PF tenta incriminar reitor suicidado para justificar suas barbaridades. UFSC apanha calada

Protestos se "tornaram apenas isso: protestos. Sem atos e medidas concretas contra o arbítrio"

Intimidada e aterrorizada pelos abusos de poder que se sucederam à prisão, banimento e consequente suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, a Universidade Federal de Santa Catarina não consegue reagir aos ataques da Polícia Federal e Corregedoria Geral da União tentando produzir provas para incriminar o reitor morto. Professores continuam banidos da universidade e a reputação do reitor continua sendo achincalhada pelas forças de repressão, sem que haja uma contraofensiva à altura. A recente exoneração do pivô da operação “Ouvidos Moucos”, o corregedor Rodolfo Hickel do Prado, assinada pelo reitor pro tempore Ubaldo Balthazar e referendada pelo Conselho Universitário, chegou tarde. Protestos de grupos, como o Floripa Contra o Estado de Exceção, não se transformam em ações criminais concretas por abuso de poder.

Esse quadro de letargia é apresentado pelo jornalista Marcelo Auler, em longo trabalho de investigação reproduzido aqui com textos, fotos e imagens publicados no seu blog e site. Na parte mais incisiva da reportagem, o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade afirma que a universidade teria documentos, argumentos e razões de sobra para entrar com ação criminal contra o Estado pelo banimento do reitor e pela violação dos seus direitos jurídicos constitucionais: “Provas contra o Cancellier, só se eles inventarem. É até humano que agora eles tentem apresentar provas para justificar a bobagem que fizeram“, afirma o desembargador ao jornalista. (Raquel Wandelli)

UFSC, na defensiva, apanha calada

Por Marcelo Auler (http://marceloauler.com.br/ufsc-na-defensiva-apanha-calada/)

No próximo dia 26, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),  alvo de uma operação policial em 14 de setembro que acabou provocando o suicídio do seu então reitor,  Luis Carlos Cancellier de Olivo (Cau, entre os amigos), começará seu período letivo de 2018. Terá ainda quatro de seus docentes impedidos de ingressar no Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Florianópolis. Impedimento gerado por um pedido da Polícia Federal na “Operação Ouvidos Moucos” e concedido pela juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Federal de Florianópolis, após a concordância do procurador da República André Bertuol.

Os quatro, assim como outros dois servidores, são alvos no Inquérito Policial 5018469-32.2016.4.04.7200, ajuizado naquela Vara Federal. A investigação, cinco meses após a Operação, não teve até agora indiciamentos. Tampouco apresentou em público – como ocorreu com as acusações formuladas na coletiva no dia em que a Operação foi deflagrada – algum relatório que comprove os possíveis crimes apontados: desvio de verbas, através do pagamento de bolsas indevidas, inclusive a pessoas sem vínculos com a UFSC, despesas indevidas com viagens e o aluguel de carros a preços superfaturados. Tudo girando em torno dos cursos do Ensino a Distância (EaD).

Desembargador Lédio Rosa: “Provas contra o Cancelier só se eles inventarem”. Foto: reprodução do Youtube

A mais pesada, porém, foi a acusação de que o então reitor, Cancellier, tentava obstruir a apuração interna na UFSC. Motivo da sua prisão vexatória, do seu banimento do campus e, consequentemente, do seu suicídio, no dia 2 de outubro, humilhado e arrasado. No bolso o bilhete (veja na ilustração) que explicava a decisão de dar fim à vida jogando-se do 7º pavimento do Beiramar Shopping, em Florianópolis.

Foi, na definição de Nilson Lage, professor aposentado da UFRJ e ex-professor da UFSC, um “show de boçalidade sem pé nem cabeça, encenado por dezenas de rapazes fantasiados com  balaclavas e portando armas automáticas para prender espantadíssimos professores em pacífico centro acadêmico – sem aviso prévio ou convite para depor“.

Algo totalmente inusitado, por piores que tenham sido os “crimes” cometidos ali dentro. Não se tratava de um bando de marginais perigosos a merecer o tratamento dispensado pelas polícias a grupos armados.

