Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Primeiro, a notícia veio na coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, ainda em meados de novembro. Parte da militância petista tentou matar o mensageiro.
“Fakenews”. “A grande imprensa quer tumultuar a candidatura”.
O jantar do dia 20 de dezembro foi a confirmação: a chapa Lula/Alckmin é, sim, possibilidade real.
Alckmin se desligou do PSDB em 15 de dezembro em carta protocolar, encerrando uma relação partidária que contava longos 33 anos. A desfiliação foi o último ato de uma batalha perdida dentro do próprio partido. Alckmin foi derrotado, apunhalado, por João Dória, até então seu afilhado político.
Em aproximadamente cinco anos, Alckmin, Serra, FHC e outras lideranças tradicionais do PSDB foram derrotadas por João Dória. O partido foi se tornando linha auxiliar do bolsonarismo, de uma extrema-direita violenta e protofascista.
Quem não lembra da chapa Bolso-Doria em 2018?
No Congresso Nacional, o PSDB se tornou um dos principais aliados de Bolsonaro.
Sim, Alckmin saiu do PSDB, mas não deixou de ser tucano. Sempre será tucano. Sempre pertencerá ao PSDB que governou o país na década de 1990, que governou São Paulo por 20 anos.
O PSDB que nasceu em 1988, a partir de uma dissidência de esquerda do PMDB.
Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Mário Covas, Sérgio Motta, Franco Montoro. Todos tucanos históricos. Todos participaram do processo político que conduziu a transição da ditadura para a democracia, junto com petistas históricos como Lula, Erundina, Suplicy, Olívio Dutra.
PT e PSDB estiveram juntos na fundação da Nova República. Foram os arquitetos da democracia brasileira. A aliança ensaiada (talvez anunciada) no jantar de 20 de dezembro nem é novidade tão grande.
Mesmo depois da vexatória derrota de 2018, Alckmin ainda tem capital eleitoral para justificar seu ingresso na chapa que, segundo todas as pesquisas, é a favorita? Será mesmo que o eleitor antipetista do interior de São Paulo votaria em Lula só por causa de Alckmin?
Essas são questões para serem resolvidas pelos estrategistas do PT.
Não acho que Lula precise de Alckmin para vencer as eleições. Pelo contrário, pois Alckmin seria elemento de tensão na chapa, como demonstram os protestos de parte da militância petista e de quadros importantes do partido, como Rui Falcão.
Por que, então, estão cogitando a aliança?
Lula e a cúpula do PT estão pensando mais no governo do que propriamente na eleição. Sabem que vencendo a eleição, subirão a rampa do Planalto em condições bem mais desfavoráveis que aquelas de 2003.
Naquela ocasião, o sistema estava saudável. Não se falava em golpe de Estado.
Os ódios plantados nos últimos anos não desaparecerão do dia para noite. Alckmin seria estratégico pra distensionar relações com parte do empresariado, com a grande mídia. Mais do que um vice-presidente, seria um avalista.
O Bolso-lava-jatismo destruiu o sistema político estabelecido pela Constituição de 1988, e criou uma nova racionalidade política. As disputas e rivalidades entre petistas e tucanos não fazem mais sentido.
A reconstrução da ordem democrática demanda ação conjunta e coordenada das forças politicas que construíram, e administraram, o sistema. Esse é o dado pela chapa Lula/Alckmin. Essa será missão de um possível terceiro governo Lula.
Reconstrução. Repactuação.
Há muito tempo que Lula deixou de ser uma liderança de esquerda. Quem ainda não entendeu isso está condenado a se decepcionar, novamente.
Lula é um político global, um pacificador, um conservador das instituições da democracia liberal burguesa. Dele podemos esperar exatamente isso: a conservação da democracia burguesa em tempos em que o consenso democrático foi implodido pela extrema direita.
Pior do que a democracia liberal burguesa só a sua implosão pela extrema-direita.
A aliança com Geraldo Alckmin faz todo sentido. Pra reconstruir a democracia, ninguém melhor que seus arquitetos. Já conhecem a planta, sabem como conduzir a obra.
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