por Dirce Waltrick do Amarante*
Uma recente performance de cunho erótico realizada na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tem ajudado a alimentar a imagem distorcida das universidades públicas que a extrema-direita divulga nas redes, como se certos fatos pontuais fossem corriqueiros. Segundo essas fake news, parece que professores e alunos estariam passeando nus pelo campus…
Nesses últimos anos, os ataques aos professores universitários se tornaram mais frequentes. Abraham Weintraud, ex-ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, por exemplo, se referiu aos professores universitários como “zebras gordas”, o que, visto retrospectivamente, parece ser um elogio diante de tantos adjetivos injuriosos já imputados aos docentes.
Mas antes que se diga que apenas a extrema-direita ataca as universidades públicas e os professores, cabe lembrar que, recentemente, o atual presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com reitores, quando discutiam melhorias para a carreira docente, como, por exemplo, salários mais justos (não digo atrativos), mudou o rumo da discussão e colocou a culpa da evasão escolar nos próprios professores, que seriam “chatos” e não entusiasmariam os alunos. É fato notório que a grande maioria dos professores das universidades públicas esperava muito do governo do PT, desejando que as injustiças dos últimos anos na área da educação fossem sanadas.
Porém, neste ano, na última greve dos professores de universidades e institutos federais por reposição (não aumento) salarial e por investimento financeiro nas instituições de ensino, o governo do PT virou às costas para a categoria em prol do arcabouço fiscal. Ironicamente, parece que as universidades estaduais, mesmo aquelas em estados governados pela extrema-direita, como é o caso da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), estão em melhor situação dos que as federais em pleno governo de esquerda. O que a greve destacou, contudo, foi um fato curioso: os professores universitários não são atacados apenas pela esquerda e pela direita, são atacados por eles mesmos.
Durante a última paralisação, em vez de os professores se unirem em torno de uma causa comum, começaram a se destratar: uns alegavam que não era hora de entrar em greve, pois isso enfraqueceria o governo que ajudaram a eleger; outros defendiam a paralisação, porque acreditavam tratar-se um movimento mais do que justo diante de um governo que não demonstrava grande empenho em solucionar os problemas da educação. Houve então um racha entre os inúmeros sindicatos que representam a categoria. Um deles, o Proifes, que está ligado ao PT, atuou, é claro, em defesa do patrão, ainda que seus dirigentes sejam professores.
Assim, encerrou-se o assunto, e a grave fracassou. Por trás dessa discussão que parece ser apenas ideológica, há uma questão de política interna bastante importante, que objetiva, ao que tudo indica, manter o poder de certos grupos de docentes, os quais pretendem (e talvez possam) determinar a vida dos colegas. O medo de retaliação é sempre grande.
Contudo, como lembra Friedrich Nietzsche em Schopenhauer como educador, “os homens são mais preguiçosos do que medrosos e temem justamente, na maioria das vezes, as fadigas que lhe causariam uma honestidade e nudez incondicional”. (Tradução de Clademir Luís Araldi).
Não é incomum professores assediarem moralmente as colegas de profissão. As professoras, contudo, silenciam. Nos corredores universitários, o feminismo é praticamente apenas teoria. Cada uma cuida de si, pois tomar partido pode tornar a sua vida bastante difícil.
Quem vai querer dificultar ainda mais seu percurso profissional?Um professor de uma universidade federal em regime de dedicação exclusiva ganha em média R$12.000,00 líquidos.
Há, é claro, aqueles que ganham bem mais, mas é uma minoria. A categoria tem uma política de progressão funcional: a cada dois anos, o professor pode progredir na carreira, desde que tenha produção para isso. Não basta, portanto, apenas a progressão temporal. No entanto, os professores criaram para eles mesmos uma série de artifícios e poderosas estruturas de poder.
Podem, por exemplo, concorrer a bolsas de produtividade em pesquisa. Quem decide quem merece ganhar a bolsa? Os próprios colegas, baseados na análise dos projetos que os pleiteantes enviam acompanhados de seu respectivo currículo.
A propósito da produção, Nietzsche, no livro já mencionado, ao analisar as instituições de ensino de seu tempo – o que ainda é válido para o presente –, afirma que, “mesmo a forma muito admirada, com a qual os eruditos alemães se precipitam sobre sua ciência, mostra sobretudo que eles pensam mais na ciência do que na humanidade, que eles foram instruídos a se sacrificar a ela, como se sacrifica um bando perdido, para outra vez atrair novas gerações a esse sacrifício.
A ocupação com a ciência, quando não é conduzida e limitada por nenhuma máxima superior da educação, mas desencadeada sempre mais pelo princípio ‘quanto mais melhor’, é certamente tão prejudicial para o erudito quanto a tese do laissez-faire para a eticidade de povos inteiros.”
Há várias categorias de bolsas: para os “iniciantes”, nível 2, ela garante mensalmente R$2.100,00, mas para os pesquisadores “premium”, as somas são bastante atraentes. Há pouquíssimas bolsas, por isso, ainda que o professor tenha inúmeros artigos acadêmicos e seu projeto aprovado, talvez não seja comtemplado por falta de verba.
Por essa razão, a disputa é acirrada. Professores acordam de sonhos intranquilos metamorfoseados em escorpiões famintos, os quais, na falta de alimentos para todos, sacrificam alguns de sua própria espécie. Essa “ideologia de bolsas” acaba, portanto, sendo uma armadilha que divide ainda mais a categoria. Isso é bom para os governos que se sucedem em Brasília, não importa qual bandeira defendam. Com uma categoria frágil é mais fácil de negociar.
*Dirce Waltrick do Amarante – Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Cnpq – Nível 2.