Oficialmente nada se sabe sobre o andar da “investigação” que parece longe de ser concluída. Em janeiro, a delegada Erika Mialik Marena, responsável pelo caso e que poderá deixá-lo se realmente for promovida a superintendente do Departamento de Polícia Federal (DPF) em Sergipe, pediu prorrogação de prazo para continuar as investigações.

Neste sábado, 10/02, reportagem da Folha de S. Paulo – Mensagens indicam que reitor da UFSC foi avisado de operação sigilosa da PF – insinua que o reitor tinha sido avisado da Operação quatro meses antes, através de mensagens que recebeu em 2 de maio e 8 de julho.

Uma informação que se choca com a própria decisão da juíza Janaína. Como noticiamos em 15 de outubro na reportagem Suicídio do reitor: “Agora, é claro, não aparecerá responsável”., ela admitiu ter demorado 50 dias para autorizar os pedidos da delegada Erika. Tal autorização só ocorreu em 28 de agosto passado.

A delegada, por sua vez, demorou mais 16 dias para deflagrar a Operação Ouvidos Moucos, o que fez em 14 de setembro. Logo, nas datas anunciadas pelo jornal o pedido da Polícia Federal nem tinha chegado ainda ao juízo. Foi protocolado em 10 de julho. Dependia de uma manifestação do Ministério Público Federal (MPF).

Ou seja, não havia operação definida. Apenas um manifestação pela sua realização, ajuizada dois dias depois da última mensagem recebida por Cancellier. Mensagem esta que, como se verá adiante, não versava sobre a Operação em si.

O Blog, ao estar em Florianópolis (SC), em 18 de janeiro, solicitou ao juízo da 1ª Vara Federal vista do Inquérito. Pretendia checar datas e obter detalhes da investigação. O pedido, porém, foi negado. A resposta nos chegou após o retorno da viagem.

A informação divulgada pela Folha neste sábado, porém, pode se encaixar no que previu o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Lédio Rosa de Andrade, professor da UFSC e amigo de Cancellier.

Ao conversar com o Blog na mesma semana de janeiro que estivemos em Florianópolis, ele admitiu que depois da desastrada operação policial se tentaria justificá-la buscando indícios contra o reitor:

Provas contra o Cancellier, só se eles inventarem. É até humano que agora eles tentem apresentar provas para justificar a bobagem que fizeram“.

O curioso é que desde que a “Operação Ouvidos Moucos” foi deflagrada, em setembro, a UFSC quedou-se em silêncio. Suas manifestações limitaram-se à divulgação de duas Notas Oficiais no dia da Operação – veja aqui e aqui -, nas quais, em momento algum protestou contra a ação da polícia em si e as prisões, incluindo a do reitor.

Tampouco a reitoria ou qualquer dos Centros de Ensino (Faculdades) se preocupou em vir a público esclarecer as acusações que pesam sobre as despesas nos cursos de Ensino a Distância (EaD). Calou-se, por exemplo, quando a Polícia Federal, erroneamente, divulgou como valor do desvio R$ 80 milhões quando, na verdade, isto se refere ao gasto em Educação a Distância (EaD) em todo o país.

Talvez ninguém possa afirmar que não tenham ocorrido desvios ou que algum dos servidores da UFSC não tenha responsabilidade nos casos descritos. Afinal, o próprio conceito de “desvio” é relativizado pelo excesso de rigor contábil da administração pública. Não raro funciona o “jeitinho brasileiro” com medidas não ortodoxas nas prestações de contas, que possam ser consideradas erros contábeis. Nem sempre, porém, correspondem a desvios ou “ganhos pessoais”.

Trechos do relatório inicial da Polícia Federal que fala de gastos dirigidos com alugueis de carro. (Foto editada)

No caso da UFSC, segundo dados do próprio relatório da PF, os repasses federais para o Ensino a Distância (EaD), entre dezembro de 2008 e agosto de 2014, somaram R$ 8.526.080,00. Atualizados para 2017, significavam R$ 11.927.422,20.

Os R$ 8,5 milhões, porém, segundo o relatório policial, atingiram R$ 10.226.880,76 ao se acrescentar valores repassados pelo contrato 331/2009, de setembro de 2009 – R$ 1.700.800,76 -, que não estariam contabilizados nas informações da UFSC à Controladoria Geral da União (CGU).

O que se depreende destas informações é que todos os contratos foram assinados em gestões anteriores ao do reitor Cancellier.

