Rudá Ricci, cientista político
Nós, corretamente, criticamos a anistia “concedida” pelos militares que isentou criminosos do período da ditadura militar. Mas, não é um erro apenas brasileiro. Aconteceu algo do gênero na Alemanha pós-guerra que poucos comentam.
Uma parcela considerável dos alemães, mesmo com o final da guerra, não se dava conta dos crimes cometidos durante o governo nazista. Eram os “Mitläufer”, cuja tradução seria “seguidores”, pessoas que se “deixaram levar pelas ondas”. Entre agosto de 1949 e março de 1950, Hannah Arendt ficou horrorizada com a “falta generalizada de sensibilidade” que encontrou em seu país de origem, a Alemanha onde a “maldade escancarada” era dissimulada. Arendt havia se exilado nos EUA, como muitos intelectuais alemães que fugiram do horror nazista.
Os psicanalistas Alexander e Margarete Mitscherlich sugeriram que havia um sentimento de recusa (o livro que publicaram levou o título de “A incapacidade de sofrer”) em função do trauma de terem perdido a figura idealizada de autoridade, Hitler.
Pois bem, o resultado prático dessa “recusa em criminalizar o passado” foi o perdão progressivo aos nazistas. Konrad Adenauer estimulou a aprovação de leis que “deixassem o passado no passado”. A primeira medida que o novo Bundestag aprovou foi de anistia a dezenas de milhares de nazistas. Em 1951, uma lei apelidada de “131 Gesetz” reintegrou mais de 300 mil funcionários públicos e militares que haviam sido exonerados pelas forças aliadas. Muitos com comprovada relação com crimes cometidos pelo nazismo.
Adenauer dizia que era hora de “acabar com essas chicanas em relação aos nazistas”. Grande parte dos anistiados era composta por professores, juízes e promotores. Em outras palavras, quem havia ensinado a superioridade ariana, agora ensinaria as virtudes da democracia. Juízes passaram a postergar e arquivar processos contra nazistas. Investigações eram atrasadas ou arquivadas.
Em 1954, uma nova lei de anistia, sob influência do Partido Liberal (que dirigia o Ministério da Justiça), foi aprovada. Surgia um tal conceito de “obediência em estado de emergência” que tirou os acusados da linha de responsabilidade.
Finalizo este brevíssimo artigo recomendando o livro “Os Amnésicos”, escrito por Géraldine Schwarz. Um relato e análise comoventes do cotidiano vivido pelas famílias alemãs e judias no período nazista (incluindo o pré e o pós). Vale a pena.