Por Renê Gardim*
Neste sábado, 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação, três palavras se destacaram no noticiário e nas postagens da internet: fome e segurança alimentar. Sem dúvida, a pandemia, que ainda deve levar alguns anos para passar completamente, colocou esses problemas nos holofotes. Para nós, brasileiros, na realidade, recolocou a questão no debate diário.
Mas por que justamente o Brasil, esperança da ONU para garantir a alimentação mundial nos próximos anos, fala em fome e em insegurança alimentar?
Não estamos falando em um debate sobre a oferta de alimentos em países onde a agricultura e a pecuária não produzem o suficiente para seus habitantes. Falamos de milhões de brasileiros que não comem regularmente, que passam fome.
Há duas semanas falei sobre a produção tupiniquim que é capaz de alimentar quatro vezes a nossa população. Mesmo assim, no Dia Mundial da Alimentação, encaramos nossa incapacidade de alimentar cerca de 15 milhões de pessoas. São aquelas que não fazem uma refeição durante dois, três dias na semana.
Se formos incluir quem consegue dar apenas um prato de feijão com farinha para a família chegaremos a quatro, cinco vezes esse número. Afinal, insegurança alimentar vai da alimentação de má qualidade e insuficiente para garantir a nutrição, da inconstância para se conseguir alimentos, até a fome.
Mas não são apenas números, são seres que estão à margem do sistema e, por não terem emprego nem renda, estão impedidos de ter acesso a esses alimentos. Afinal, comida é um ótimo negócio para empresários e investidores. É o famoso Agronegócio, que “gera divisas” para o país, exportando volumes cada vez maiores.
Quero relembrar que o Brasil, de acordo com a Organização Muncial do Comércio (OMC), ocupa o segundo lugar como o maior exportador mundial de alimentos. Produzimos muito, mas vivemos uma crise alimentar sem precedentes.
Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, publicada no primeiro semestre deste ano, portanto, recente, mostra que 59,4% dos brasileiros estão em insegurança alimentar. Ou seja, mais de metade da população não tem acesso adequado aos alimentos.
Mas o Brasil teve uma produção recorde de 268,3 milhões de toneladas de grãos no ano safra 2020/2021, alta de 4,4% na comparação com o período anterior (2019/2020). Para que todos entendam, o ano-safra vai de julho de um ano até julho do ano seguinte.
Somente em 2020, a indústria de alimentos do país registrou aumento de 11,4% nas exportações em comparação com o ano anterior, com faturamento bruto de US$ 38,2 bilhões em vendas ao exterior. Se somarmos o que foi faturado também dentro do Brasil, foram R$ 789,2 bilhões no ano passado, ou 12,8% a mais que em 2019, conquistando o maior Valor Bruto da Produção Agropecuária – VBP da história, algo em torno de R$ 870 bilhões.
Já considerando todo o Agronegócio (dos grandes produtores até a indústria de processamento) as exportações superaram os US$ 100 bilhões em 2020, o que representa quase metade do total das exportações brasileiras. Numa conta simples, o agro nacional exportou R$ 1 milhão por minuto.
Para uma comparação, no ano 2000, os produtos agrícolas – in natura e processados – geraram US$ 21 bilhões. E é disso que estou falando. O sistema vê a agropecuária como um negócio bom e extremamente lucrativo.
E não importa se o mercado brasileiro está abastecido ou se vai sofrer com a carestia – palavra que.foi muito usada durante o período da inflação galopante no país, quando chegamos a registrar 82,39% em um único mês, em abril de 1990. Afinal, como disse Raul Seixas, o dólar deles paga o nosso mingau. Bem, não o nosso, o deles mesmo.
(*) Renê Gardim é jornalista há 36 anos. Atuou na “Folha de Londrina”, “Jornal de Londrina” e RBS. Foi editor de economia e agronegócio no DCI.
2 respostas
Toda vez que leio sobre fome e insegurança alimentar, sinto um soco na cara. Ótima reflexão e análise, Rene.
Texto preciso e necessário