Por Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva
Lula está caminhando para ser o personagem principal das eleições de 2022. Constrói um jogo que o oponente percebe a intenção de cada lance, mas, por algum motivo, não consegue deter. E lá vai Lula, engolindo Ciros e Hucks por onde passa.
A recuperação política de Lula se tornou um sopro de vida para os lulistas fanáticos. Esse é o outro lado da moeda. Se Lula vai cedendo, o movimento dos fanáticos vai em direção contrária. Acontece que esses lulistas fanáticos, dias atrás, achavam que o mundo não tinha mais jeito e tínhamos mergulhado numa tragédia que duraria décadas. Tal pêndulo emocional parece meio estranho.
Do que trata esse pêndulo emocional? Trata-se de falta de equilíbrio para se posicionar frente às adversidades e oportunidades abertas. Com Lula na jogada, os fanáticos acreditam que estamos próximos do paraíso; sem Lula, próximos do inferno. Ora, do ponto de vista político, a história tem a forma de uma elipse: ela parece retornar, mas, na verdade, “volta” em outro patamar de disputa. Na prática, uma força política instiga a outra, de maneira que a vitória parcial recebe logo adiante uma resposta.
Entretanto, lulistas fanáticos não se dão ao direito de imaginar que uma vitória de Lula pode não ser “pura”, mas fruto de negociações com quem eles consideram adversários ou inimigos. Também não toleram acreditar que as vitórias são provisórias. No fundo, há certo fatalismo que os guia.
Esse tipo de postura gera um alerta permanente: críticas à figura de Lula são classificadas como ataque de inimigos e precisam ser rebatidas imediatamente. Essa prática alucinada consome muita energia para a autoafirmação e destrói qualquer foco estratégico.
Aqui, salto para uma segunda situação que gostaria de explorar: a ausência de sabedoria política. Sábio não significa informado ou com conhecimento pleno. Sábio tem relação com bom senso, com prudência. Uma pessoa que tem muito conhecimento pode se perder entre as alternativas. Uma pessoa pode buscar uma informação, mas sem conhecimento não sabe qual a orientação que gerou tal informação. Se perde entre as linhas editoriais de veículos de imprensa distintos. Já o conhecimento de teorias e escolas de pensamento pode revelar o que gerou uma informação. Acontece que você pode ter uma vasta gama de conhecimentos que pode se tornar “cultura inútil”, justamente porque ou ela gera um viés de confirmação (não gera leitura crítica nunca, mas apenas reprise) ou faz com que a pessoa se perca.
A inteligência (ou sabedoria) é escolha. Vem do latim (inter + elegere): significa que dentre várias opções, eu escolho uma. De onde vem o alimento para a escolha? Dos valores morais, das crenças, da sabedoria. E é aí que o fanatismo quica na área.
O lulista fanático se repete. É previsível. Porque ele repete o pêndulo de sempre: ou absolutamente otimista e o dono do mundo, OU absolutamente pessimista e perseguido por uma conspiração irresistível.
Ingressamos, então, na tragédia de Pedro e o Lobo. Muitas vezes, o perigo é real. Mas, Pedro simulou tantas vezes que o lobo estava por perto que chega uma hora que ninguém acredita no seu alerta. Justamente porque falta equilíbrio na leitura do exagerado.
Há várias causas para essa conduta fanática. Uma delas é o estresse pós-traumático da sequência golpista: queda de Dilma, prisão de Lula e eleição de Bolsonaro. Os lulistas fanáticos perderam a capacidade de reagir, a capacidade de resiliência. Desmoronaram.
Mas, há, ainda, um forte rebaixamento da formação política nos últimos anos. Basta retomar os documentos originais produzidos pelo PT e os discursos atuais: a mudança foi radical. Não foi um “aggiornamento”, mas uma mudança de quase 180 graus. Da defesa do socialismo anti-soviético dos anos 1980, o lulismo foi para o social-liberalismo, ou seja, a inclusão social pelo consumo, tendo como foco a expansão do mercado de trabalho, não a inclusão pela política ou pelo direito. O foco passou a ser o mercado, mas com cuidado com o social.