Há, no entanto, acusações pesadas contra a Universidade e a Fundação de Amparo a Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU como os gastos superfaturados e/ou indevidos, segundo relatório da Polícia Federal, dirigidos a determinados grupos de empresas, na contratações de viagens para professores, dentro do Programa de EaD. Nenhuma das acusações mereceu explicações públicas por parte da reitoria.

No relatório da PF aparecem possíveis “laranjas” como recebedores de bolsas que na verdade existem e realmente tutoraram turmas do EaD

Da mesma forma no ponto em que fala sobre alugueis de carros, com motoristas, usados na condução de professores para ministrar os cursos em outros municípios. Segundo os dados apresentados pela Polícia Federal, com base nas informações prestadas pela Corregedoria Geral da União, as contratações teriam sido direcionadas para beneficiar grupos de empresas ligadas entre si. A principal delas seria a S.A Tour Viagens e Turismo Ltda., de propriedade de Murilo da Costa Silva.

Fatos que poderiam ser devidamente esclarecidos. Mas a UFSC e a FAPEU se mantiveram silenciosas, sem quaisquer explicações sobre tais despesas. Alegaram em determinados momentos o sigilo do processo. Esqueceram que se a investigação é sigilosa, as denúncias foram tornadas públicas, em vários oportunidades e lançaram dúvidas sobre a gestão pública na Universidade.

Discriminação ao carteiro e à armazenista

Também não vieram a público explicar outra denúncia, aparentemente, infundada. Relaciona-se aos pagamentos de bolsas a pessoas que teriam funcionado como tutores das turmas do EaD, em especial no interior dos estados do Sul.

O relatório da polícia, que se embasou nas informações da CGU, destaca “o fato de haver indícios de que muitos bolsistas indicados pela UFSC para atuarem como tutores podem não preencher os critérios estabelecidos pela legislação para percepção de bolsa no âmbito da UAB. São beneficiários para os quais, após consulta na base da RAIS (período de abrangência da consulta: 01/01/2004 a 31/12/2015), não se identifica experiência formal no magistério (ensino básico ou superior)”.

O relatório conclui:

“Há, inclusive, casos de beneficiários de bolsas para os quais a última ocupação registrada na base RAIS (exercício 2015) aparenta ser incompatível à função de tutor, tais como: “carteiro”, “motorista de carro de passeio”, “atendente de agência”, “operador de telemarketing técnico” e “digitador”.”

RAIS é a Relação Anual de Informações Sociais mantida nos arquivos do Ministério da Previdência. Ela contém dados de todo o cidadão que um dia teve carteira de trabalho assinada ou foi servidor público. Os registros de trabalho são atualizados anualmente com as informações repassadas pelas empresas e órgãos governamentais. Mas, ali, normalmente constam profissões ou funções que foram exercidas quando de um primeiro contrato. Estas, nem sempre são atualizadas.

De fato, como se comprova na relação de nomes, nas informações que a PF colheu do RAIS há diversos tipos profissionais entre as pessoas contratados como tutores. Porém, se a CGU e/ou a PF os procurasse(m) antes de realizar a Operação Ouvido Moucos, poderia(m) encontrar explicações razoáveis. O Blog conversou, por telefone, com duas destas pessoas.

Elimar André Camargo Drey, gaúcho de 46 anos, aparece na lista de tutores. No RAIS estava empregado na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) como carteiro. Profissão que realmente exerceu em Carazinho, no Oeste do Rio Grande do Sul, até outubro de 2017. Já trabalhou também, entre 1991 e 1995, na Brigada Militar gaúcha.

Mas foi com base na sua formação universitária e na pós-graduação em ciências contábeis que se inscreveu no Edital publicado pela FAPEU, conquistando uma vaga de “tutor”. Exerceu esta atividade entre 2010 e 2015. Neste último ano faturou R$ 9.180,00.

Somente depois da Operação Ouvidos Moucos realizada é que ele foi chamado à Polícia Federal de Passo Fundos (RS) para ser ouvido. Explicou que na época em que se candidatou o edital exigia a graduação e pós-graduação. Não havia a condição de experiência como professor, como parece constar atualmente, conforme se depreende do relatório da PF. A formação exigida ele a tem, em Ciências Contábeis, pela Uninter – Centro Universitário Internacional, uma faculdade com cursos a distância, sediada em Curitiba (PR).

