Grafite também é coisa de viado: a presença dos artistas LGBTQI+ na arte urbana

No Dia Nacional do Grafite, representatividade de gênero é resistência nas ruas
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Mural A Arte Resiste, 2017 - Imagem: Devir Produções

Ontem, 27 de Março foi comemorado o dia nacional do grafite. A data homenageia Alex Vallauri, grafiteiro, artista plástico, pintor, desenhista, cenógrafo e pioneiro na arte urbana da cidade de São Paulo. Vallauri, apesar do “apagamento” dessas informações em pesquisas que permeiam sua história, era um homem gay.

Há quem acredite que a orientação sexual dos artistas, bem como suas opiniões políticas, devem ser desassociadas de suas obras, mas a falta dessas referências colaboram com a propagação de uma não representatividade e por consequência o achismo da não possibilidade de ocupação de alguns espaços. Além disso, nos tempos em que o presidente da república externaliza para quem quiser ouvir o orgulho de ser homofóbico e reproduz discursos em tons pejorativos, como “usar máscara é coisa de viado” por exemplo, falar sobre representatividade, além de importante, parece também urgente.

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Mural A Arte Resiste, 2017 – Imagem: Devir Produções

A arte (incluindo o grafite), apesar de um substantivo feminino, nos é apresentada por uma perspectiva heteronormativa, isso porque nossa contrução do social é pautada por esse ponto de vista, como coloca a doutora em Ciências Humanas e Educação e pesquisadora na área de Estudos de Gênero e Sexualidades, Rachel Pulcino, pontuando que

Um currículo heteronormativo é um currículo que reproduz as desigualdades de gênero e sexuais. Logo, refere-se a uma estrutura escolar que opera na reprodução e manutenção das hierarquias de gênero. Sendo que essa reprodução pode ser de forma consciente, quando a escola – como instituição – fecha às possibilidades de debate e reafirma o lugar das Sexualidades LGBTQIA+ como algo negativo ou impossível de ser discutido. Dessa forma, a falta de debate sobre outras experiências contribui para marginalização dessas sexualidades, elas acabam ficando colocadas no lugar do não dito, das experiências que não podem ser nomeadas e, com isso, sem discussão, sem conhecer acabamos gerando a continuidade de uma lógica de silenciamento e de preconceitos“.

Segundo o Artnet, portal especialista no mercado da arte, em 2017 as mulheres representavam apenas 2% do mercado mundial. E quando se pensa na comunidade LGBTQI+ esse número pode ser ainda menor.

Pati Rigon, multiartista interssexo e bissexual, afirma que a representatividade LBGTQIA+ no grafite é muito baixa e que quando iniciou não tinha referências de outros artistas da comunidade na arte urbana.

Se a presença de mulheres grafiteiras já é rara comparada à presença masculina, imagine então a presença LGBTQI+. O mundo do graffiti ainda é um mundo dominado por homens, e não tenha dúvidas que em muitos casos o machismo é ativo e forte para colaborar com essa dominância.  As ruas, onde a arte urbana nasce, nunca foram um ambiente seguro, estimulante, receptivo e acolhedor para mulheres e LGBTQI+s.”.

Rigon é responsável, ao lado de Renan Santos e com curadoria da Insta Grafite, pelo mural A Arte Resiste (foto), homenageando artistas e ativistas do movimento LGBTQI+ em uma empena cega no centro de São Paulo até 2019, quando o contrato da marca com o prédio chegou ao fim. Questionade sobre a importância de se colocar como artista LGBTQI+, multiartista defende:

A presença LGBTQI+ no cenário cultural contemporâneo é fundamental para quebrarmos velhos preconceitos e tabus empoeirados, para levantarmos novos diálogos e para caminharmos pra além da cis-heteronormatividade, abrindo espaço para que cada vez mais pessoas, em toda a pluralidade humana, sintam seus corpos e suas existências sendo retratadas e representadas de forma digna”.

Outro artista conhecido da cena brasileira é Rafael Suriani, que ganhou notoriedade mundial por espalhar desenhos de drag queens pela cidade de Paris em 2014. Já em Portugal, desde 2019, existe o projeto Bixa Pixa, um grito de provocação dos artistas LGBTQI+ da cidade de Lisboa pela falta de representações com essa temática nas ruas da cidade. 

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Rafael Suriani em Paris (acervo pessoal do artista)

E engana-se quem acha que Vallauri era o único artista da comunidade LGBTQI+ em sua época. O brasileiro Hudinilson Jr, amigo de  Vallauri, e o Nova-iorkino Keith Haring, eram outros artistas que, além de LGBTS, também traziam em suas obras abordagens homoeróticas. O que exigia muita coragem nos tempos em que o regime ditatorial e a falta de liberdade de expressão faziam parte da realidade. Atualmente, além de ser o homenageado no dia do Grafite, Allex Vallauri pode dar título ao projeto de lei 379/2020, idealizado por Fernanda Bueno e Kleber Pagú, que objetiva reconhecer a cidade de São Paulo como grande galeria de arte a céu aberto e que segue em tramitação na câmara. O PL dialoga diretamente com a ideia de arte para todos do grafiteiro, que se hoje fosse vivo, sem dúvida nenhuma, defenderia uma arte para TODES.

Texto: Willian Dantas, especial para os Jornalistas Livres

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Grafite. Para conhecer o trabalho dos artistas mencionados

https://www.instagram.com/patrickrigon/

https://www.instagram.com/surianiart/

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