Os povos indígenas, militância, genocídio e o Plano de Enfrentamento da Covid-19
Por João Paulo Guimarães
Sônia Guajajara é uma Surara (guerreira). Nascida na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, se tornou uma das principais vozes da luta indígena no mundo. Se formou em Letras e Enfermagem e fez uma Pós Graduação em Educação Especial.
Em 2017 Alicia Keys convidou Guajajara para subir no palco principal onde a indígena falou sobre demarcação de terras ao som de gritos de Fora Temer, presidente do Brasil na época que participou do golpe político que depôs a Presidenta Dilma Rousseff em um falso impeachment.
Em 2018 Sônia participou como vice presidente da chapa de Guilherme Boulos para a presidência, pelo PSOL. Foi a primeira vez em que uma indígena concorreu para o Governo Federal.
Por todos esses motivos que envolvem uma história de luta foi eleita uma das pessoas mais influentes da América Latina, reconhecimento que vem de um conjunto de organizações internacionais que compõem o grupo Latinos por la Tierra.
Neste reconhecimento, Sônia Guajajara está junto de cantores como Shakira e Carlos Vives (Colômbia), Alejandro Sanz (Espanha), Emmanuel (México) e Camila Cabello (Cuba). A atriz Alice Braga (Brasil), o ator Joaquin Phoenix (Porto Rico) e a modelo Gisele Bundchen (Brasil) entre outros nomes que compõe a lista de pessoas que estão mudando o mundo através da liderança.
João Paulo Guimarães, fotógrafo ativista e documental conversou com Sônia sobre militância política, presidência da República, a pandemia e os impactos sobre os povos indígenas onde abordamos o Plano de Enfrentamento da Covid-19 que o Governo Federal vem desenvolvendo de forma arbitrária, parca, enganosa, genocida e criminosa contra os povos ancestrais.
João Paulo Guimarães
Professora Sônia, o plano de Enfrentamento da covid para os povos indigenas foi uma criação da apib e aperfeiçoado, entre aspas, pelo Governo federal. O que exatamente o governo federal fez até agora além de acusar os indígenas de serem responsáveis pelas queimadas e pelo desmatamento?
Sônia Guajajara
A gente, a APIB, fez o plano por conta da falta de um plano do gov federal pra atender os povos indígenas então a gente mobilizou a comunidade nacional e internacional, foram vários especialistas em indígenas e não indígenas lideranças e paralelo ao nosso plano apresentamos uma ação ao supremo tribunal federal então esse plano do governo não foi vontade própria. Foi uma decisão judicial, e mesmo assim terminou o ano e o gov não conseguiu implementar o plano. Foram 4 versões apresentadas ao supremo e todas foram rejeitadas. Planos genéricos totalmente sem organicidade e paralelo a isso a gente mobilizou um projeto de lei no congresso e foi aprovado, a lei 14021 de 2020, foi aprovada na Câmara e no senado, mas Bolsonaro vetou os principais pontos que constavam no plano. A primeira coisa que ele fez foi negar a água potável aos povos indígenas e isso repercutiu muito. Negou também a distribuição de materiais informativos e negou o acesso aos leitos de UTI. Tudo isso atrapalhou demais a proteção aos povos indígenas e até hoje o governo federal não conseguiu aplicar o plano de enfrentamento.
Mas nós seguimos articulando recursos financeiros, medidas judiciais, visibilidade por meio de comunicação nas redes para poder denunciar essa falta de atendimento o que ajudou a prevenir e evitar mais mortes ainda entre os povos indígenas. Na nossa ação no congresso a gente ja previu a chegada da vacina e ja deixou solicitado que quando a vacina chegasse nós indígenas precisaríamos estar entre os grupos prioritários considerando que a própria lei 14021 considerou ali, estava escrito, os povos indígenas como um dos grupos mais vulneráveis e se é grupo vulnerável então precisa estar entre os primeiros a serem vacinados por conta desse risco de eliminação, porque se essas mortes seguem como estão seguindo então corre um risco muito grande de um genocídio em massa.
