500 dias de isolamento: meus 5 pedaços de entretenimento da quarentena, por Gabriel Previtale

500 dias de isolamento 2
Da esquerda para a direita: "WandaVision", Ariana Grande, "Estou Pensando em Acabar com Tudo", "O Escolar" e Agatha Christie

Estamos completando 500 dias de isolamento – ou quase isso.

No próximo dia 24 de julho, a primeira medida de distanciamento social motivada pela pandemia da covid-19 no Brasil (implementada no Distrito Federal, em 11 de março de 2020) faz aniversário de 500 dias. Foi um período marcado, literalmente, por centenas de milhares de tragédias – o luto pelas vidas que perdemos e, por baixo dele, o luto pela vida (no singular, a nossa) que deixamos de viver.

Na reclusão, e em meio às mil preocupações, o entretenimento se tornou mais fundamental do que nunca. Como escape, como espelho, como ferramenta de construir e destruir barreiras, como forma de seguir tendo contato com a humanidade. Ver, ler, ouvir ou jogar o que outras pessoas fizeram é absorver um pouco de quem elas são e integrar esse pedacinho a nós, afinal.

Por isso, o Jornalistas Livres reuniu um time de cinco colaboradores que trarão, a cada dez dias até o fatídico aniversário de “quinhentão” da quarentena, uma lista de cinco pedaços de entretenimento que os ajudaram a encarar esse período de alguma forma, da mais simples à mais profunda. Pode ser que essas escolhas sejam as suas também, ou pode ser que elas sejam as dicas que te carregarão pelos próximos dias até a almejada vacinação.

Hoje, enquanto completamos 470 dias de isolamento, seguimos o projeto com a segunda lista, elaborada e escrita pelo Gabriel Previtale (Instagram: @gabrietale), redator e repórter do JTV – Jornal Terceira Visão de Valinhos (SP).

Veja o primeiro post desta série aqui.

WandaVision (2021)

Assista no Disney+.

Quem não quis inventar uma realidade alternativa para poder viver os últimos meses de uma outra forma? A minissérie de 9 episódios do Disney+, criada por Jac Schaeffer e lançada em janeiro de 2021, trouxe para mim, além de diversão e nostalgia, uma reflexão: quando as coisas não acontecem como a gente quer, é possível modificá-las? 

Ambientada no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês), acompanhar o desenvolvimento e o crescimento da Wanda Maximoff em relação aos acontecimentos à sua volta é satisfatório, embora triste. Modificar não é resolver. 

Em meio às batalhas do casal principal, Wanda e Visão, o surgimento de personagens da Marvel aguardados pelo público, e as perdas inevitáveis, eu nunca achei que a minissérie iria me emocionar por um sentimento tão presente (e até pesado) em nosso país: o luto. Embora haja ação e magia, combinação mais do que suficiente para mim, o trajeto que Wanda percorre até a aceitação é difícil. Não difícil de assistir, mas difícil de aceitar com ela. O episódio 8, em especial, me mostrou que eu não estava assistindo a apenas uma história de pessoas com poderes – nele, a frase que marcou os fãs da série, escrita por Laura Donnie, saiu de um diálogo do casal após a perda do irmão de Wanda, Pietro. Quando ela conta que está se sentindo triste e vazia, Visão questiona: “O que é o luto, senão o amor que perdura?”.

ariana grande: excuse me, i love you (2020)

Assista na Netflix.

Em dezembro de 2020, dia 21, estreou na Netflix excuse me, i love you, o filme/documentário do show da Ariana Grande na Sweetener Tour, sua última turnê antes da pandemia. Dentre as 101 apresentações, o projeto foca na performance realizada na O2, em Londres, em 2019. Ainda há registros do making off, ensaios, diálogos, convivência com funcionários e dançarinos da tour.

Acredito que a Ariana Grande tenha feito parte do isolamento de muitos – afinal, ela lança trabalho atrás de trabalho, inclusive uma faixa com tema (mais ou menos) promovendo o isolamento social, “Stuck with U”, em parceria suspeita, com Justin Bieber. Mas, para os fãs, este documentário da Netflix foi um grande presente de natal, porque apesar da Ariana estar sempre em alta com seus hits, pouco se sabe e se vê da produção e até da vida pessoal da cantora (que se casou recentemente em segredo).

Os vocais estão impecáveis, e o filme tem um ritmo muito legal, intercalando entre as canções e as cenas dos bastidores. Vale a pena para quem quiser ver uma verdadeira aula de belting e melismas, com alguém que domina a própria voz e também a interação com o público, o que é muito fofo de assistir.

Estou Pensando em Acabar com Tudo (2020)

Assista na Netflix.

