Privatizar pode ser bom, mas pode ser um desastre

Resplendor (MG) - Um ano depois a imagem aérea mostra a a lama no Rio Doce( Fred Loureiro/ Secom ES)

Ao ler o recente estudo do DIEESE sobre a atual política de desestatização, lembrei-me do desastre do Rio Doce, a privatizada Vale era sócia da Samarco. Lembrei-me de que as grandes financiadoras de imóveis nos Estados Unidos nasceram pela mãos do Estado, passaram para mãos privadas e voltaram para o Estado com a enorme crise de 2008. Essas idas e vindas que acontecem pelo mundo indicam que há, no capitalismo, negócios que podem ser deixados em mãos privadas e aqueles que não devem sair das mãos do Estado.

O pré-candidato à presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, disse ontem (07/02) que defende a ampliação da iniciativa privada na economia e é favorável à privatização de toda a Petrobras, se houver bom marco regulatório. Não se trata, porém, apenas de ser contra ou a favor das empresas estatais. A discussão precisa subir um degrau para descobrirmos se certas empresas promoverão ganhos maiores para a sociedade se ficarem nas mãos do Estado. Discussão que não aconteceu quando o presidente do país era o companheiro de partido de Alckmin, Fernando Henrique Cardoso, e não acontece agora no governo apoiado pelo PSDB. Quais problemas não são resolvidos ou são agravados com as empresas privadas? É o que tentaremos responder aqui com ajuda da nota técnica do Dieese, de onde foram extraídas as citações aqui feitas.

O mercado falha

Os economistas chamam de falha de mercado os defeitos, as anomalias, as imperfeições que o mercado apresenta. Em alguns casos, a falha de mercado é caracterizada pela ausência de certo produto no mercado. Aqui, pode-se citar a energia elétrica e a telefonia que não chegam a regiões mais ermas do país.

As situações em que certo mercado promove ganhos para seus participantes privados e, simultaneamente, custos ou prejuízos para toda a sociedade também podem ser aqui incluídos. São falhas originadas pela incapacidade do mercado de atender certas demandas sociais. O mercado, deixado livre, não mantém, por exemplo, o ar e os rios limpos.

Um exemplo fundamental de falha de mercado brasileiro é a ausência de financiamento de investimentos de longo prazo. O sistema financeiro brasileiro não oferece empréstimos de longo para que as empresas possam, com custos razoáveis, investir em projetos que demorem para começar a dar retornos, chamados projetos de longa maturação. O BNDES tem cumprido esse papel solitário de emprestador de longo prazo nos Brasil, assim como os bancos de desenvolvimento de inúmeros países.

A feira livre e os monopólios

Quando imaginamos o mercado, tendemos a pensar em bens e serviços com muitos produtores e consumidores, envolvidos negociações em que nem vendedores nem compradores tem o poder de determinar os preços. Uma feira livre é, talvez, o exemplo mais próximo desse mercado.

Esse mercado “ideal” onde prevalece a livre concorrência está, entretanto, muito longe de ser o tipo mais frequente nas nossas economias. Olhando à nossa volta, percebemos que os monopólios, em que serviços ou bens são produzidos por uma só empresa, e os oligopólios, em que poucas empresas detêm o controle sobre grande parcela do mercado, são mais fáceis de serem encontrados.

Os economistas chamam esse poder de influenciar os preços de poder de mercado. A ausência do Estado nos mercados em que uma ou poucas empresas detenham alto poder de mercado gerará distorções danosas à economia como um todo. Não há saída, por exemplo, para os consumidores frente aos altos preços da energia elétrica ou da água. Se quiser consumir será no preço determinado pelo monopólio provedor.

“Para assegurar a oferta e preços adequados, é preciso considerar que alguns setores têm estrutura de mercado muito concentrada: quando não são monopólios naturais, são segmentos de poucos participantes com expressivo poder de mercado (oligopólios), principalmente devido às barreiras à entrada de novos competidores. Essa é uma razão adicional para que o Estado tenha participação significativa nesses mercados, por meio de empresas que possam assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço), possibilitando a implantação de diretrizes governamentais relacionadas a metas ambientais, escolhas tecnológicas, desenvolvimento regional, patamares mínimos de investimento, expansão da oferta e preços módicos.”

Lucro econômico e lucro social

Quando uma empresa privada determina seus investimentos e sua linha de atuação, o objetivo principal é o lucro de seus acionistas ou seus donos. A atividade da empresa pode gerar ganhos ou perdas para a economia e para a sociedade como um todo, mas esses ganhos ou perdas sociais não são os fatores decisivos que levam a realização ou não do empreendimento privado. O resultado para a empresa é o fator fundamental para a decisão de investimento.

Existem, ainda, certas atividades econômicas que têm grande risco, alta probabilidade de gerar prejuízos, mas que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento econômico dos países. Aqui, em que pesem eventuais prejuízos para a empresa, são gerados lucros sociais, lucros para a economia e para a sociedade como um todo, lucros para a soberania do país ao reduzir sua dependência de outras nações.

