Beto de Jesus – Ativista pelos direitos LGBTQIA+, para os jornalistas livres
O ano começou difícil… acordei hoje com a notícia da morte de Padre Ticão e isso me abalou muito. Quem me conhece sabe o quanto ele marcou a minha vida. Quando ele chegou no início dos anos 80 na minha paróquia eu fiquei fascinado pelo compromisso dele com o evangelho e me conectei imediatamente. Trabalhávamos com a dimensão da Fé & Política, iluminados pela Teologia da Libertação. Deixei minha vida e quis ser como ele, fui para o Seminário ser padre.
O problema é que pelos ensinamentos do Ticão as coisas no seminário eram bem erradas e já no fim do primeiro ano briguei com o reitor que fazia valer seus interesses em detrimento do interesse comum. Fui “convidado a ir pra casa”, ele me acolheu, segui estudando Filosofia e trabalhando com ele, dirigindo um Centro de Comunicação que produzia todo tipo de material para as pastorais sociais. Acabei a Filosofia e tinha a certeza de que queria fazer Teologia. E em 1986 entrei para a Teologia e seguimos fazendo coisas incríveis. Minha experiencia de vida e quem sou hoje devo a ele, por isso a dor no meu peito é absurda e estou chorando como criança. Com ele apanhei da polícia nas ocupações em Guaianases defendendo as crianças num mandato de reintegração de posse; fui preso pela PF pelo que produzíamos no nosso centro de comunicação com depoimento no prédio da PF em Higienópolis e ele com um ônibus de gente fora me apoiando; invadimos órgãos públicos pelo direito à moradia; lutamos pela USP Leste; lutamos pela construção do Hospital de Ermelino Matarazzo; tínhamos uma escola de bíblia com mais de 200 alunos que foi uma revolução, com Frei Gorgulho e Ana Flora… mas mais que tudo isso ele era meu amigo, sempre apoiou como um homem gay.
Lembro que em 2000, quando do assassinato do Edson Neris (gay espancado até a morte por skinheads) nós fizemos uma manifestação na República e ele foi com a Irmã Rosa (que também nos deixou pouco anos atrás). Rimos muito quando nos encontramos. Ele me disse que no caminho falava para Rosa: “Rosa, nós vamos chegar lá, o Batata (esse era meu apelido e ele me chamava assim carinhosamente) vai estar com um megafone na mão, gritando palavras de ordem e organizando a manifestação com muitas faixas”. Dito e feito, ele chegou lá e era essa a cena. Ele me “criou” para isso, o que sou hoje eu devo a esse grande mestre.
Ticão frequentava a casa da mamãe, batizou meus sobrinhos, almoçava com a gente, ajudou a enterrar o papai… era o pastor amigo, era o amigo irmão e eu o amo, não vou falar que amava, pois esse amor vai seguir sempre.
Tenho várias fotos com ele, mas escolhi essa mais irreverente, pois sou assim, vcs me conhecem e é com esse sorriso dele que quero lembrar sempre desse irmão que a vida me deu. Era uma Festa Junina na Favela Nossa Senhora Aparecida, e eu era a noiva e ele foi meu noivo.
O céu está em festa hoje com sua chegada e nós tivemos o prazer de sermos agraciados pela tua vida… quem o conheceu sabe quantas e quantas milhares de pessoas ele salvou da fome, do frio, do relento!
Te amo irmão!
Uma resposta
Grande ser humano!!! Legado incrível!!! Até a ressurreição, amigo virtual!!! Saudades imensas!!!