Um filme (bem subjetivo) do diretor e roteirista Charlie Kaufman na Netflix, Estou Pensando em Acabar com Tudo foi um filme que me prendeu pela premissa, de ser algo esquisito, inquietante e com ideias não tradicionais sobre o tempo. Não vou dizer que adorei, mas sua proposta me fez pensar. Filmes que mexem com tempo-espaço geralmente têm a minha atenção. Escolhi este título porque, nesses tempos de isolamento, o tempo foi um elemento variável para mim, e também acho que ele não tenha passado igual para todos.

O filme trata basicamente de uma pequena viagem situacional: nova namorada conhecendo os pais do namorado no interior. Porém, desde o primeiro minuto, no primeiro diálogo, você consegue perceber a estranheza, embora muito sutil às vezes, quase um desconforto (e o pior, sem saber de onde ele está vindo). É um longa que brinca com a sua percepção e faz você duvidar dos seus próprios pensamentos – como quando Jake (o namorado) a cada momento do filme chama a protagonista por um nome,  e acaba que você não sabe se ele errou ou você que não se lembra. São quebras de tempo não sequenciais que são lançadas no decorrer da história. Vale lembrar que este filme não explica, ele propõe. 

Vincent Van Gogh – “O Escolar (O Filho do Carteiro)” (1888)

500 dias de isolamento

No final de dezembro de 1888, van Gogh disse ao irmão, Theo: “Fiz os retratos de toda uma família, a família do carteiro, de quem antes eu já havia feito o rosto – o homem, sua esposa, o bebê, o garoto e o filho de 16 anos, franceses, com certo ar de russos’. O modelo de “O Escolar” (1888), era um garoto chamado Camille Roulin e era filho de Joseph Roulin, o carteiro de Arles, no sul da França, um dos poucos amigos do pintor na cidade. 

Bom, o que isso tem a ver comigo e com o isolamento social advindo da pandemia? Algo na disposição de cores deste quadro sempre me desagradou. Foi então que, analisando, eu percebi que Vicent teria usado uma técnica que muitos usam, do contraste simultâneo entre cores complementares, obtidas pela justaposição de cores primárias (amarelo, vermelho e azul) e secundárias (laranja, verde e violeta). Curioso que ele não tenha usado esta técnica nos outros retratos da mesma família. 

Na obra “O Escolar”, o fundo é dividido em duas etapas: a metade inferior, laranja, está em contraste com a roupa azul; a metade superior, vermelha, contrasta com o rosto esverdeado do menino.  Pouco tempo depois, van Gogh cortou sua orelha, e pintou um auto retrato utilizando da mesma técnica, e das mesmas cores. O que me faz pensar que em momentos difíceis, de crise, o pintor manteve seu trabalho eloquente, com sentido (até técnico). Quando se precisa produzir em meio a surtos do cotidiano, talvez um bom truque seja utilizar de técnicas que você já conhece e aplica. Lúcido, mesmo em crise. 

Agatha Christie – “Punição Para a Inocência” (1958)

500 dias de isolamento

Para finalizar a lista, eu pensei em indicar algum livro de poesia, mas uma coisa que tem me feito muita companhia nesses últimos tempos foram mistérios, seja em livros ou filmes. Desta vez, selecionei Punição Para a Inocência, livro lançado há 62 anos mais ou menos, que trata de uma família que tem uma mãe assassinada, o filho condenado por matricídio, que depois morre na prisão jurando ser inocente. Muitos anos depois, a família batalhando para recomeçar, um sujeito aparece e conta que o filho era de fato inocente e ele sempre foi o álibi que poderia ter salvado o outro personagem.

Como se já não fosse intrigante o suficiente, a história é bem marcante pelos personagens – são personalidades muito diferentes, muito intensas, onde a autora pode colocar a suspeita sobre cada um. Alguns membros da família são bem detestáveis, todos são meio loucos, mas o mais importante é que ninguém é excesso nessa história. Todo mundo está ali por alguma razão (a maioria para ser odiado, confesso). Uma família meio desequilibrada, com amor e carinho envolvido, onde qualquer um pode ser o assassino.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?

110 anos de Carolina Maria de Jesus

O Café com Muriçoca de hoje celebra os 110 anos de nascimento da grande escritora Carolina Maria de Jesus e faz a seguinte pergunta: o que vocês diriam a ela?

Quem vê corpo não vê coração. Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental na classe trabalhadora.

Desigualdade social e doença mental

Quem vê corpo não vê coração.
Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental. Sobre como a população pobre brasileira vem sofrendo com a fome, a má distribuição de renda e os efeitos disso tudo em nossa saúde.

Cultura não é perfumaria

Cultura não é vagabundagem

No extinto Reino de Internetlândia, então dividido em castas, gente fazedora de arte e tratadas como vagabundas, decidem entrar em greve.

Macetando e nocegando no apocalipse

Macetando e nocegando

O Café com Muriçoca de hoje volta ao extinto Reino de Internetlândia e descobre que foi macetando e nocegando que boa parte do povo, afinal, sobreviveu ao apocalipse.