Trabalhei durante cinco anos naquilo que a minha formação admitia. A turma se formou e o curso acabou também. A Universidade não deu mais este curso“, explicou ao Blog.

No link da turma de Ciências Contábeis cuja formatura será dia 22 de fevereiro, a homenagem à “armazenista”, na definição da Polícia Federal.

O valor de sua bolsa era de R$ 765 mensais. Por 12 meses, portanto, equivalia aos R$ 9.180 apontados no relatório da CGU e da Polícia como possível pagamento indevido.

Em uma visita à sua página de Facebook facilmente se encontra fotos de uma das turmas que tutorou. Ele, porém, não permitiu a republicação sem a devida autorização dos alunos.

Em igual situação se encontra Daiana Mattos da Silva, 38 anos, gaúcha de Sapucaia do Sul, que o relatório da Polícia Federal, tendo por base apenas o RAIS, aponta como “armazenista”. Profissão certamente relacionada a algum trabalho no passado, já que seu primeiro emprego foi aos 20 anos.

Formada em Ciências Contábeis, com pós-graduação na mesma cadeira, ela hoje mantém um escritório de contabilidade em Sapucaia do Sul (RS). Ali, tutorou turmas do EaD, em 2017, no curso mantido pela UFSC . Por estes cursos da Universidade Aberta, segundo dados da própria prefeitura da cidade, passaram mais de 1.280 moradores do município, de 2008 até o ano passado.

A turma onde Daiana ministra aulas continuava em atividade no ano passado. A formatura está marcada para o próximo dia 22 como se confere na página criada pelos formandos. No convite consta que Diana, a “armazenista”, na definição da Polícia Federal, é um das mestras homenageada como “tutora presencial”.

Tal como aconteceu com o “carteiro”, a “armazenista” – nas definições que Polícia Federal usou com base em registros antigos – preencheu os requisitos do edital para tutores. Ficou na quarta posição, graças à pós-graduação. Foi chamada quando os três colocados à sua frente não puderam realizar o trabalho. Mais uma vez, não houve pagamentos indevidos.

São apenas dois exemplos de uma lista de 140 nomes. Não significa que entre os demais não possa haver casos de “tutores” não devidamente capacitados, como diz a polícia. Mas os dois casos que o Blog conferiu demonstram que uma checagem anterior poderia mostrar aos “investigadores” que é possível sim “carteiros” e “armazenistas” estarem capacitados para tutorarem turmas, já que com formação para tal. Faltou, na verdade, investigação mais detalhada.

Curioso é a UFSC manter-se silenciosa mesmo possuindo exemplo claros que lhe serviriam para rebater algumas das acusações feitas. São comentados apenas em conversas com jornalistas, quando deveriam ter sido expostos publicamente, demonstrando o equivoco – que alguns podem considerar má fé – dos investigadores.

Divergências quanto ao “banimento”

Um silêncio que se mantém, por exemplo, diante dos seus professores e servidores mantidos afastados do campus. Após cinco meses não foram apresentados quaisquer comprovação dos indícios iniciais de envolvimento nas irregularidades apontadas.

Apesar disso, a UFSC, talvez por receio, não tomou nenhuma atitude para as suas reintegrações, mesmo estando prestes a iniciar um novo ano letivo. Eles permanecem “banidos”, como definiu o reitor no bilhete escrito antes de se matar. Mas, recebendo os salários. Um deles até tentou reverter esse quadro.

O professor Eduardo Lobo buscou judicialmente sua reintegração ao corpo docente da UFSC. Inicialmente junto a 1ª Vara Federal de Florianópolis, em 26 de outubro. Diante da demora na apreciação do pedido, impetrou um Mandado de Segurança no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em 12 de dezembro. Este perdeu o objetivo quando a juíza Janaina Cassol Machado, em 18 de dezembro, rejeitou a reintegração.

A defesa de Lobo recorreu então a um Habeas Corpus no TRF-4 – HC 5073060-73.2017.4.04.0000 – questionando, diversos pontos das acusações apresentadas no início da Operação, inclusive a denúncia feita pela professora Taísa Dias de que Lobo a pressionou. No HC, sua defesa questionou:

“1. Qual o crime (classificação jurídica) específico pelo qual está sendo investigado o paciente? 