Considerando a população e o número de indígenas no Brasil ser menos de um milhão segundo o IBGE e o número de mortes ser maior entre os indígenas que na população em geral, então corremos risco sim de um extermínio em massa. Então a gente lutou muito pra que estivéssemos como prioridade. Mas mesmo assim com essa determinação na de estarmos como prioridade, mesmo assim Bolsonaro fez a sua seleção. Só garantiu a vacina para indígenas aldeados e com isso ficam de fora metade da população indígena. Estão indígenas em contexto urbano e estão indígenas fora de áreas demarcadas e fora do plano Nacional de vacina. Isso é outra batalha que travaremos esse ano. O Governo nada fez pra garantir o atendimento à saúde e a proteção dos povos durante a pandemia. Tudo que ele fez foi sob medida judicial, sob pressão da sociedade e mobilização dos movimentos indígenas pra que a gente pudesse amenizar e evitar mais danos. Se não fosse toda essa mobilização a situação estaria sendo muito mais grave que essa que vemos agora. O prejuízo.
JPG – Você falou sobre a vacinação e sobre a pressão das instituições e sociedade pra que os povos fossem vacinados, mas o que a gente vê são situações como a que vem acontecendo no Amazonas. O Estado do amazonas aparece agora com escândalos de pessoas ricas e privilegiadas furando a fila sa vacina logo após o colapso do oxigênio no estado que foi previsto pelo próprio Ministro Pazuello. Em Manaus o Parque das Pedras é um bairro indígena que foi entregue à sorte pelo município sem assistencialismo nenhum contra a Covid19. Manaus é uma pequena amostragem do desprezo do Brasil pela população indígena e ancestral através dessa corrupção sem medo?
S G – Sim. É uma amostra desses indígenas em contexto urbano. São muitas as etnias morando em áreas urbanas. E essa maioria que vive na metrópole não mora lá porque quis sair da aldeia pra ir pra cidade. Eles estão la por uma série de fatores, mas quando eles chegam na cidade eles não perdem a sua identidade indígena e origem. Não deixam de ser indígenas, mas o que o Governo está fazendo é tratar assim, excluir de qualquer política ou plano do governo federal. Manaus pode ser considerada uma capital de amostragem do que está acontecendo no resto do Brasil quanto aos indígenas vivendo em situação urbana. A população indígena de Manaus tem cerca de 30.000 indígenas e todos ali lutando pela sobrevivência. Durante a pandemia isso ficou muito mais evidente essa marginalização do povo e fora das políticas tanto do gov federal e do gov estadual.
JPG – Sobre a vacinação? Você foi vacinada finalmente. Qual a sensação em finalmente receber a primeira dose?
S G – Fui vacinada. Menino que sensação boa e diferente. É como ganhar um antídoto de vida. Todo mundo preocupado pensando que vai pegar né e toda hora a gente ta ali naquela tensão. Não pode pegar na mão e nem abraçar ninguém que ja fica tenso, aí vem a vacina e dá aquela sensação de liberdade. Como se gente se desacorrentasse, mas aí vem o pensamento de que a gente é uma no meio de milhões que precisam e aí vokta de novo pra luta pra garantir que todo mundo tenha acesso pra que todos possam ter essa sensação de liberdade também.
JPG – Sônia, a mídia independente e colaborativa ajuda, mas e necessário mais Mídia de massa? O que temos visto também é uma colaboração de mídia independente e colaborativa na causa indígena. Mas você acha necessária mais cobertura de mídias de massa como a Revista Cenarium que atingem um público variado?
S G – Olha. Sim. É muito importante e necessário. Quanto maior a visibilidade, maior é a sensibilização e a conscientização das pessoas. Ainda hoje a pandemia está aí matando milhares de pessoas, continua morrendo muita gente em 24h e as pessoas tratam a pandemia como se ela tivesse acabado. Isso dificulta muito mais a conter as mortes porque a população banalizou as mortes. E o principal responsável por essa flexibilização é o Bolsonaro. Incentiva as aglomerações, incentiva a não usar máscara e agora incentiva as pessoas a não tomarem a vacina então não há outro culpado.
Ele assim como essa conjuntura política são os principais responsáveis por todo esse caos. Então a imprensa precisa assumir esse papel de colocar no lugar, mostrara realidade do wue tá acontecendo. Manaus por exemplo, está escondida a situação. Teve uma semana de alta que todo mundo acompanhou. Nós e vários colectivos criamos campanhas como a RESPIRA MANAUS e a O PULMÃO DO MUNDO ESTÁ SEM OXIGÊNIO. A gente foi falando, mas o ministro foi pra lá, apareceu, mas aí acabou. Agora continuamos com as redes alternativas e mídias sociais pra continuar a mostrar a realidade.
