Por Jeferson Rodrigues, Tatiana Lima – do https://rioonwatch.org.br/
Neste dia 12 de outubro, feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida, a Estrada do Itararé, uma das principais vias do Complexo do Alemão, Zona Norte da capital do Rio de Janeiro, foi tomada por uma onda que ocupou o asfalto da favela em apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil no segundo turno das eleições de 2022. O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) venceu o primeiro turno alcançando a maior votação registrada em uma eleição presidencial.
Segundo o TSE, foram 57.259.504 votos, o que representa 48% dos votos válidos. Embora tenha tido esse resultado expressivo, houve quem se frustrasse por conta da continuidade do processo eleitoral até o segundo turno, que será no dia 30 de outubro. Isso levou a uma onda de lamento entre seus apoiadores.
Diálogo a Convite dos Moradores e Movimentos Locais
A visita ao Complexo do Alemão ocorreu por convite de René Silva, fundador e diretor do jornal Voz das Comunidades. O evento Caminhada com Lula foi construído para que um diálogo direto e propositivo com a favela fosse estabelecido.
O roteiro de Lula no Complexo do Alemão começou com um encontro na sede do Voz das Comunidades, na parte baixa do Morro do Adeus. Se reuniram para um café da manhã às 8h o candidato e sua esposa, Janja Silva com lideranças comunitárias do Complexo do Alemão e de outras favelas como Acari e Manguinhos, além de deputados federais e estaduais eleitos como Benedita da Silva (PT), Renata Souza (PSOL), Talíria Petrone (PSOL), Tarcísio Motta (PSOL), Glauber Rocha (PSOL), Dani Monteiro (PSOL), e o Prefeito Eduardo Paes (PSD).
Somente quatro lideranças puderam dialogar diretamente com o ex-presidente, dentre elas Alan Brum, diretor do Instituto Raízes em Movimento. Ele entregou ao ex-presidente o Plano de Ação Popular do CPX, construído por 18 organizações de do Complexo do Alemão. O documento é o resultado de ampla discussão de moradores e lideranças comunitárias das 13 favelas do Complexo, que identificaram necessidades, aspirações e caminhos para promoção de melhorias dentro da comunidade.
Alan pediu durante o encontro com o candidato que a vida esteja de volta à centralidade do debate e da política de segurança pública, porque “nós estamos cansados de morrer”. Ele também entregou, além do Plano Popular do Complexo do Alemão, um plano para saúde elaborado por outra organização local, o Educap, por sua coordenadora Lucia Cabral.
Lula também recebeu de um casal de idosos de Manguinhos o “Ouvido do Lula”. O casal ficou na feira da comunidade com uma caixa recebendo as demandas da favela de Manguinhos numa caixa. A pesquisa resultou em 200 recados de moradores para o ex-presidente Lula, explicou o morador de Manguinhos Bezerra da Silva.
Evento Marca Exercício Potente da Democracia
Esta é a primeira vez que um candidato à Presidência da República realiza um comício com as favelas em campanha política na corrida eleitoral no segundo turno das eleições. Para Lúcia Cabral, coordenadora da Educap, o ato organizado por moradores de favelas em conjunto com a coordenação da campanha de Lula, representa o exercício da democracia.
Para ela, o encontro do candidato com lideranças comunitárias e moradores do Complexo do Alemão foi uma oportunidade da favela a partir de vozes das favelas—foram quatro representantes—que mandarem “o papo reto da favela” para Lula sem intermediários.
E o papo reto foi direto e claro, conta Lúcia Cabral: “O papo reto foi que ele tem que gerir junto com a favela e para a favela”. E conclui: “E eu saio desse encontro sentindo que o nosso ex-presidente Lula está com a gente”.
O encontro do candidato Lula com as lideranças foi transmitido pelo canal do YouTube da campanha. Uma das principais articuladoras foi a ativista e defensora de direitos humanos Camila Moradia, além da equipe do Voz das Comunidades, outras lideranças, moradores, voluntários, em conjunto com a Prefeitura do Rio de Janeiro e secretarias municipais.
Camila, uma das fundadoras do Movimento Mulheres em Ação no Alemão e integrante da Comissão de Luta Por Moradia, foi uma das quatro lideranças que representaram o movimento de favelas presente. Ela leu um discurso intitulado “Nós votaremos em Lula”.
Marcelle Decothé, cria de Parada de Lucas, lembrou ao candidato que quem pode falar pela favela, é a favela.
A segunda mensagem da liderança veio após um depoimento em que ela foi cotista e acessou a universidade através das políticas públicas desenvolvidas nos mandatos anteriores do agora candidato. Sobretudo, o segundo papo reto de Marcelle foi uma sugestão: ela propôs ao candidato Lula que, caso eleito, instale um Gabinete Popular de Periferias.
Um dos depoimentos mais emocionantes foi o de Buba Aguiar, integrante do Coletivo Fala Akari, defensora de direitos humanos e moradora da favela Acari, que esteve na linha de frente do enfrentamento à pandemia.