2. Qual o fato definido como crime no ordenamento jurídico está contido no trecho extraído do depoimento de Taísa Dias? 

3. Qual o elemento concreto que demonstra algum envolvimento de Eduardo Lobo com o fato objeto da investigação? 

4. Qual a necessidade de se manter Eduardo Lobo afastado de suas funções? 

5. O que se está acautelando neste momento, considerando que as diligências na UFSC já foram cumpridas em sua integralidade e não há informação de testemunhas sendo “intimadas” pelos investigados?”.

Também alegou “constrangimento ilegal por excesso de prazo, pois todas as apreensões foram finalizadas em 13/10/2017, e decorridos mais de cem dias nenhuma diligência complementar foi requerida, o que acarreta ao paciente e sua família injusto e grave sofrimento de ordem psicológica e moral, acrescentando que a manutenção das cautelares causam, também, prejuízo a terceiros, especialmente alunos do mestrado e doutorado“.

Ao negar a liminar em longo despacho, a desembargadora Salise Monteiro Sanchotene preferiu aguardar informações do juízo onde tramita o inquérito e a manifestação do MPF sobre o pedido, como expôs ao final da decisão:

“(,,,) embora ponderáveis os argumentos da defesa, ausente ilegalidade na manutenção das cautelares impostas, reputo indispensável aguardar as informações a serem prestadas pela autoridade impetrada e o parecer do Ministério Público Federal, podendo o feito aguardar a breve solução de mérito a ser tomada em julgamento definitivo pelo Colegiado”

Em socorro do pleito da defesa de Lobo surgiu uma manifestação do técnico da Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Karlon Joel Fiorini. Como noticiou O Globo, na última terça-feira (06/02) – Parecer do TCU defende volta de professores da UFSC – após analisar todo o caso, Fiorini, em relatório anexado ao  processo 023.418/2017-6, sugeriu ao ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo naquela corte de contas, o retorno dos afastados ao seus cargos.

Segundo narra a reportagem, no documento o técnico argumenta não haver mais motivos administrativos para o afastamento dos professores, já que a auditoria foi concluída.

O mesmo técnico sugere ao relator a abertura de uma investigação específica a respeito dos gastos da Universidade com o aluguel de carros. Em seu último despacho, proferido no mesmo dia 06/02, o ministro determinou a intimação dos envolvidos para apresentarem defesa nos autos.

O demorado afastamento do corregedor

O ex-corregedor Rodolfo Hickel do Prado (Foto: Henrique Almeida/UFSC)

Tudo isso, porém, tem passado ao largo da reitoria da UFSC e do reitor pro tempore Ubaldo Cesar Balthazar. Ele assumiu o comando da universidade após o afastamento, por problemas de saúde, da vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdmann. No dia do suicídio de Cancellier, ela se encontrava no exterior. Por isso, respondeu interinamente pelo cargo o decano dos pró-reitores, Rogério Cid Bastos, até a volta da vice-reitora.

Alacoque, em 23 de outubro, dias antes de pedir o afastamento para tratamento de sua saúde, teria sido pressionada pelo superintendente regional da CGU, Orlando Vieira de Castro, e o procurador da República Bertuol a revogar o afastamento do corregedor-geral da UFSC,  Rodolfo Hickel do Prado.

Ele é da Advocacia-Geral da União em Santa Catarina e foi colocado como coordenador da Corregedoria da UFSC dias antes de Cancellier assumir como reitor.

Tornou-se desafeto do reitor Cancellier – mas não apenas dele. Prado foi quem levou à Polícia Federal a informação de que o então reitor estaria tentando obstruir a investigação administrativa em torno das irregularidades que a Operação Ouvido Moucos passou a também investigar.

O afastamento do corregedor tinha começado ainda quando Cancellier estava vivo e determinou a abertura de um Processo Administrativo contra o mesmo. Respaldou-se em denúncias feitas por outro professor da Universidade, Gerson Rizzatti. O afastamento, porém, só viria a ocorrer após a morte do reitor. Foi um ato do seu chefe de gabinete, Áureo Moraes.