Maria Gadu está conosco e está lá. É nossa parceira e trabalho conosco há algum tempo. Ela está com a Thelminha, que ganhou o BBB 2020, que está tirando plantão no hospital. A Gadu está articulando apoio, parcerias e levando cilindros de oxigênio, mas cadê? Onde isso está aparecendo? Não está. Ontem mesmo há noite a gente reuniu com Maria Gadu e ela disse que distribuíram listas de pessoas que estão precisando de apoio e oxigênio. Ela ficou com 30 pessoas pra ligar e articular de entregar oxigênio. Dos 30 que Gadu iria ajudar, 15 pessoas morreram.
Ela ligava e dizia que tinha conseguido o oxigênio, mas o familiar avisava que a pessoa já havia falecido.
É uma situação caótica ainda que Manaus enfrenta. Isso está se alastrando por demais estados da Amazônia. Rondônia já está começando a pedir socorro, pedindo pra transferir pacientes. O Pará tem vários municípios nessa situação também, então ajudar Manaus hoje é conter que isso se alastre pro restante do País.
JPG – Sônia, queria que você falasse sobre ser uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2020 assim como a importância disso pra luta indígena no mundo. Existe ainda impacto na sociedade de uma forma positiva quando uma brasileira atinge esse tipo de reconhecimento?
S G – É excelente. É um reconhecimento fundamental pra se continuar exigindo a visibilidade e o respeito pela luta, mas eu acho que como tem tantas coisas acontecendo que não chega a ter tempo de ver isso como fato comemorativo. A gente espera que isso se configure em ações concretas de ajudar o nosso povo, mudar a realidade e transformar a situação social que as pessoas se encontram hoje, mas eu acho que a gente tem conseguido avançar bastante nesse sentido de reconhecimento da sociedade e dos veículos de comunicação e comunidade internacional. Eu acredito que as pessoas só vão respeitar e apoiar de maneira geral a causa indígena se as pessoas conhecerem a realidade. Hoje o fato do meu nome estar sendo reconhecido por veículos como esse e em vários meios, ajuda muito às pessoas despertarem mais pra conhecer e se aproximar. É isso que a gente busca.
“QUE A CAUSA INDÍGENA SEJA CONHECIDA, RECONHECIDA E RESPEITADA PELO MUNDO INTEIRO”.
JPG – Já houve alguma conversa com Boulos sobre a Chapa de 2022 pra termos a Sônia Guajajara como candidata para presidente do Brasil (risos)?
S G – Conversas (Risos), muitas conversas, (mais risos), a política muda muito e os cenários mudam demais. Eu mesma estou avaliando como vou chegar em 2022 nesse cenário político. Tem muita gente aqui no Maranhão e no Brasil que me questiona e tem muita sede sobre eu vir como candidata a deputada federal. Tem muita vontade e especulação, mas teve oportunidade em 2018 de compor a chapa de Boulos e topamos. E ainda preciso pensar bastante sobre essas mudanças que vem ocorrendo no quadro político do país pra que não haja erro. O Boulos é muito tranquilo, pessoa amiga e preocupado. O que ele diz e mostra é o que ele é no dia a dia.
O VÍRUS DA CORRUPÇÃO
OS alertas da APIB, de pesquisadores e de lideranças indígenas como Sônia Guajajara e do Cacique Raoni para o resto do país e para a comunidade internacional parecem não surtir efeito nas lideranças políticas brasileiras cada vez mais envolvidas em escândalos de desvios de capital direcionado para a luta contra o vírus e agora das recém chegadas e tardias vacinas, supostamente direcionadas para os grupos prioritários e profissionais da linha de frente.
No Estado do Amazonas a administração corrupta do atual prefeito David Almeida foi obrigada a revelar a lista de pessoas que seriam vacinadas após vazar que pessoas de famílias ricas estavam passando na frente dos grupos prioritários. Após entregar a lista foi constatado que alguns dos Cpfs nem sequer existem. Ao que tudo indica o caminho para a imunização no país será árduo e demorado. O País se aproxima dos 300.000 mortos semanalmente com recordes diários de mortes em 24h que ultrapassam os 2.000 óbitos.
Mais mortal que a Pandemia que assola nosso povo é a corrupção. E pra essa doença, infelizmente, não existe vacina.
Uma resposta
Boa noite.
Vá de Deputada Federal.
Será uma grande caminhada.
Força ai.