por Paulo Nogueira Batista Jr.
O que provocou a turbulência no mercado financeiro e na mídia nas semanas recentes? Criou-se uma sensação de “crise”. Os desavisados devem ter pensado que estávamos ou estamos à beira de um abismo. A onda especulativa já arrefeceu, mas vale a pena discutir o que a desencadeou.
Afinal, houve motivos para tal nervosismo nos mercados cambial e financeiro, em especial para a alta do dólar? Creio que sim. Não foram, porém, primordialmente econômicos – e sim políticos. Os resultados econômicos e sociais do governo Lula estão entre bons e razoáveis. Veja-se, por exemplo, o crescimento do PIB, a inflação, o mercado de trabalho, os indicadores de pobreza, o balanço de pagamentos. Quanto ao propalado “risco fiscal”, as informações disponíveis não sugerem de forma alguma que o Brasil venha caminhando para um colapso das contas governamentais. Aliás, as expectativas de mercado em relação ao déficit público (primário e total), assim como em relação aos demais indicadores macroeconômicos, praticamente não se mexeram no passado recente.
Menciono dois fatores de ordem principalmente política que ajudam a entender a instabilidade recente no sistema financeiro. E que nos autorizam a dizer, acredito, que a “crise” foi em larga medida fabricada.
As eleições de 2026
Primeiro fator: nos últimos meses, ficou evidente que Lula pretende disputar e será um candidato forte à reeleição em 2026. A tradicional direita neoliberal, que controla o sistema financeiro e a mídia, não vê isso com bons olhos, para dizer o mínimo.
Vou ser mais claro. Não vamos nos iludir. Boa parte dessa direita – que tem a cara-de-pau de se apresentar como “centro” – nutre ódio a Lula e à centro-esquerda. Senão ódio, desprezo. Senão desprezo, profunda desconfiança e rejeição. Ela constitui um agrupamento pernicioso, de gente reacionária, mentalmente estreita e profundamente antinacional. O perigo para o Brasil está também nessa gente, e não apenas na ultradireita bolsonarista.
Infelizmente, diga-se de passagem, o governo Lula está infestado de neoliberais, alguns bem militantes, o que explica a sua dificuldade de avançar. A “Arca de Noé”, montada por Lula em 2022, tem o seu preço – e não é pequeno. Apesar disso, ele tem conseguido significativos resultados econômicos e sociais, o que deixa os adversários ainda mais alarmados.
O presidente da República tem dado muitos sinais de paz e tomado decisões conciliatórias. Perfeitamente compreensível. É um jogo que ele joga bem. Mas com que resultado nesta temporada política? Fica às vezes a sensação de que o seu esforço de conciliação possa estar sendo visto como indício de fraqueza. Apesar dos esforços de pacificação, a execrável plutocracia local continua militantemente contra o governo, buscando toda e qualquer oportunidade para atacá-lo.
Como se sabe, a direita tradicional tem muito poder – político, financeiro e midiático. Mas sofre de um pequeno problema: não tem votos para vencer eleição presidencial. Gostaria de viabilizar uma candidatura de “terceira via” para 2026, mas percebe provavelmente que será muito difícil. Uma opção mais viável para ela seria construir uma “Arca de Noé” pela direita com Tarcísio de Freitas como candidato. A ideia é combinar os votos de Bolsonaro com um candidato mais amplo e aparência um pouco mais “civilizada”. Os liberais de quinta categoria da direita tradicional não teriam nenhum escrúpulo em se aliar de novo com o bolsonarismo. Os seus porta-vozes mais chinfrins já clamam em público por um “bolsonarismo moderado”.
Portanto, o que se procura, desde logo, é enfraquecer e manietar Lula para que ele chegue desidratado à próxima eleição presidencial – de preferência com cara de terceira via. Um Lula fraco, com jeito de terceira via, poderá ser derrotado. Ou, no mínimo, forçado a negociar com a direita tradicional, ou parte dela, nova frente ampla que mantenha um eventual Lula 4 nessa mesma condição atual de parcialmente bloqueado e cerceado na sua capacidade de promover mudanças.
A sucessão no Banco Central
Mas há um segundo fator por trás da “crise”. E mais imediato do que 2026. Trata-se da escolha por Lula de quem exercerá a presidência do Banco Central. Até o final do ano, o presidente da República terá de escolher não só o presidente, como também dois novos diretores para o Banco Central. Os indicados de Lula no Comitê de Política Monetária terão maioria folgada a partir de janeiro de 2025.
Consequência? A turma, ou melhor turba da bufunfa, ficou na espreita e, no momento que julgou adequado, tratou de providenciar uma turbulência econômica, com a ajuda prestimosa de Roberto Campos Neto. Para quê? Para tentar intimidar o presidente da República e o ministro da Fazenda. A mídia corporativa, em sua maior parte um mero puxadinho da Faria Lima, entrou em campo com alertas dramáticos. Armínio Fraga, um funcionário do status quo, veio a público ameaçar o presidente da República com um “fiasco político” e uma grave crise caso erre na escolha do novo presidente do BC. Edmar Bacha, outro funcionário do status quo, disse textualmente: “Lula tem que se comportar”. Veja só, leitor ou leitora, a imensa arrogância dessa gente (estava para escrever “corja”, mas me contive).
Querem mesmo é que Lula indique um deles para o cargo. Alguém tipo Henrique Meirelles, ou o próprio Fraga, ou tipo Ilan Goldfajn, para mencionar apenas alguns nomes do longo rol de fiéis serviçais do capital financeiro. Não sendo isso possível, aceitam que seja indicado alguém cooptável.
Nesse momento, já há quatro indicados por Lula na diretoria do Banco Central. Andam bem mansos, no geral. Nada dizem, nada fazem – até onde se pode perceber. Acredito que estejam envolvidos em um cauteloso movimento tático, esperando o não tão distante janeiro de 2025.
Espero que seja mesmo apenas tático. De janeiro em diante, o jogo tem de mudar. Evidentemente, ninguém vai dar um cavalo-de-pau numa instituição da complexidade do Banco Central. Mas não pode ser mais do mesmo.
O Banco Central tem funções da maior importância – conduz a política monetária, emite moeda, supervisiona e regula o sistema financeiro, integra e secretaria o Conselho Monetário Nacional, administra as reservas internacionais do país, funciona como emprestador de última instância em períodos de crise financeira sistêmica, entre outras. Não deve, portanto, ser conduzido de forma independente do resto do governo e da política econômica – e alinhado apenas com o lobby financeiro privado.
É importante acertar na escolha do presidente e dos dois novos diretores. O futuro presidente do Banco Central deve ser, na minha modesta opinião, alguém não só com conhecimento e experiência, como também muito próximo do presidente da República. Assim, ficará mais viável estabelecer a indispensável sintonia entre a política monetária e o resto da política econômica.
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Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital”.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.
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