Ao revogá-lo, segundo Moraes, “submetendo-se à pressão” de Castro e Bertuol, a vice-reitora gerou uma crise interna, com o pedido de afastamento do próprio chefe de gabinete e de outros vice-reitores. A licença médica de Alacoque ajudou a contornar a crise. Desde então Balthazar assumiu a reitoria, pro tempore.

Prado também saiu de licença médica por dois meses, emendando o afastamento com um pedido de férias. Retornou à UFSC nesta semana, quando soube que não mais responderia pela coordenação da Corregedoria da UFSC.

Através de uma Mandado de Segurança – 5024507-26.2017.4.04.7200 – distribuído à 3ª Vara Federal, tentou impedir sua demissão do cargo de chefia. Não encontrou acolhida do juiz Diógenes Tarcísio Marcelino Teixeira. Este, ao negar a liminar pedida deixou claro:

“(…) ainda que o impetrante tenha alegado que está sofrendo retaliações do grupo político que atualmente dirige aquela universidade, não foram trazidos aos autos elementos que justifiquem a impetração deste mandado de segurança a título preventivo.

Não se nega que o antigo reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tenha exonerado e nomeado o impetrante, no mesmo dia, para o cargo de corregedor-geral (evento 1, OUT6 e OUT7), nem que o chefe de gabinete da reitora Alacoque Lorenzini Erdmann o tenha afastado de suas funções, por meio de portaria que foi posteriormente anulada (evento 1, OUT8 e OUT9), mas o fato é que o pedido formulado na petição inicial não apenas é demasiadamente genérico, como também está baseado em simples reportagens de jornal catarinense (evento 1, OUT10, OUT11 e OUT12).

A mera presunção ou suposição não é suficiente para justificar a concessão da segurança, de forma que o deferimento da tutela pretendida, com base em ocorrências passadas, em matérias jornalísticas e em suspeitas do autor, revela-se como temerária“.

Seu afastamento foi explicado em nota oficial da UFSC, onde consta:

“A decisão do Reitor foi tomada em reunião de Colegiado com todos os Pró-Reitores e Secretários e o Procurador-Geral da UFSC. Considerando a perda da confiança e a prerrogativa do Reitor em designar os ocupantes de funções gratificadas e cargos de direção (FGs e CDs) na Administração Central, o Reitor definiu pela troca no comando da Corregedoria”.

Os protestos se tornaram apenas isso: protestos. Sem maiores consequências ou atos e medidas concretas contra o arbítrio.

Efetivamente foi esta a única medida concreta tomada pela reitoria após a Operação Ouvidos Moucos, além das notas oficiais referidas acima.

Na época das prisões e, depois, com o suicídio do reitor, muitas foram as manifestações em protesto pela forma como tudo foi conduzido. Mas nada oficial por parte da UFSC, além das homenagens de praxe ao ex-reitor. Os protestos de então, pelo jeito, não passaram disso: protestos.

Não por outro motivo que o desembargador estadual Andrade, na conversa que teve com o Blog, deixou clara sua insatisfação em frases como:


Não fizeram nada como universidade, poderiam fazer muitas coisas. Poderiam judicializar isso. Provar que esse tipo de legalidade que eles dizem não é bem assim. Podemos dizer que tudo o que Hitler fez foi legal. Tem lei para justificar até a queima de judeus. Foi tudo legal, mas isso é fascismo“.

Para ele, “está se praticando o velho jogo de deixar passar o tempo para cair no esquecimento. Falta reação das pessoas com alguma legitimidade. Não estão fazendo nada”.

Um esclarecimento que poderia ter sido alardeado e evitaria, inclusive, a notícia da Folha neste sábado (10/02) diz respeito à troca de mensagens de Prata com Cancellier. Na época das mensagens a que o jornal se referiu, o ex-reitor da UFSC, Álvaro Prata, era secretário de Desenvolvimento Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília.

Foi quem informou a Cancellier o real motivo de uma viagem que o corregedor Prado fez à Brasília. Oficialmente ele justificou a viagem por conta de uma reunião na CGU. Na prática, foi ao presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, Abílio Baeta Neves, denunciar irregularidades no uso das verbas repassadas a UFSC para os cursos de Educação a Distância. Foi nesta época, a partir das denúncias de Prado, que a Capes suspendeu os repasses à UFSC.