Essa mudança gerou uma alteração profunda no papel da militância no processo de tomada de decisão política do PT: de organismos de base muito atuantes para agitação política para valorização do(s) líder(es). Assim, se insinua um movimento de culto à personalidade. Lembremos: o idólatra não acredita na sua capacidade de atingir seus objetivos e sonhos e transfere para alguém que considera poderosa essa tarefa de realização. Trata-se de uma transferência política. O ídolo passa a ser parte da vida do idólatra: sua derrota é também sua.
Com o movimento de idolatria política, a ação coletiva vai minguando e o poder absoluto do ídolo vai se legitimando progressivamente. A partir daí, o círculo se fecha e o movimento pendular ganha impulso: o termômetro para saber se estamos bem ou não é a projeção do líder.
Chego ao final: é hora do fanatismo ser substituído pela responsabilidade política. Afinal, pelo visto, o lulismo está se consolidando para governar o Brasil a partir de 2023.
O fanático joga a responsabilidade para o ídolo. E se queixa do mundo. O sujeito político, ao contrário, toma para si a reflexão crítica e a ação. Não transfere para outro. Se os lulistas querem que Lula governe o Brasil novamente, precisam assumir suas responsabilidades e voltar a entrar no jogo político.
4 respostas
Este texto dá muita volta e não diz lê com crê….
E parece sintomática a necessidade da mídia de enquadrar o PT e os que defendem o PT, Lula e as esquerdas em geral.
Totalmente falsa esta ideia de que o PT mudou totalmente e se rendeu ao mercado. Isto não é verdade.
Os governos de Lula e Dilma são bem diferentes das ideias do PT e de seus correligionários.
Não entender isso dá neste tipo de texto superficial e equivocado.
Alias, como tem sido quase todos os textos nestes tempos negros e confusos, frutos desta aliança nefasta de partidos políticos corruptos, empresas oportunistas, mídia golpista, milicias e judiciário inescrupulosos.
Dentro do espectro político, as esquerdas, notadamente o PT, PCdoB, PSOL, tem ideias claras. O mesmo não dá para dizer do centro e da direita, que não tem ideias claras, nem projetos consolidados, nem estrutura partidária com penetração popular; Daí que recorrem a golpes de toda espécie para impor suas ideias neoliberais totalmente equivocadas – vide resultados, vide o confronto das promessas com a realidade!
Olha o Bidem aí para dar um revés nesta onda neoliberal que tem levado a destruição dos direitos trabalhistas, dos empregos, da renda e de conceitos mínimos de bem estar social. Isto sem falar na destruição de toda natureza e condições de sustentabilidade.
Um novo mundo é necessário, e este novo mundo esta muito mais bem mapeado e entendido pelos partidos de esquerda.
Enfim, a esquerda aprendeu com os anos. E não se pode dizer o mesmo do centro e da direita, que continuam praticando políticas (e golpes) lá dos idos dos anos 60…
O PT/PCdoB/PSOL evoluíram, mas é um erro associar a uma mudança radical.
A esquerda ganha em 2022 porque aprendeu e evoloiu.
Quem apoiou o golpe só terá chances, lá por 2030 se evoluir!
Esse papo de jornalistas livres já é conhecido, não existe tal aparato, todo jornalista é um cidadão e, sendo assim tem uma tendência ou preferência política. Não existe lulismo, o que existe é uma força progressiva, contra o que de pior o Brasil já pode testemunhar, o tal bolsonarismo que ascendeu em um pós golpe as eleições de 2014 que teve uma resistencia dos conservadores desta colônia capitalista periférica, para preservar seus privilégios ameaçados por uma agenda política de adicionar os descapitalizados na planílha de custos oficial do país. Vejo que este jornalismo livre, tem um lado, que é o da crítica contra esta força que se move contra o demonismo travestido de cristão com apoio dos mesmos. As instituições que deveriam preservar a democracia, como Parlamento, Senado, Judiciário e forças armadas foram cúmplices desse desastre político que afeta toda uma nação, dividida entre um delírio cognitivo bolsorarista classista, que apostou em um discurso racista, homofóbico etc, com o arrejimento de uma mídia “moralista” em prol de seus privilégios econômicos.
Artigo excelente! É como se o autor tivesse descortinado uma avaliação que só existia na minha percepção.