Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História da Universidade Federal da Bahia
A cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal nada mais é do que a escalada de horrores em que se transformou a eleição de São Paulo, que em muitos aspectos é a síntese dos dilemas que a tecnologia digital impõe à democracia. A devida compreensão do cenário passa pela análise do fenômeno Pablo Marçal. Parte da crítica política brasileira ainda tem dificuldades em estabelecer as diferenças entre Pablo Marçal e Jair Bolsonaro. Fica cada vez mais evidente que o coach não é a simples continuidade da cultura política inaugurada pelo ex-presidente.
É claro que existem as semelhanças, o que explica o fato de Marçal e Bolsonaro dividirem, e disputarem, o ecossistema ideológico da extrema direita brasileira. Porém, as diferenças me parecem mais relevantes.
Bolsonaro se tornou, definitivamente, fenômeno pop em 2017, na esteira da crise e da crítica sistêmicas potencializadas pela Operação Lava Jato. Com inteligência política, o então deputado federal seguiu as veredas abertas por Marina Silva nas eleições presidenciais de 2014. Marina foi a primeira a falar em “nova política” e a usar as mídias digitais para fins eleitorais, na época o facebook.
Jair Bolsonaro identificou o potencial da internet para a performance da crítica ao sistema. Por excelência, a internet é o lugar da simplificação, do discurso rápido, em poucos caracteres, ambiente bem favorável ao gesto crítico, demolidor, lacrador. Assim, Jair, tiozão analógico, se encontrou com as mídias digitais, performou o outsider e se tornou líder de um movimento político de massa.
Impossível negar que Pablo Marçal é herdeiro dessa gramática política. Por isso, a todo momento, ele também se apresenta como “outsider”, e nisso é mais convincente que o próprio Jair Bolsonaro, pois, de fato, nunca ocupou cargo eleitoral. Mas Marçal não é apenas isso, não é a simples continuidade do bolsonarismo.
Pablo Marçal não usa a internet apenas como palco de uma performance. Ele é expert na economia da atenção, que já pauta o debate político, mediatizado em tecnologia 4 ou 5 G e materializado no smartphone. Pois não foi exatamente a internet a grande revolução da história humana. A grande revolução, mesmo, é o smartphone, acompanhado do processamento de dados com eficiência suficiente para permitir o constante consumo de conteúdos curtos, em incessante ritmo de atualização.
No vaso sanitário, no transporte público, antes de dormir. Quem de nós nunca gastou preciosos minutos ou horas de existência com o dedinho na tela, fazendo movimentos de baixo pra cima?
Diferente de Bolsonaro, Marçal não é o líder analógico que encontrou na internet o meio de amplificar suas ideais. O coach é organicamente digital e, por isso, impõe desafios ainda maiores à democracia, já completamente sequestrada pela lógica do entretenimento rápido, com os cidadãos reduzidos à condição de consumidores de vídeos curtos.