Por Franklim Peixinho, parceria Jornalistas Livres, Hori e Ciranda
Laroyê! Salve o dono das encruzilhadas.
Uma “lei” jurídica, via de regra, é acompanhada de uma sanção, e para nós, povo de Axé, não reverenciar Exú é um grave descumprimento de um preceito sagrado, com consequências graves. Muniz Sodré ao ilustrar no conto “A Lei do Santo” como Oxum venceu uma guerra sem levantar uma espada, mostra a interseção de Exú contra o exército do Rei Agabaraie.
Exu estava na beira do rio, com o seu grande pênis ereto que ia de uma margem a outra, servindo de ponte para o exército marchar em direção ao reino de Oxum e lá guerrear contra a dona das águas doce. Exu, durante a passagem dos soldados, perguntou ao rei se este havia realizado todas as oferendas, e ao saber que Agabaraie não fizera nada em sua reverência, encolheu seu falo, matando todo o exército do “rei dos esquecidos”.
O povo negro conquistou espaços na base da luta e ocupação de espaços de poder, seja pelas águas, pelos ventos ou espadas.
É assim que nasce a Lei 14.519/2023, que possui grande importância no combate ao racismo religioso no Brasil, e se originou de um projeto do deputado federal Vicentinho (PT-SP).
Esta lei estabelece o dia 21 de março, como o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.
Segundo o senador Paulo Paim sobre a data: “A ocasião relembra o massacre de 69 pessoas negras que protestavam pacificamente contra o regime de segregação racial na África do Sul, em 1960”, que também é o Dia Internacional Contra a Discriminação, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Racismo: casamento de Ikú e Àrùn
A invasão do terreiro de mãe Gilda por integrantes da IURD, no bairro de Itapuã, em Salvador, o ataque a estátua da Ialorixá Mãe Stela de Oxossi, expulsão de pais e mães de santos e a destruição de terreiros pelos “traficantes de cristo”, são alguns dos inúmeros casos de violência racista e religiosa contra os adeptos do Candomblé e da Umbanda, que matam e adoecem pessoas de santo.
Na cidade de Cruz das Almas, recôncavo da Bahia, o Ilê Axé Oyá Jálêcy, coordenou a caminhada Adáhun, junto com vinte Terreiros de Candomblé e Centros de Umbanda, para celebrar o dia das Nações de Candomblé.
No ato o Babalorixá Ricardo Tajaleci Sandro Conceição destacou a importância da regularização dos terreiros para a promoção de políticas públicas a partir das casas de Axé.
A lei do “homens” por si só não surtirá efeitos sem a promoção de ações efetivas pelo estado e sociedade civil que combata o racismo e a intolerância religiosa.
Na cidade de Simões Filho, o Babalorixá Edésio Tintundele do Ilê Axé Ikandèlé fala que “os espaços de Axé é também de produção de cultura e ensino de história dos povos que vieram de África. O Orixá nos dá ferramenta para enfrentar as adversidades da vida, e o combate ao racismo religioso é também a luta contra a ignorância e falta de cultura”.
Ele continua, “pra mim é dia de dizermos vencemos! Estamos sendo visto. O candomblé no dia de hoje tem que comemorar. E, depois de anos de grandes batalhas sobre preconceito e descriminação, nossa bandeira ficou em pé pra o Brasil todo ver e o mundo também. Valeu a pena todos essas batalhas compradas mais vencidas. Olorun e dos Orixás nos mostra(m) todos os dias nas nossas vidas como orientação ou como cura. Parabéns, vencemos.”
Um terreiro de Candomblé ou uma casa de Umbanda são espaços de resistência, cultura e história, necessários para o enfrentamento do racismo.
Oyá, Matamba
A rainha Nzinga, que governou do reino do Dongo e conquistou Matamba foi uma exímia estrategista nas batalhas que comandou seu exército, e habilidosa diplomata, enfrentando a coroa portuguesas em seus intentos escravagista.
Quando se canta para Bamburucema, na nação Angola, se remete a ancestralidade de mulheres rainhas e guerreiras, como Nzinga, que defenderam seus reinos contra a sanha colonial/racista dos brancos europeus.
E assim, com a sinuosidade das águas de Oxum, o brilho da guerra no Aderejá de Ogum, a estratégia do Agueré de Odé, a justiça exaltada no Alujá de Xangô e a tempestade no Ilú de Yansã, que nos alimentamos para guerra por reparação e erradicação do racismo.
Nas palavras do Tata Kasulembe a alegria do caçador não é individual, mas sim, reside no princípio da coletividade, que para o clã dos caçadores, seja na ação de Angola, Ketu, Gege ou dos povos Efon, a felicidade esta “em partilhar com os seus…” ou ainda em dizer “…nós temos, do que eu tenho… onde o sentido da existência esta na vitória do coletivo”.
É uma lei, sim, mas com consequências da “Lei dos Santos” pretos/pretas do Axé.
[1]Livro de Muniz Sodré
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Franklim Peixinho é homem negro, Ogan do Ilê Axé Ikandèlé, professor de História e Direito Penal, advogado antirracista, militante do Círculo Palmarino/Bahia, Dirigente do Instituto Hori. Mestre em Políticas Públicas e em História da África, Diáspora e Povos Indígenas (UFRB), Doutor em Ciências Jurídicas. Pesquisa a necropolítica da guerra às drogas no Brasil e educação antirracista