Por Esdras Marchezan, da agência Saiba Mais
A prisão do italiano Cesare Battisti e a euforia do governo Bolsonaro em extraditá-lo imediatamente para a Itália, onde Battisti é condenado à prisão perpétua por quatro homicídios ocorridos durante a década de 70, coloca em evidência também outro caso de bastante repercussão no País: o destino do chileno Maurício Hernandez Norambuena, condenado no Brasil pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto, em 2002, e condenado à prisão perpétua no Chile por atos considerados terroristas na década de 90 (a autoria intelectual do assassinato do senador conservador Jaime Gúzman e o sequestro do empresário Christian Edwards).
Norambuena encontra-se recolhido no Presídio Federal de Mossoró, aguardando transferência para o sistema prisional paulista. Com sua extradição decretada pelo STF desde 2004, o chileno continua em solo brasileiro por uma exigência da justiça brasileira não aceita pela justiça chilena: a comutação de sua pena no Chile (duas prisões perpétuas) a penas que, juntas, somem no máximo 30 anos, limite permitido na legislação brasileira. Sem essa mudança, o Brasil se nega a entregá-lo ao Chile.
Em tese, a mesma limitação deveria se aplicar à extradição do italiano. Portanto, a ida de Battisti para a Itália, levando em consideração o decidido pelo STF no caso Norambuena, só poderia ocorrer caso a justiça italiana transforme sua prisão perpétua em penas de no máximo 30 anos.
Como o governo brasileiro ignorou a questão e autorizou a ida de Battisti para a Itália, abriu-se um precedente para que a situação do chileno Norambuena tenha resultado semelhante.
O impasse entre a justiça brasileira e a chilena têm impedido, inclusive, a progressão de regime de Norambuena em relação à condenação da justiça brasileira, o colocando num labirinto jurídico. Preso desde 2002, ele já teria direito à progressão de regime, pelo tempo que está encarcerado, mas a existência das duas penas de prisão perpétua, por atos considerados terroristas, tem levado os juízes brasileiros a negarem todos os pedidos de progressão da defesa do chileno.
O fato o torna hoje o condenado a passar mais tempo na prisão (16 anos), no sistema prisional brasileiro. Boa parte deste tempo no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) do sistema prisional paulista, e no sistema federal, em celas individuais.
Em Val Paraíso, sua cidade natal, Norambuena conta com o apoio de amigos, familiares e ONGs que mantêm uma campanha internacional em favor de sua liberdade. Para eles, entre estar preso no Brasil, longe da família, e em solo chileno, é melhor que cumpra sua pena em sua terra natal.
Assim como Battisti, Norambuena fez parte na juventude de um grupo guerrilheiro de esquerda. A Frente Patriótica Manuel Rodriguez nasceu de uma divisão do Partido Comunista chileno, sendo o braço armado na luta contra a ditadura de Augusto Pinochet. Uma das ações praticadas pelo grupo, inclusive, foi uma emboscada que quase levou à morte o ditador chileno. Na oportunidade, Norambuena – ou Comandante Ramiro, como ficou conhecido na Frente – foi um dos participantes.
Preso em 1996, acusado de envolvimento com a execução do senador Jaime Guzman, fiel aliado de Pinochet, Norambuena e mais quatro companheiros da Frente protagonizaram uma fuga do Presídio de Segurança Máxima de Santiago, conhecida até hoje como “A fuga do século”. Com apoio de um helicóptero, o grupo fugiu dentro de um cesto metálico, suspenso no ar por cabos presos à aeronave.
Foragido, Norambuena se integrou à luta do Exército de Libertação Nacional (ELN), na selva colombiana, grupo que pretendia ajudar com o dinheiro que buscava obter com o pagamento do resgate no sequestro a Washington Olivetto.
Nesta segunda (14), Cesare Battisti chegou a Roma para iniciar o cumprimento de sua pena. Pela forma que seu deu o desfecho do caso, o governo italiano saiu em vantagem. Com a expulsão de Battisti pelo governo de Evo Moralez, a justiça italiana não teve que se submeter à exigência que seria imposta (em tese) pela justiça brasileira, de transformar a prisão perpétua do italiano em penas de no máximo 30 anos.
Em negociações pela extradição dele, enquanto Battisti se encontrava no Brasil, o governo da Itália já havia sinalizado positivamente em relação ao cumprimento da exigência. Ao final, a prisão de Cesare Battisti em solo boliviano foi o desfecho que nem mesmo o mais otimista dos italianos esperava.