A ascensão da extrema direita e o perigo do retrocesso autoritário no Brasil

O mundo, como o conhecemos, agoniza com o agravamento da crise do capitalismo em meio à disputa energética. Guerras monetária, comercial e bélica provocam pobreza, morte e extermínio de povos e culturas humanas.

As ações de destruição impactam o ambiente e ameaçam a vida na terra. Nos estertores desse modelo produtivo e da hegemonia estadunidense é possível identificar, no plano global, uma estratégia comum da extrema direita mundial que associa nacionalismo, autoritarismo e neoliberalismo para implantar Estados ultraliberais ou teocracias neoliberais.

Já logrou êxito ao eleger, por exemplo, populistas autoritários como Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel desde 2009, Viktor Orbán na Hungria e, mais recentemente, Javier Milei, na Argentina. A ofensiva transnacional conservadora une religião e política, possui financiadores bilionários e centros de formação neoliberais, como o Instituto Acton, e tem utilizado redes sociais e igrejas pentecostais e neopentecostais para disseminar valores ligados a uma ordem moral judaico-cristã fundamentalista.

No Brasil, além de estar associada à eleição de Bolsonaro, também contribui para exacerbar um ambiente de tensão e violência política, ao mesmo tempo em que atua para desacreditar as instituições democráticas e a própria democracia. Ainda que não tenha conseguido reeleger o ex-presidente, continua atuando intensamente, indicando a possibilidade de um retrocesso autoritário no país. Resultados de pesquisa da Unicamp e da USP, divulgados recentemente, mostram que debilidades da nossa democracia foram aprofundadas nos últimos anos.

Segundo a pesquisa, para parte dos cidadãos a própria ideia de democracia teve seu conteúdo alterado e valores democráticos, como direitos sociais e direito ao voto, foram esvaziados. Parcela expressiva dos eleitores possui baixo grau de confiança nas instituições representativas, notadamente no Congresso e nos partidos políticos, e uma aversão profunda à política e aos políticos.

Essa rejeição revela-se um terreno fértil para o populismo, fenômeno no qual as bases institucionais da democracia, especialmente as instituições do sistema representativo, sofrem um processo de fragilização. Por esse motivo, candidatos que se apresentam como “não políticos” tendem a ser eleitos.

Se valores caros à democracia foram esvaziados, podemos perceber que outros estão sendo introduzidos pela ultradireita e seus fiéis propagadores, especialmente as lideranças religiosas de Igrejas pentecostais e neopentecostais, ora em rota de crescimento no país. Ainda que no campo teológico haja diferenças entre as diferentes denominações, fato é que exercem influência recíproca e compartilham valores morais. Ao mesmo tempo, líderes religiosos de diversas denominações ocupam gradativamente espaço na política. Além disso, partidos de direita como PSD, PRB, PL, União Brasil (fusão do PSL com o DEM), PP e NOVO conquistam poder ocupando crescentemente cargos políticos nos três níveis de governo, e micropoder – na concepção foucaultiana -, ampliando sua participação em conselhos de políticas públicas, como da cultura, educação e dos direitos da criança e do adolescente, por exemplo. Eles também ocupam o espectro midiático, onde misturam preceitos morais e religiosos para obter adesão do eleitorado às suas pautas.

Com perseverança, pastores e lideranças religiosas agem em diversas frentes para criar e consolidar um imaginário social fundamentado em elementos baseados na teologia da prosperidade e na doutrina do domínio, as quais estão profundamente ligadas ao neoliberalismo.

Aliás, nas palavras do sociólogo e teólogo Gedeon Freire de Alencar, teologia da prosperidade e neoliberalismo são irmãos siameses. A teologia da prosperidade, cuja origem remonta à década de 1940 nos EUA, é uma doutrina religiosa que afirma que o desejo de Deus para os cristãos é a bênção financeira; a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel. Em síntese, exalta os privilégios que a riqueza e o dinheiro podem propiciar e garante “prósperos empreendimentos” aos fiéis.

Já a teologia do domínio foi propagada no Brasil por diversas igrejas evangélicas, principalmente neopentecostais, a partir de 2009, após a realização de um grande encontro evangélico em Belo Horizonte, quando lideranças traçaram frentes de atuação para dominar o Brasil. Essa doutrina afirma que ao longo do tempo o cristão perdeu o domínio sobre Sete Montanhas e que deve reconquistá-los para reconstruir o planeta com base nos valores cristãos, para prepará-lo para o retorno de Jesus Cristo.Sete montanhas foi proposta por Loren Cunningham, fundador do “Juventude com uma Missão” (YWAM) e Bill Bright, dos EUA. Em 1975 eles declararam ter recebido uma visão que prenunciava uma mudança divina para a nação alcançando sete esferas, ou montanhas, de influência social: Família, Religião, Educação, Mídia, Lazer, Negócios e Governo.

A doutrina posiciona, no campo discursivo, a necessidade de uma batalha contra o diabo, para que os “ungidos do Senhor” promovam as transformações nessas sete esferas. Portanto, se a luta é do bem contra o mal, os que se consideram escolhidos sentem-se autorizados a usar a violência – e o fazem sem ponderação, principalmente nas redes sociais, de onde reverberam discursos de ódio especialmente dirigidos às minorias. Mídias sociais também são utilizadas para distorcer fatos e disseminar, em grande quantidade, notícias falsas. Atuam, portanto, como projéteis da extrema direita internacional, de onde lançam mensagens de forma articulada e direcionada, a fim de obter hegemonia ideológica. Dessa forma, transubstancia-se a realidade.

Traço característico da contemporaneidade, a pós-verdade é definida como relativa ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que os apelos à emoção e a crenças pessoais. Isso significa que, na sociedade atual, as interpretações e as versões de um fato teriam mais importância do que o acontecimento em si. Ou seja, a verdade factual torna-se irrelevante, enquanto crenças, inclusive religiosas, ideologias e opiniões direcionam o olhar e a interpretação do mundo, favorecendo lideranças e propostas autoritárias. Se no plano global é possível identificar uma estratégia comum da extrema direita mundial, o mesmo não se percebe em relação à centro-esquerda ou à esquerda.

Tal como o Angelus Novus, descrito por Walter Benjamin, estão sendo arremessadas para o futuro com o olhar fixo no passado e os pés presos, emaranhados nas ruínas. Paralisadas, não articulam conjuntamente uma resistência à ascensão do autoritarismo em escala internacional. .

Jaqueline Morelo: Jornalista e cientista social, mestre em Ciência Política. E-mail: [email protected]

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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