Cancellier decidiu então ir à Brasília e, para tal, avocou o inquérito administrativo em tramitação na Corregedoria – órgão subordinado à reitoria. Queria detalhes para defender a verba suspensa. Recebeu um envelope fechado. Ao abri-lo no hotel, em Brasília, descobriu, tardiamente, que não lhe tinham sido enviados todos os documentos da investigação em curso. São explicações que a reitoria não veiculou como muitos professores da UFSC desejavam.

Aliás, o silêncio da UFSC quase foi quebrado por iniciativa de um grupo de seus professores.

No dia da Operação, em uma conversa via WhatsApp entre docentes do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), do qual, por precaução, retirou-se o número do celular de Cancellier apreendido pela polícia, Balthazar – então diretor do Centro e hoje reitor pro tempore – explicou aos demais professores do grupo as acusações conta o então reitor.

De acordo com o delegado da PF responsável pelas investigações e ao contrário do alardeado pela mídia (“desvio de 80 milhões de reais”), a investigação concentra-se no período 2011 à 2014 e diz respeito ao pagamento de bolsas a pessoas estranhas à UFSC, num total de aproximadamente R$ 350 mil. Há ainda uma acusação de superfaturamento em despesa de transporte num valor aproximado de R$ 1.000,00 (mil reais). O reitor não está sendo acusado pelo desvio de dinheiro público. A acusação é de obstrução das investigações. Segundo o Reitor em exercício, tal acusação é inverídica, tendo sido comprovado que a administração da UFSC colaborou com as investigações. Houve, em determinado momento do processo investigatório, um atrito com o corregedor geral da universidade, Rodolfo do Prado, o qual, em relatório enviado à Corregedoria Geral da República em SC, acusou o reitor de impedir o trabalho da CG/UFSC, afirmando que a univ. é administrada “por um bando de aloprados” e incompetentes“.

Nas conversas via WhatsApp que se seguiram surgiram pedidos de que as explicações fossem levadas a público: “Isso tinha que ser divulgado na imprensa. Estou profundamente indignada com o que aconteceu hj“, escreveu, possivelmente, uma professora, não identificada.

Muito importantes os esclarecimentos. É necessário divulgá-los não só na comunidade acadêmica. Em tempos de excessos de toda a ordem, que mais indicam um amargo regresso ao Regime Ancião, deve-se estar muito atento e não se perder nenhuma oportunidade de firmar as posições que se fizerem necessárias, e, obviamente, de responsabilizar os autores dos excessos“, postou outro professor cujo nome o Blog preserva, como o fará com todos os demais.

Além das Notas Oficiais da Universidade, o grupo divulgou também notas de solidariedade e repúdio de diversas entidades como a OAB-SC e o Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Inclusive o repúdio, naquela mesma tarde de 14 de setembro, do presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas, ao participar de um evento da UFSC.  Na sua manifestação, Caldas mostrou-se perplexo “diante do modo como se deu a prisão temporária do reitor da UFSC em flagrante violação a autonomia universitária”, segundo relatos feitos pelo WhatsApp.

Repúdio ao arbítrio abafado pelo medo de represália

A Nota Oficial dos Professores de Ciências Jurídicas da UFSC jamais divulgada.

Nesse grupo de debate, no dia da libertação do reitor – 15 de setembro – teve início a cobrança de uma posição dos professores do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da UFSC, a denominação da Faculdade de Direito da UFSC.

Daí surgiu a discussão em torno da conveniência ou não de divulgarem uma posição crítica à Operação.

O maior receio veio de uma represália por parte das autoridades, notadamente a juíza Janaína.

Ela, que no dia da Operação estava em licença por motivos de saúde, mesmo correndo o risco de ferir a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) que impede a um magistrado comentar decisões de outro, criticou publicamente a decisão da sua substituta temporária.

Foi a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, no exercício da titularidade da 1ª Vara, quem determinou a liberação do reitor, professores e servidores presos.

