Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Qualquer pessoa de boa vontade e com um mínimo de informação sabe o perigo que Bolsonaro representa para o Brasil e para a humanidade. As gerações futuras nos julgarão por termos tolerado Bolsonaro por tanto tempo: o deputado de baixo clero que usava o púlpito parlamentar para defender a tortura; o candidato que prometia fuzilar seus adversários; o presidente que mente sobre as vacinas e arrasta seu povo para a contaminação em massa, para a morte.
Jair Bolsonaro precisa ser parado, urgentemente, e levado ao banco dos réus. A justiça é, também, pedagógica. Temos compromisso com o futuro: evitar o surgimento de outro Bolsonaro, de alguém minimamente parecido com ele. Isso não será possível sem a punição exemplar daquele que, na transição da primeira para a segunda década do século XXI, escandalizou a comunidade internacional ao destruir um dos maiores países do mundo.
Ainda assim, acredito, cabe questionar se qualquer crítica a Bolsonaro interessa aqueles que defendem os valores democráticos. Devemos embarcar em qualquer ônibus que traga “Fora Bolsonaro” escrito em seu letreiro?
Explico meu argumento.
Semana passada, o noticiário político foi marcado pelas repercussões da fala de Paulo Guedes, ministro da Fazenda que admitiu estourar o teto de gastos para viabilizar o “auxílio Brasil”, o novo Bolsa Família. Os comentaristas da grande imprensa, sobretudo do grupo Globo, se dividiram em dois grupos:
1°) Alguns criticaram Paulo Guedes pela “falta de brio intelectual e profissional”, para usar as palavras de Eliana Catanhede, ao se submeter aos desmandos do “populismo” de Jair Bolsonaro. A jornalista argumentou que Guedes deveria “se inspirar no exemplo de Mandetta” e deixar o governo.
2°) Outros trataram Guedes como o técnico refém da política. O “teto de gastos” (instituído pela Emenda Constitucional 95/2016, aprovada no governo Temer), seria uma obviedade técnica e a política, com seus interesses mesquinhos, estaria corrompendo essa verdade elementar. Guedes, aqui, é a vítima dos interesses eleitoreiros de Jair Bolsonaro.
Ambos os grupos acionam o velho conceito “populismo” para desqualificar Bolsonaro, tal como já foi feito com Getúlio Vargas, com Juscelino Kubitschek, com Brizola, com Lula. Populista seria o líder que tenta agradar o povo para se manter no poder, ainda que isso signifique a saúde das instituições. O povo que se deixa agradar seria ingênuo, burro, manipulado
Ao tratar o teto de gastos como questão tão somente técnica, matemática, óbvia, os articulistas globais escondem que a matéria é escolha política que, como outra qualquer, atende a interesses específicos.
Qual escolha? Quais interesses?
Daqueles que querem transformar o Estado numa empresa que não pode gastar muito, pois precisa ter recursos disponíveis para financiar operações no mercado financeiro. Trata-se, aqui, dos interesses dos investidores (especuladores) que querem o poder público como avalista, que querem capitalismo sem risco. A principal preocupação do Estado, então, não seria o bem-estar social do seu povo.
A máxima do “Estado mínimo” é falaciosa. Ninguém quer Estado mínimo para si. “Estado mínimo” só para os outros, para os que foram derrotados na disputa política.
O teto de gastos, a austeridade fiscal e todo o receituário neoliberal fazem parte de uma forma específica de pensar as relações entre Estado, sociedade e economia. É política também. Não existe técnica pura e despolitizada.
A mídia hegemônica tenta monopolizar a crítica a Bolsonaro, usando as mesmas estratégias que mobilizou para desestabilizar outros governos. Tenta esconder suas posições políticas, seus interesses específicos, com um vocabulário técnico, pretensamente universal e inquestionável.
“Populista”, “fura teto”.
A crítica a Bolsonaro não deve ser essa, pois não podemos esquecer que o que está em jogo, sempre, é a disputa pelo Estado, pelo controle da riqueza social.
Bolsonaro precisa, urgentemente, ser derrotado, mas não por qualquer adversário. Precisa ser derrotado por um projeto político que não trate Estado como empresa e como avalista da especulação, mas, sim, como agente da civilização, comprometido com o combate à miséria. Como provedor de direitos sociais.