenta a tendência do viés de confirmação que já existe desde o início deste século. Trata-se de um tipo de ilusão próxima do fanatismo: só consigo ver notícias que confirmam o que eu tinha certeza de que era verdade ou que aconteceria.
Um clima assim carregado é ótimo para todo tipo de negacionismo. Falar em tendência é logo interpretado como previsão; dúvida é coisa de quem não sabe o que diz; comparação entre pesquisas é coisa de quem não tem o que fazer e assim por diante. Como ser racional em meio a este clima?
Aqui, vale um breve comentário sobre pesquisa quantitativa e qualitativa. Pesquisa quantitativa é aquela que procura um padrão de resposta, a tal “normalidade” que sempre varia. Se sei o padrão, sei o que é “desvio” ao padrão.

Ora, se o padrão é móvel, principalmente num mundo tão torturado, volátil e inflacionado por informações, não dá para cravar que tal resultado é definitivo. Pior: dependendo do instituto de pesquisa, o método empregado pode ser mais, digamos, “maleável”. Vou explicar.
Se faço pesquisa por telefone, a tendência é que eu ignore uma parcela significativa do eleitorado, principalmente o mais pobre. Outro dia participei de uma live em que o âncora dizia que todo brasileiro tem celular. Não é verdade: 20% não têm celular, principalmente no Norte e Nordeste. Por aí, já temos um desvio preocupante porque o Nordeste é a região onde Lula tem o maior apoio do eleitorado. Pior: muitos trabalhadores que têm celular o utilizam como meio de trabalho. Se entrevistados, correrão para responder logo e não terão precisão. A chance de termos uma margem de erro não computada no caso de pesquisas realizadas por telefone é muito maior que as pesquisas presenciais em que o respondente está cara-a-cara interagindo com o pesquisador.


O mais importante é que por este ou outros motivos, as pesquisas do Poder360 se constituíram em pontos fora da curva na comparação com outros institutos de pesquisa no que tange à intenção de votos para presidente em 2022. Sempre são mais favoráveis a Bolsonaro.
Comparar pesquisas quantitativas de institutos diferentes que adotam metodologias distintas é um erro grosseiro. Mas, há veículos de comunicação que adoram fazer uma “catação geral” e tirar uma “média”. É como tirar média do teor de açúcar misturando caldo de cana com feijoada: já sabemos no que vai dar, embora seja raro misturar açúcar em feijoada.
Aliás, é comum ouvir de economista que há três tipos de mentira na academia: a pequena mentira, a média mentira e a estatística.
Dito isso, há um elemento que foge dos cidadãos que gostam de pesquisa, mas não sabem das diversas metodologias e instrumentos: a importância da pesquisa qualitativa. Ela é cara e não serve para definir padrões, mas é complementar à quantitativa.
Se eu perguntar se um grupo de pessoas gosta da cor azul, posso chegar a um número razoável. Digamos que, como ilustração, 80% das pessoas gostem de azul. Acontece que não gostam pelo mesmo motivo. E é aí que entra a pesquisa qualitativa: ela captura os motivos. Se eu entrevistar com calma cada participante daquele grupo que perguntei sobre a cor azul ou num grupo focal (uma espécie de pesquisa em profundidade com um grupo de até dez pessoas), descobrirei que os motivos são vários. Posso descobrir que alguns gostam do azul porque são cruzeirenses (na onda atual, alguns podem ficar meio receosos de revelar este motivo) ou porque lembram do céu azul quando seu avô os levava de bicicleta para passear. Cada motivo leva a um conjunto de gatilhos emocionais
Acho que você já percebeu: um gatilho emocional pode ser acionado por um candidato caso ele saiba da sua existência. Acionado, o gatilho pode alterar o resultado de uma pesquisa quantitativa. Se o analista desconhece quais são os gatilhos, não consegue explicar a mudança. Por este motivo que temos que desconfiar do analista que tem “certeza” do resultado que teremos em outubro. Ele pode organizar dados que levam a uma TENDÊNCIA, mas não terá nunca certeza porque a decisão do eleitor é móvel e alicerçada em emoções e fantasias.
Agora, pense comigo: o eleitor angustiado, desejando um resultado em outubro que lhe dê esperanças, aguentará um analista debulhar uma pesquisa e sugerir várias possibilidades? NÃO.
Essa é nossa sina, a dos analistas políticos brasileiros em 2022: ou caímos no populismo fácil e escrevemos o que entendemos ser o viés de confirmação da maioria dos leitores ou compramos um equipamento de proteção. É isso!

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Perfeita exposição. Clara e precisa. Nestes tempos de informações replicadas e poluídas, ler algo deste porte, traz um fio de esperança.

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