Na conversa pelo WhatsApp surgiu a posição que teria sido emitida pela OAB-SC sobre a realização de um ato de repúdio aos arbítrios da operação policial. Consta ali, como o Blog constatou:

Colegas, segue abaixo a resposta da OAB/SC, quando consultada, na sexta-feira à tarde, sobre a realização de um ato de desagravo em favor do Cau, contra os abusos praticados pela PF, cumprindo ordens da JF:

“Amigo, estou seriamente inclinado a te desencentivar dessa ideia. Seja pela Ordem, seja pela UFSC. Cuidado com isso. Vcs vão tornar isso pessoal com o juiz, delegada, etc.. Vão confrontá-los. Então, condenar o Cancellier, para eles, passa a ser questão de ordem. Vai dificultar muito a defesa dele. Cuidado com tiro no pé!””

Imediatamente após um dos professores alertou: “De outro lado o nosso silêncio pode ser muito mal interpretado…

Também surgiram apelos à moderação: “Neste momento, o confronto é dispensável.

Com a justificativa de que represálias pudessem ocorrer, o silêncio da reitoria se impôs também aos professores do CCJ, onde Cancellier estudou, pós-graduou-se, doutorou-se e depois dirigiu, antes de alçar à reitoria.

O texto inicial da nota não divulgada à época – que publicamos acima – acabou debatido em uma reunião entre professores na segunda-feira (18/09). Foram feitas sugestões de modificação, entre elas a de “não confrontar-se com a imprensa; realizar alguma consideração técnica sobre o não cabimento da prisão temporária no caso, conforme aos seus requisitos legais; citar que a revogação da prisão em tempo curto por outra magistrada demonstra exatamente que a medida inicial não era necessária“.

Nos debates surgiu, inclusive, uma posição nítida em defesa da reintegração do reitor ao seu cargo. A ideia apresentada foi de incluir na nota:

É imperativo agora que o reitor seja restituído ao exercício de suas funções imediatamente, uma vez que já executadas as diligências policiais autorizadas. O titular de mandato eletivo não pode ficar afastado sine die, enquanto a autoridade policial demora-se na conclusão do inquérito, sob pena de conversão da medida cautelar em autêntica pena, aplicada antes da existência, sequer, de processo-crime”.

Mas, se sobrepôs a tese de que a nota e um ato público para a sua leitura poderiam ajudar a acirrar ânimos. Recearam, inclusive, uma nova ordem de prisão contra os professores libertados no dia seguinte à Operação Ouvidos Moucos. O receio dominou, ao que parece, a maioria e o silêncio prevaleceu.

Diante da posição receosa da UFSC, a única medida efetivamente adotada quanto ao arbítrio da Operação Policial foi da família do reitor.

Seu irmão, Acioli, e os advogados contratados pelo próprio Cancellier antes de morrer – Nívea Dondoerfer Cademartori e Hélio Brasil – apresentaram uma reclamação ao ministro da Justiça. Ela foi encaminhada ao próprio Departamento de Polícia Federal (DPF) para investigar o caso. Mas a investigação não foi feita por Brasília. A repassaram à Superintendência responsável pela operação criticada.

A investigação foi conduzida pela corregedoria da própria Superintendência do DPF em Santa Catarina. Ali, como narrou Walter Nunes, da Folha, na reportagem – Assessor produziu parecer para eximir delegada da PF em sindicância: “O delegado Luiz Carlos Korff, responsável por um parecer que recomendou o arquivamento de uma sindicância contra a delegada Erika Mialik Marena, que se notabilizou na Operação Lava Jato, é também o responsável por assessorá-la e os outros delegados de Santa Catarina no contato com a imprensa. Korff acumula os cargos de chefe do núcleo de correição da PF catarinense, que investiga a conduta dos policiais federais, e também o de diretor de comunicação da entidade, que faz a divulgação das operações, organiza entrevistas dos delegados e fornece informações a jornalistas.”.

A partir do parecer, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, anunciou que pretende arquivar a reclamação. Isto gerou protesto do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. Sua nota – Arquivamento da Denúncia de Abuso do Poder: Escárnio, Hipocrisia e Desfaçatez! – foi divulgada no Facebook e também no Jornal GGN, na postagem: Torquato Jardim nega pedido de sindicância do caso Ouvidos Moucos.

A família do reitor também não se conformou, mas ainda estuda o que deverá fazer com relação ao caso. Da UFSC, porém, não deve esperar muita coisa.

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