Por fim, Débora Silva, da organização Sim, Sou do Meio! de Belford Roxo, lembrou que o racismo institucional inviabiliza a vida.
Ela denunciou que foi a força tarefa da comunidade que, inclusive, auxiliou a população a ter acesso ao auxílio emergencial porque os Centros de Referências de Assistência Social (CRAS) ficaram quatro meses fechados durante a pandemia. Tiveram que juntar 40 voluntários para cadastrar mais de 100 pessoas no auxílio emergencial e muitas ficaram de fora. “Então, não há outra opção pela democracia [que não votar em Lula]. Sem cultura a violência vira espetáculo e é o que vivemos em Belford Roxo na Baixada Fluminense”, resume Débora.
A Caminhada Pela Visão de Um Cria
Enquanto isso, a Estrada do Itararé foi tomada por uma diversidade de pessoas de forma pacífica e ordeira. Ao som do jingle de Lula em vários ritmos, as pessoas confraternizavam sob a ótica de que: só o Lula tem o poder de juntar tanta gente diferente em prol de uma causa!”. Esse reconhecimento vem da base que reconhece a Frente Ampla como uma iniciativa essencial para preservação da democracia, tendo a diversidade como valor.
Os laços de solidariedade da favela não dão espaço para que determinados preconceitos se estabeleçam de forma mais sólida: sabemos que a orientação política, sexual ou de gênero de seu vizinho, na maioria das vezes, vai ficar em segundo plano quando você precisa daquela xícara de açúcar ou do socorro que o Estado nos omite.
Da sede do Voz das Comunidades saíram diversos carros que carregavam políticos e lideranças comunitárias em direção ao Largo do Itararé. Uma multidão chamava pelos nomes dos políticos que estavam nos carros: Benedita, Jandira Feghali, Taliria Petrone, Tainá de Paula, Pastor Henrique Vieira, Renata Souza, Monica Francisco e outros nomes juntamente com artistas como Camila Pitanga e Paulo Betty que vieram caminhando no asfalto.
Fotógrafos populares como Josiane Santana, AF Rodrigues, Rosangela Leite, Felippinho 21, Fábio Café, Ratão Diniz, Val Tube, e Rosi Milliotti foram vistos em meio à multidão que também era composta por lideranças evangélicas como Andressa Oliveira, Pastor Marco Davi, Reverenda Lusmarina Garcia. Lideranças de outras favelas como Carlos Marra, Jonas di Andrade e Jota Marques, e influenciadores digitais faziam parte da diversidade de rostos, expectativas e projetos que se uniam para ouvir o ex-presidente falar.
No Largo do Itararé, um carro de som estava instalado com intérprete de Libras para interpretar os discursos. Ex-candidatos ao governo do Estado, o Prefeito Eduardo Paes, René Silva, Camila Moradia, Janja Silva, Anielle Franco entre outros fizeram discurso de saudação à multidão que respondia criticamente às falas: por vezes com ironias, outras, com vaias e gritos contra o atual presidente.
O ex-presidente Lula fez uso da palavra lembrando das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas favelas e de como a vida das pessoas mudou com essa iniciativa. Assuntos como paridade salarial entre homens e mulheres, geração de empregos e formalização do trabalho de empresários locais, fizeram parte da fala de Lula que compartilhava o microfone com Janja que não perdia uma oportunidade de demonstrar afeto e cuidado pelo marido. A fala de Janja veio com firmeza e algumas pessoas ironizavam pedindo para que ela “desse um jeito” na Michelle Bolsonaro, esposa do presidente e candidato a reeleição Jair Bolsonaro, o que causou risos no público.
Bandeiras de outros partidos e movimentos sociais completavam a paisagem reforçando o clima da Frente Ampla pela Democracia. “Hoje aqui tem de tudo: Pedro Paulo, Chico Alencar, Rodrigo Neves e Freixo!”, destacou Tarcísio Motta, eleito deputado federal no primeiro turno.
“E a educação?”, um grupo de mulheres negras começou a perguntar alto. Não há como ter certeza se deu pra ouvir do carro de som, mas o fato é que Lula imediatamente respondeu ao questionamento. Ele lembrou de projetos já consagrados como o Programa Universidade Para Todos (Prouni) e afirmando que a solução dos problemas da favela não está nas mãos da polícia, mas na presença do Estado com ações como o ensino em tempo integral (proposta que o PDT pediu que fosse destacada nas falas e programas de Lula).
Haviam pessoas com roupas e acessórios que poderiam ser interpretados como menção à outra candidatura. Contudo, não houve qualquer hostilidade, provando que a favela sabe acolher a diversidade. Acredito que isso seja uma herança dos quilombos onde a ideia de cooperação e autonomia estão em um nível de importância maior do que preconceitos morais e religiosos. Só a favela poderia conceber um ato como este. Há coisas que só a favela pode fazer. A favela tem condição de recuperar a democracia deste país.
Reportagem original publicada em: https://rioonwatch.org.br/?p=63221