Dois jovens negros acusados injustamente de roubo na zona oeste da cidade de SP foram reconhecidos por uma testemunha que nem viu o crime
O professor de música e produtor musical João Igo Santos Silva, 37 anos e seu vizinho, o lutador de MMA, Felipe Patrício Lino Ferreira, 20 anos são moradores do Campo Limpo. No sábado (02/01), eles comeram um yakissoba no Largo da Batata, um hábito comum entre os dois amigos e pagaram com cartão. Depois disso, caminharam até o Terminal Pinheiros, passando pelas ruas Butantã, Amaro Cavalheiro e pegando o final da rua Paes Leme, para descer para o terminal. No terminal, eles sacaram 20 reais do caixa eletrônico, para pagar transporte urbano. Entretanto, perderam o ônibus e precisaram esperar pelo próximo ,antes de embarcarem para casa.
Embarcaram no transporte urbano que faz a linha Campo Limpo, o ônibus tem janelas fechadas por causa do ar condicionado. Os amigos conversavam, Igo estava planejando a festa de aniversário do seu filho. O transporte estava na Vila Sônia, quando surgem sirenes da polícia .O ônibus é parado. Logo depois todos os passageiros descem. Igo e Felipe conhecem bem a rotina de quem é negro e mora na periferia das cidades. Contudo, os fatos que ocorreram a seguir, na vida dos dois jovens traduz o terror que assombra muitos outros jovens nas periferias do nosso país. Como resultado: às 22h, na noite de 2 de janeiro de 2021 , João Igo Santos Silva e Felipe Patrício Lino Ferreira foram presos injustamente acusados de dois roubos à mão armada de celulares, dinheiro, bolsa e outros pertences de duas vítimas.
Um dos seus acusadores é um motorista por aplicativo que se baseou na descrição feita por uma das vítimas, e teria seguido os rapazes que ele considerou “suspeitos” dos crimes. Foi o condutor por aplicativo que informou aos PMs sobre os passos de seus “suspeitos”, e o destino do embarque deles no Terminal.
O boletim
No boletim de ocorrências, assinado pelo delegado Rafael Moreira Cantoni, a descrição é a seguinte;
Por volta das 21h, na rua Paes Leme, dois homens roubaram uma mulher e um homem, levando bolsa, celular, relógio e outros pertences das vítimas. Uma das vítimas avistou um motorista por aplicativo e solicitou ajuda, contou como seriam os dois homens que a roubaram. Conforme afirmou o motorista na delegacia, ele seguiu os dois suspeitos até o terminal.
Não houve reconhecimento, nem há provas
Durante o reconhecimento, somente o motorista (baseado na descrição feita por uma das vítimas) confirmou que os dois suspeitos eram Igo e Felipe.
A vítima masculina afirmou não reconhecer nenhum dos dois como sendo as pessoas que cometeram o crime. Enquanto a mulher diz reconhecer apenas as roupas que os rapazes usavam.
Existe também uma irregularidade quanto ao procedimento de reconhecimento realizado com os rapazes. Não foi seguido a recomendação do Código de Processo Penal, artigo 226 , que determina “ a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.
Nenhum dos objetos dos roubos foram encontrados com Igo e Felipe, nem no ônibus, não havia maneira deles se desfazerem dos elementos roubados, pois as janelas do transporte urbano são vedadas por conta do ar condicionado.
Luta para provar a Inocência
TC Silva, músico conhecido e reconhecido internacionalmente, ativista pela comunicação livre , pai de Igo relata que está sendo articulada uma intensa mobilização em grupos, em diversos movimentos populares e sociais , por amigos, familiares, aqui no Brasil e e também internacionalmente trazendo o debate sobre ” a opressão racista que ainda acontece e persiste no país recaindo sobre o povo preto”.
“ Aconteceu um crime. Pega aqueles pretos ali! Todo preto é marginal mesmo! Eles são os culpados!”
O músico Ayo Shani, irmão de Igo e a advogada Irene Guimarães resolveram buscar as provas da inocência dos rapazes.
“Infelizmente é o nosso trabalho ter que provar a nossa inocência” , afirma o determinado Ayo Shani que nos últimos dias tem lutado pela liberdade do irmão.
Irene e Shani refizeram todo trajeto percorrido pelos dois amigos no sábado e notaram muitas inconsistências e apuraram muitos fatos.
Durante o caminho, pediram imagens aos locais com câmeras. Os dois conseguiram acesso a seis gravações que, segundo eles, comprovam que Igo e Felipe não cometeram o crime.
“Praticamente conseguimos a sequência do caminho deles. Primeiro, vimos que o trajeto relatado corresponde ao que a gente visualizou nas imagens. Isso significa que, no horário que aconteceu o crime, por volta de 21h, eles não estavam na rua Paes Leme. Eles estavam saindo do Largo da Batata e entrando no começo da rua Butantã ”, conta.
Além disso, Irene reforça que eles não estavam com nenhum das pertences da vítima. “Poucos minutos após o assalto, eles são vistos andando tranquilamente, sem nenhum objeto na mão, numa evidência de alguém que não está em fuga”.
Ayo Shani complementa, “ Imagina, se eles roubaram dinheiro, celular e mais várias coisas. Aí param no terminal, sacam 20 reais para carregar o passe. Gente!”
Ele também aponta outras incoerências na versão do motorista por aplicativo;
“ Nas filmagens não têm nenhum carro seguindo meu irmão e o Felipe. E em alguns trechos seria impossível fazê-lo de acordo com a filmagem. Porque para segui-los o motorista teria que dirigir na direção da contramão do trânsito.”
Expectativa
Igo e Felipe estão detidos no Centro de Detenção Provisória Belém I, na zona leste da cidade.
O pedido de habeas corpus do advogado de defesa de Igo e Felipe , Vanderlei Lima Silva, principal responsável pela defesa de Igo e Felipe foi protocolado no dia 7 de janeiro e distribuído no dia 13 para o relator, que está nas mãos do desembargador Fábio Gouvêa.
Até o momento, os familiares, amigos e parceiros de militância estão impedidos de ter contato com os jovens.
A Promotora de Justiça na Ministério Publico de São Paulo, Simone de Divitiis Perez , pediu a liberdade provisória de Igo e Felipe.
Atualização em 14/01/2021 às 20h – Acaba de ser concedido o Habeas Corpus para João Igo Santos Silva e Felipe Patrício Lino Ferreira pedido pelo advogado de defesa Vanderlei Lima Silva.
3 respostas
É um absurdo a arbitrariedade desse e muitos outros casos que envolvem pessoas negras no Brasil Infelizmente o racismo, estrutural na cultura brasileira, tem sido ainda mais agravado na atual conjuntura política, que tem fomentado o que há de pior nas raizes da nossa formação cultural
Não pode haver democracia onde exista racismo, forma odiosa de identificação
Até quando fatos como esse vão acontecer? É revoltante!!!