No Brasil, assim como na maioria dos países, um conjunto relevante de bens e serviços foi e é produzido por agências públicas ou empresas sob o controle estatal. Esse foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, construída no governo Getúlio Vargas, iniciativa fundamental para o processo de industrialização do país. Seria impensável, à época, um investimento de tal envergadura sem o protagonismo estatal. Processo similar ocorreu recentemente com o pré-sal, hoje considerada a terceira maior reserva de petróleo e gás do mundo, mas cujos custos de exploração foram considerados inviáveis pelo setor privado alguns anos atrás. Considerando-se os elevados riscos envolvidos, sua descoberta só foi possível por meio da decisão de uma empresa pública, a Petrobras, de persistir em pesquisas e na confirmação desta descoberta.

Muitos setores de atividade econômica, devido a suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que pode se estender por décadas, tais como as estradas e as ferrovias. Em muitos casos, embora possam não ser de interesse para a exploração privada, são fundamentais ao desenvolvimento econômico e social de um país e, por esta razão, a sociedade decide arcar com os custos de sua realização.”

Atuação contracíclica

Em momentos de crise, como o que vivemos desde 2015 até esse início de 2018, os investimentos feitos pelas empresas privadas se reduzem enormemente, todos os planos de implantação ou ampliação dos negócios são adiados para um momento futuro, momento em que se consiga enxergar um horizonte favorável. Da mesma forma, os consumidores, que perdem seus empregos ou percebem risco de desemprego, se retraem e passam a consumir somente o que consideram essencial.

Com a retração do investimento e do consumo privados, resta somente a atuação do Estado como motor para tirar a economia do atoleiro. Se o Estado tiver empresas sob seu comando poderá atuar mais fortemente na reversão da crise, atuar de modo contracíclico. De outro modo, a crise perdurará.

“A atuação e os investimentos estatais também podem ser fatores de estabilização econômica, do nível de emprego e da renda, à medida que, por não obedecerem apenas à lógica de mercado, asseguram um mínimo de expansão da demanda agregada, atuando como instrumento de políticas anticíclicas. Foi o que se viu no Brasil durante a crise financeira internacional de 2008, quando os bancos públicos, por meio da expansão do crédito e da redução dos juros, exerceram importante papel anticíclico.”

Mercadorias e serviços essenciais à vida

Os economistas consideram que mercadoria é todo bem ou serviço que se compra e se vende. Do mesmo modo que entendemos claramente que a vida não é uma mercadoria, deveríamos entender que os bens e serviços essenciais à vida também deveriam estar fora dessa classificação e, portanto, serem garantidos a todos.

Ocorre que as sociedades, nesses tempos de predomínio da ideologia neoliberal, vêm diminuindo os serviços e bens que deveriam ser públicos e convertendo-os em mercadorias produzidas e geridas por empresas privadas.

“Há, por sua vez, algumas atividades que proveem serviços essenciais à vida – como captação, tratamento e distribuição de água e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica – e que, sob pena de colocarem em risco a economia do país e a própria sobrevivência da população, não podem ser tratados como uma mercadoria qualquer. Na maioria dos países, procura-se assegurar, como questão estratégica e de segurança nacional, o provimento de tais serviços na quantidade e qualidade necessárias e a preços acessíveis tanto para consumo da população, quanto dos diversos setores de atividade econômica. Ademais, os problemas no atendimento à população, associados à ineficiência da gestão privada desses serviços têm sido a principal justificativa para sua reestatização generalizada nos países em que foram privatizados. Destaca-se o setor de água e esgoto, que registra mais de 240 casos de reestatização em países como os Estados Unidos (58 casos), França (94 casos), Alemanha (9 casos), entre outros (15).

No Brasil, o próprio texto da Constituição Federal de 1988 define o provimento de uma série de bens e serviços como propriedade/competência da União e, em alguns casos, de estados e municípios. Dentre eles, podem ser mencionados as jazidas e demais recursos minerais; potenciais de energia elétrica; tratamento e distribuição de água e coleta de esgoto; gestão dos recursos hídricos; infraestrutura aeroportuária; serviços e instalações nucleares; serviços de transporte; e serviços postais.”

 

Os ataques às empresas estatais

As empresas estatais têm sofrido ataques diários dos meios de comunicação tradicionais. Afirmam e reafirmam que há corrupção e que são ineficientes. No entanto, é preciso colocar na balança também os benefícios que essas empresas geram

As empresas estatais, ressalta a nota técnica do DIEESE, são vitais para:

i. promover investimentos vultosos de longo prazo;
ii. prover serviços essenciais à vida;
iii. assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço) em mercados concentrados;
iv. realizar investimentos em ciência, tecnologia e inovação; atuar como instrumento de políticas anticíclicas;
v. assegurar o controle de bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva;
vi. atuar em nome do interesse e da soberania nacional; e
vii. tomar decisões empresariais orientadas pelo interesse coletivo.

Se concordamos com a importância da atuação das estatais, trata-se de criar outras soluções mais inteligentes do que simplesmente repassá-las para o controle privado.

“É possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sob a perspectiva do interesse público. A análise das experiências de países desenvolvidos mostra a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social, que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados.”

Nota
Para ler a Nota Técnica 189, “Empresas estatais e desenvolvimento: considerações sobre a atual política de desestatização”, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), veja https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec189Estatais.html

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